Sínteses https://sinteses.blogfolha.uol.com.br Da Idade da Pedra à 'febre do grafeno', um blog sobre tudo aquilo de que o mundo é feito Sun, 21 Mar 2021 19:10:18 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Processos que mantêm a vida podem apoiar matriz energética sustentável https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/11/23/processos-que-mantem-a-vida-podem-apoiar-matriz-energetica-sustentavel/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/11/23/processos-que-mantem-a-vida-podem-apoiar-matriz-energetica-sustentavel/#respond Mon, 23 Nov 2020 21:34:40 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/11/capa_autoorganizacao-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=131 A natureza é inspiração de desenvolvimentos tecnológicos em todas as áreas e, com muita frequência, de novos materiais. Em Sínteses, já vimos como a transpiração humana e de outros animais inspirou o uso de hidrogel para resfriamento de robôs flexíveis e conhecemos a busca por um material tão resistente quanto o ouriço da castanha do Pará.

Nestes exemplos, embora se busque reproduzir soluções presentes em organismos vivos, o caminho para tentar chegar aos mesmos resultados é completamente diferente dos processos naturais.

No nosso Universo, tudo tende ao equilíbrio ou, como registra a chamada Segunda Lei da Termodinâmica, ao nível máximo de entropia (frequentemente descrita como grau de desordem, ou desorganização, de um sistema) e, por consequência, mínimo de energia. No entanto, para um ser vivo, o equilíbrio significa a morte. Como ninguém quer atingir este equilíbrio, ou seja, o momento em que a energia chega ao seu nível mínimo, nós e os animais, por exemplo, nos alimentamos, recebendo assim matéria com alto teor energético.

Na síntese convencional de materiais ou outras substâncias, o processo quase sempre é feito de forma consecutiva, passo a passo, objetivando a chegada ao equilíbrio. Juntamos A e B para produzir C, em uma reação que segue até que as três espécies químicas (A, B e C) estejam em equilíbrio. Depois, pegamos C, já mais complexo, e misturamos com D, para chegar a E, novamente em equilíbrio. E assim por diante, até termos o hidrogel para resfriamento do robô ou um material de construção tão resistente quanto a castanha do Pará.

Porém, em condições fora do equilíbrio, a síntese pode acontecer com todas as reações simultaneamente. Por exemplo, a interação entre A e B pode resultar no dobro de B, em um fenômeno conhecido como autocatálise, que descreve um aumento da concentração de B pela sua própria formação. Se também estiver presente uma etapa de inibição –a reação de B com C, por exemplo–, o crescimento de B pode ser freado, com escalas de tempo diferentes e, assim, oscilação na concentração de B, com momentos de maior ou menor produção. Essas oscilações levam, dentre outras consequências, a padrões e estruturas na matéria –como espirais, poros, dendritos e organizações multicamadas– muito mais complexos que os obtidos na síntese convencional.

Na natureza, este tipo de estruturação auto-organizada é onipresente, indicando que oscilações em processos naturais são muito comuns. Como estrutura e propriedades de diferentes materiais estão intimamente relacionadas, os pesquisadores têm buscado compreender melhor esses mecanismos, com o objetivo de empregá-los na obtenção de novos materiais com composição e estrutura complexas e, assim, propriedades físicas e químicas que atendam às necessidades tecnológicas mais urgentes.

No Brasil, o Laboratório de Dinâmica Eletroquímica e Conversão de Energia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) estuda há cerca de quatro anos a síntese eletroquímica auto-organizada com o objetivo de obter, no futuro, materiais para transformações na nossa matriz energética rumo a configurações mais sustentáveis. Materiais para aplicação, por exemplo, em dispositivos como células a combustível, baterias e sensores.

“A termodinâmica clássica foi muito estudada, as coisas funcionam, temos capacidade de previsão, mas só em condições de equilíbrio. E o equilíbrio é um pouco sem graça”, resume Raphael Nagao, professor do Instituto de Química da Unicamp. “É natural que façamos primeiro a parte mais simples. Mas um universo de possibilidades existentes entre o começo da reação e o equilíbrio fica de fora, e é nessas possibilidades que estamos interessados”, complementa, ao comentar as pesquisas que o grupo realiza com dispositivos eletroquímicos.

Dispositivos eletroquímicos muito conhecidos são as pilhas e baterias, nos quais o interesse maior está na corrente elétrica gerada pelo transporte de cargas (elétrons) entre os polos negativo e positivo (eletrodos) através de uma solução (eletrólito). Porém, além da corrente, as reações de redução (ganho de elétrons) e oxidação (perda) que acontecem nestes dispositivos levam à deposição ou à dissolução de materiais sobre os eletrodos. A deposição eletroquímica está, por exemplo, por trás dos processos que conhecemos como niquelação, galvanização e cromagem, comuns na indústria automobilística.

Comumente, a obtenção de materiais por deposição ou dissolução eletroquímica é feita em uma abordagem mais convencional, em que oscilações nas variáveis principais, como corrente e potencial, são indesejadas e, portanto, evitadas.

O objetivo dos pesquisadores que têm trabalhado com auto-organização é compreender melhor o que acontece fora do equilíbrio e verificar como controlar com precisão e racionalizar o crescimento de padrões e estruturas. Nagao cita o exemplo de materiais a base de cobre, essenciais à redução do CO2 (a reação química, não a diminuição da quantidade, embora uma coisa leve à outra). Essa reação de redução visa a transformação do gás causador de efeito estufa em combustíveis e produtos químicos de alto valor agregado.

“Nós conhecemos alguns sistemas eletroquímicos que permitem a manipulação da estruturação de cobre e óxido de cobre. Nossa ideia é fazer a síntese destes materiais de forma auto-organizada, controlando a estruturação, e, então, verificar se há um diferencial no que diz respeito à eficiência da conversão de CO2, na comparação com a deposição em condições nas quais não há oscilações”, explica.

O campo, no entanto, ainda é novo, e demanda muita pesquisa básica junto às indagações sobre possíveis efeitos tecnológicos. “Embora existam bases matemáticas para o estudo de sistemas fora do equilíbrio, ainda estamos muito longe de conseguir entender profundamente o que acontece. Mas não podemos deixar de investigar, por causa disso, se é possível usar, nas nossas sínteses, esses mecanismos que encontramos em seres vivos e que são tão bem sucedidos”, conclui Nagao.

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Forte como um ouriço https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/02/13/forte-como-um-ourico/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/02/13/forte-como-um-ourico/#respond Thu, 13 Feb 2020 11:00:42 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/02/ourico-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=66 Você já viu a casca da castanha do Pará?

Não o invólucro marrom de três faces que envolve cada castanha, em formato de esfiha (ou alguém me ajuda com uma analogia melhor?).

Muito menos os restos de película escura que sobram nas castanhas, alimento tão brasileiro e, ao mesmo tempo, pouco familiar na sua aparência original.

Alguém conhece o ouriço, fruto esférico da castanheira, que abriga uma ou duas dezenas de sementes (as castanhas), não se quebra na queda de árvores que podem chegar aos 50 metros de altura e, normalmente, é rompido pelos dentes de um único animal, a cotia?

Marília Sonego não o conhecia. Até que um tio trouxe um exemplar para casa, de Porto Velho, e, com o pai da pesquisadora, embarcou em uma saga para serrá-lo em duas partes com vistas à produção de um cinzeiro. “Eu estava no mestrado, buscando um tema para a minha pesquisa de doutorado, já com interesse em materiais biológicos. Fiquei intrigada com toda aquela dificuldade para abrir o ouriço”, conta a hoje quase doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência e Engenharia de Materiais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com defesa da tese marcada para o próximo mês de março.

Quatro anos depois, Marília Sonego tem grande chance de ser a maior conhecedora do mesocarpo do fruto da castanheira em todo o mundo. Seu doutorado buscou, primeiramente, caracterizar a camada responsável pela notável resistência mecânica do ouriço –o tal mesocarpo, situado entre uma camada mais externa que apodrece no amadurecimento e um endocarpo muito fino para sustentar qualquer coisa. Geralmente, este é um trabalho realizado por especialistas na área da botânica, mas, como não achou a descrição na literatura já existente, a engenheira de materiais arregaçou as próprias mangas.

Além disso, o trabalho buscou estratégias para utilizar as estruturas encontradas em novos materiais, em um processo conhecido como bioinspiração ou biomimetismo. “Na natureza, os materiais estão sujeitos às mesmas leis e enfrentam os mesmos problemas que nós no laboratório, na indústria, na arquitetura… Enfrentam, por exemplo, a gravidade, o atrito, a degradação pela luz do sol… A diferença é que a natureza teve bilhões de anos para ir encontrando as soluções, por tentativa e erro, e entender as estratégias que ela desenvolveu pode ajudar muito”, situa a pesquisadora.

No esforço de caracterização do ouriço, Sonego utilizou equipamentos de microscopia e tomografia e, também, experimentos para verificar a composição química e ensaios mecânicos para mensurar a performance do mesocarpo sob compressão e tração e outras propriedades relacionadas à tenacidade do material. Em compressão, o ouriço da castanha do Pará se mostrou mais difícil de quebrar que as cascas de todas as outras castanhas estudadas, dentre as quais a macadâmia, segunda colocada; amêndoas, avelãs e nozes.

Já os exames de imagem e análises químicas revelaram detalhes da estrutura do ouriço em diferentes níveis: do macroscópico ao molecular, passando pelo celular (microscópico) e pelo chamado nível fibrilar (nanoscópico). Foi no nível celular que Sonego encontrou a inspiração central para o material proposto ao final da pesquisa. “Todas as escalas têm as suas estratégias, que se conectam, e é essa organização hierárquica que explica como componentes relativamente fracos podem resultar em um sistema com propriedades excepcionais. Mas esta é uma complexidade difícil de reproduzir artificialmente, e eu precisei fazer escolhas”, revela a pesquisadora.

Os principais resultados encontrados podem ser resumidos em duas características. Uma é a combinação entre dois tipos de células presentes, as fibras, alongadas, e as esclereides, esféricas, ambas ocas e com grossas paredes celulares. A outra é o posicionamento das fibras em três camadas com orientações distintas, como um sanduíche com duas camadas na vertical e uma camada central na horizontal.

A combinação de fibras e esclereides pode ser comparada a uma treliça (formada pelas fibras) com espaços preenchidos por espuma (as esclereides ocas). Esta é uma estratégia que permite a presença de material mais resistente onde é necessário suportar maior carga, com o restante preenchido por elementos menos densos, o que reduz o peso final da estrutura.

Além disso, essa organização sugere um mecanismo dificultador da propagação de trincas análogo ao que vemos em paredes de tijolo aparente. Nelas, o posicionamento dos tijolos em fileiras deslocadas faz com que a trinca tenda a desviar dos tijolos, que exigem maior energia para serem quebrados. Assim, a trinca percorre um caminho mais longo, o que retarda a fratura. No ouriço, a trinca evitaria quebrar a parede celular de fibras e esclereides, se propagando pelas interfaces entre elas.

Já o posicionamento das fibras em diferentes orientações resulta em um efeito oposto ao que observamos em uma casca de banana. Na banana, as fibras estão posicionadas em um só sentido, de uma ponta a outra (longitudinal), o que dificulta o rompimento ao redor da fruta (latitudinal), mas permite que a descasquemos com facilidade, puxando a casca no sentido das fibras. No ouriço, como há fibras em todas as direções, há resistência em todas elas.

Considerando essas características, a pesquisadora propôs um material organizado em várias camadas de fibras de um polímero (PLA) reforçado por fibra de carbono. Essas camadas foram produzidas por impressão 3D, para chegar às diferentes orientações das fibras, verticais e horizontais. Os espaços entre as fibras foram preenchidos por uma espuma com esferas de vidro ocas imitando as esclereides, e todo o conjunto foi ligado com o uso de uma resina (epóxi).

O material resultante também foi submetido a testes para verificar seu desempenho mecânico, o que mostrou alguns bons resultados e evidenciou aprimoramentos necessários, como mudanças na quantidade e tamanho das bolinhas e a redução da diversidade de materiais aplicados.

“A etapa de caracterização foi longa. No primeiro ano inteiro, por exemplo, eu fiquei estudando biologia! Só cheguei à etapa de proposição do compósito no último ano, e minhas expectativas eram baixas devido à alta complexidade do ouriço. Mas obtivemos alguns bons resultados, e agora sei quais são os próximos passos a seguir. Eu só usei materiais comerciais, por exemplo, e uma possibilidade é desenvolver esses materiais aqui na universidade”, registra a pesquisadora.

A pesquisa de Sonego foi realizada em parceria com Luiz Antonio Pessan, seu orientador no doutorado, professor no Departamento de Engenharia de Materiais da UFSCar, e com Claudia Fleck, pesquisadora da Technische Universität Berlin, na Alemanha, onde a brasileira realizou alguns dos experimentos. O estudo recebeu financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

As diferentes etapas envolveram também outras colaborações, no Brasil e na Alemanha. Parte dos resultados já foram publicados em julho do ano passado na revista especializada Bioinspiration & Biomimetics, e um segundo artigo está aceito e deve sair em breve na Scientific Reports, do grupo Nature. O trabalho também foi apresentado em congressos na Alemanha, Austrália e no Canadá, além do Brasil.

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Entenda por que um robô que transpira é mais que mera curiosidade https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/02/04/entenda-por-que-um-robo-que-transpira-e-mais-que-mera-curiosidade/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/02/04/entenda-por-que-um-robo-que-transpira-e-mais-que-mera-curiosidade/#respond Tue, 04 Feb 2020 14:30:11 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/02/gotas-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=53 A Science publicou há alguns dias o vídeo de um robô capaz de algo inusitado: transpirar. A produção divulga artigo de pesquisa publicado em 29 de janeiro na Science Robotics, revista especializada do mesmo grupo, o que indica a existência de alguma importância no suor robótico.

A máquina em questão, uma garra para segurar e manipular objetos, é um exemplar do que vem sendo chamado de robótica soft, ou flexível. O objetivo é produzir robôs com materiais macios, para ambientes e usos em que os rígidos não são viáveis. Dentre essas aplicações destaca-se a interação com sistemas biológicos, incluindo o corpo humano, já que esses materiais são especialmente adequados à interação com tecidos vivos, sem danificá-los.

Um dos desafios no desenvolvimento dessa nova geração de autômatos é a sua refrigeração. O resfriamento é necessário não apenas durante o uso em ambientes extremos, com altas temperaturas, por exemplo, mas porque a própria operação esquenta os dispositivos, tornando-os menos precisos e confiáveis.

Como é comum na robótica soft, a inspiração para resolver o problema veio da natureza. Os pesquisadores –da Universidade Cornell e outras instituições estadunidenses– buscaram reproduzir o mecanismo de resfriamento evaporativo dos humanos e outros mamíferos. Para baixar nossa temperatura corporal, suamos, e a evaporação do suor promove a queda de temperatura na superfície em que acontece –nossa pele, no caso. E é isto que acontece no robô, produzido a partir de hidrogel, impressão 3D e muita criatividade.

A impressão 3D permitiu fabricar estruturas com grande precisão, como o formato plissado de cada dedo da garra, que aumenta a amplitude de movimento; o canal embutido por onde flui a água que, ao mesmo tempo, controla o movimento do robô e é o líquido a ser evaporado; e texturas que ampliam a área de superfície do dispositivo e, assim, a taxa de evaporação.

Já o hidrogel, além de ser o material macio e flexível que se conforma a superfícies delicadas sem aplicar grande tensão sobre elas, é o que permite a transpiração autônoma e controlada. Neste caso, ele configura um material inteligente (smart material), sendo ao mesmo tempo um sensor (de temperatura), um atuador (responsável pelo movimento) e o promotor da termorregulação do dispositivo.

De fato, foram dois os materiais utilizados, com respostas opostas à variação de temperatura.

O corpo de cada dedo da garra, onde está o canal com água pressurizada, é feito de um hidrogel que perde água quando aquecido, encolhendo e enrijecendo. Na superfície, um outro hidrogel tem o comportamento inverso, absorvendo água em temperaturas elevadas. Essa absorção faz com que o material inche, e que microporos inseridos em sua estrutura se expandam e abram, permitindo a saída da água para a superfície do robô, a evaporação e o consequente resfriamento. A combinação de enrijecimento e relaxamento, por sua vez, faz com que o dedo mantenha sua forma e, assim, a função de manipular objetos.

Segundo os pesquisadores, a cópia superou o modelo: a capacidade de resfriamento do dispositivo é 300% superior àquela encontrada em sistemas biológicos. Com água originalmente a 70ºC, a queda foi de 21ºC em apenas 30 segundos!

Embora ainda existam ajustes a serem feitos, os autores do artigo já vislumbram outras aplicações para a capacidade de termorregulação e liberação seletiva de líquidos, como a adição de outras substâncias à água, que seriam liberadas junto com ela pelo aquecimento.

Confira no vídeo da Science o robô em ação.

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