Sínteses https://sinteses.blogfolha.uol.com.br Da Idade da Pedra à 'febre do grafeno', um blog sobre tudo aquilo de que o mundo é feito Sun, 21 Mar 2021 19:10:18 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Na twistrônica, Brasil enxerga além https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2021/03/10/na-twistronica-brasil-enxerga-alem/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2021/03/10/na-twistronica-brasil-enxerga-alem/#respond Wed, 10 Mar 2021 14:32:29 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/rede_capa-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=169 O grafeno é pop. Devida ou indevidamente alardeado, é de fato imenso o potencial tecnológico do material, por propriedades como leveza, flexibilidade, dureza e capacidade de conduzir eletricidade.

Apesar de toda a agitação, o grafeno nada mais é que uma camada extremamente fina de grafite, com apenas um átomo de espessura. Isolado e caracterizado em detalhes pela primeira vez em 2004, suas propriedades levaram a uma onda de estudos em todo o mundo, incluindo outros materiais bidimensionais e lamelares.

“Materiais com estrutura lamelar como a do grafeno são vários na natureza. A pedra-sabão, das esculturas de Aleijadinho, tem estrutura lamelar, por exemplo. Eles aparecem para nós como tridimensionais porque estão empilhados, como o grafeno no grafite. Quando escrevemos com um lápis, desfolhamos o grafite, marcando nosso papel com grafeno”, explica Ado Jório, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Jório lidera o grupo de pesquisa cujo trabalho com grafeno ocupou, em 17 de fevereiro, um dos lugares mais disputados pela ciência mundial: a capa da revista Nature. A propriedade investigada pelo grupo foi a supercondutividade que aparece quando duas folhas de grafeno são empilhadas e uma delas é rodada em um ângulo de exatamente 1,1 grau.

Para entender o trabalho do grupo brasileiro, façamos uma experiência simples. Coloque as mãos uma sobre a outra, palma com palma. Agora, gire a mão direita ligeiramente, deslizando-a sobre a mão esquerda.

Com as nossas mãos, nada acontece, exceto o deslocamento dos dedos de uma mão em relação aos da outra, visualmente. Porém, quando cientistas fazem a mesma coisa com duas folhas de grafeno, um mundo de novas possibilidades passa a existir.

O grafeno é uma folha plana em que os átomos de carbono estão organizados em rede, em uma estrutura hexagonal. É esta estrutura cristalina – e, consequentemente, as estruturas eletrônica e vibracional – que conferem ao material suas propriedades únicas.

“A estrutura eletrônica e a estrutura vibracional, juntas, definem quase todas as propriedades dos materiais”, situa Jório. “Por que, em um óculos, a luz passa pela lente, mas não pela haste? Por que a blusa que você está usando é maleável, mas a armação do óculos é rígida? Por que a tela do seu celular é sensível ao toque?”, questiona o pesquisador. “A resposta a todas essas questões está na estrutura eletrônica e vibracional de cada material.”

Representação da super-estrutura criada pela rotação de uma folha de grafeno sobre outra
Representação da super-estrutura criada pela rotação de uma folha de grafeno sobre outra (Crédito: Ponor, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons)

A rotação (twist, em Inglês) da bicamada de grafeno faz com que a rede vire super-rede, na qual os hexágonos menores da rede original se transformam em uma estrutura hexagonal maior (como na imagem). O fenômeno de supercondutividade que resulta desta alteração foi verificado experimentalmente em 2018, ilustrando o surgimento e o potencial de um novo campo científico e tecnológico, a twistrônica.

Ado Jório conta que o termo, twistrônica, é próprio de materiais bidimensionais. Ele explica como, em um material tridimensional – um cubo, por exemplo –, as propriedades são da estrutura no interior deste material. Assim, se juntarmos dois cubos e rodarmos um em relação ao outro, podemos alterar algo nas superfícies que estão em contato, mas não o que está mais longe, no interior. “Mas, quando pegamos um material com um átomo de espessura e encostamos em outro, a influência é muito grande, e a orientação com a qual incluímos, por exemplo, a segunda folha de grafeno, o ângulo, tem um papel fundamental”, explica.

No caso do grafeno, portanto, é a rotação em exatamente 1,1 grau que torna o material supercondutor. Embora isto tenha sido constatado em 2018, ainda não há um modelo teórico para compreender porque o fenômeno acontece, o que é fundamental para controlá-lo e, assim, um dia poder aplicá-lo tecnologicamente em dispositivos de uso cotidiano. É nesta direção, de entender o que acontece, que vem a contribuição do artigo publicado na Nature, cujos resultados só foram possíveis por causa de um equipamento desenvolvido aqui no Brasil: o nanoscópio.

Jório conta que o que explica a supercondutividade – ou seja, a existência de materiais que conduzem eletricidade sem resistência e, assim, sem perdas – é o modo como a partícula eletrônica que percorre o material se acopla com a forma como o material vibra. “O que o nanoscópio trouxe pela primeira vez foi a possibilidade de gerar imagens e caracterizações da estrutura eletrônica e da estrutura vibracional com resolução justamente na escala nanoscópica. Agora, outros pesquisadores têm os dados para desenvolver um modelo teórico para explicar a supercondutividade na bicamada de grafeno rodada, fundamentado nas propriedades eletrônicas e vibracionais que nós mostramos como são”, detalha o pesquisador.

A resolução dos microscópios não permite ver nada menor que um mícron. Assim, o ganho do nanoscópio é justamente a possibilidade de enxergar estruturas e fenômenos que acontecem na ordem dos nanômetros, ou seja, em uma escala mil vezes menor que a do mícron.

A capacidade do nanoscópio está, fundamentalmente, relacionada ao tamanho da antena que faz a análise do material estudado. “O que fizemos foi uma nanoantena com uma tecnologia específica, que nós criamos. Esta nanoantena levou a um funcionamento muito melhor que o de qualquer outro nanoscópio existente no mundo e, assim, a imagens tão informativas, tão ricas, quanto as compartilhadas no artigo”, conta o professor da UFMG.

“Por outro lado, na modelagem matemática, o desafio está no fato das estruturas na super-rede serem grandes e exigirem, por isso, muita capacidade computacional”, acrescenta Jório. “O que o nosso artigo traz de muito valioso é tanto o ganho de resolução, do ponto de vista experimental, quanto o fato dos teóricos que trabalharam conosco terem feito um modelo capaz de calcular estruturas muito grandes, o que nenhum outro existente até agora tinha capacidade de fazer.”

No entanto, apesar da importância dos resultados para a continuidade do desenvolvimento da twistrônica, não é amanhã que teremos bicamadas de grafeno conduzindo energia por aí.

“Do surgimento de uma nova proposta, que é a twistrônica, a conseguirmos dominar a produção desse tipo de material de forma robusta o suficiente para utilização em aplicações tecnológicas, ainda há muito tempo de pesquisa e muito trabalho de engenharia pela frente”, esclarece Ado Jório. “É preciso fazer o material rodar neste ângulo exato, no tamanho que você precisa, dentro do dispositivo que você quer, e de forma estável, ou seja, sem que volte à posição original. Para que esteja no nosso dia a dia, eu estimo um intervalo de 10 a 50 anos. Não sei se 10 ou 50, mas duvido que chegue em 5 anos”, revela o pesquisador. “Mas o nanoscópio é uma realidade tecnológica no presente!”, conclui.

Além do grupo da UFMG, composto por pesquisadores e estudantes de diferentes áreas, também assinam o artigo colaboradores da Universidade Federal da Bahia, do Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia) e de instituições parceiras no Japão, nos Estados Unidos e na Bélgica.

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Super e semicondutor são destaques do ano, com desafios para aplicação https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/12/29/super-e-semicondutor-sao-destaques-do-ano-com-desafios-para-aplicacao/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/12/29/super-e-semicondutor-sao-destaques-do-ano-com-desafios-para-aplicacao/#respond Tue, 29 Dec 2020 19:31:36 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/cpu-3061923_1280-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=155 A pandemia de Covid-19 transformou completamente as listas de principais conquistas científicas em 2020, como todo o resto.

Em 2020, foram finalmente desvendadas as estruturas tridimensionais das proteínas, foram enviadas três missões a Marte e outras para buscar material na Lua e no asteroide Ryugu, e tivemos avanços importantes em estratégias para enfrentar diferentes doenças, incluindo o HIV. Mas ficou difícil competir com vacinas desenvolvidas em um décimo do tempo normalmente empregado e com todo o conhecimento produzido sobre um vírus e uma doença absolutamente desconhecidos há apenas um ano.

Mesmo com toda esta disrupção, não há entre as tradicionais listas do tipo –como nas publicadas pelas revistas Nature e Science— uma que não registre a produção do primeiro material supercondutor em temperatura ambiente, ainda que fora do topo e sem a alcunha de “descoberta científica do ano”.

Assim como a emergência de uma pandemia a partir de uma zoonose, a obtenção do novo material não foi exatamente uma surpresa. Outras listas, do final de 2019, sobre o que esperar da ciência em 2020, registravam a expectativa. E, neste caso, a mudança de foco para a Covid-19 parece não ter afetado o trabalho na área.

Juntando hidrogênio, carbono e enxofre, os cientistas observaram a supercondutividade em temperaturas de até cerca de 14ºC. A supercondutividade foi compreendida como propriedade exclusiva das baixíssimas temperaturas desde 1911, quando descoberta, até 1986, ano de início da escalada até as primeiras temperaturas acima dos 0ºC reportadas em outubro deste ano.

Além de ser um avanço incremental e esperado, construído ao longo de décadas, há um outro motivo para a conquista parecer um pouco morna (sem intenção de trocadilho!): o material foi obtido a uma pressão mais de 2,5 milhões vezes maior que a do ambiente em que vivemos, produzida entre as garras de uma espécie de pinça de diamante. Ainda longe, portanto, das fantásticas aplicações previstas para supercondutores em temperatura ambiente, que vão de equipamentos médicos e trens ultrarrápidos de levitação magnética à extrema eficiência energética de modo geral, pela ausência de resistência à passagem da corrente nesses materiais e, assim, redução das perdas energéticas.

Fora das listas gerais, mas vencedor em concurso mais especializada promovido pela revista Physics World, um outro material obtido em 2020 compartilha com o supercondutor em temperatura ambiente não apenas os desafios até a aplicação, mas também o apelido de Santo Graal (neste caso, da indústria microeletrônica, ou melhor, optoeletrônica).

Trata-se de um nanofio de silício sintetizado com uma estrutura cristalina hexagonal (padrão de ordenamento espacial dos átomos no material), e não com estrutura do tipo diamante, como normalmente o material se apresenta.

O silício é a base de toda a indústria de microcomputadores, por suas propriedades eletrônicas (de semicondutor) associadas ao fato de ser abundante e barato. No entanto, está próximo um limite operacional importante. O crescimento do poder de processamento dos chips implica aumento no consumo de energia e, também, no calor gerado pela resistência do material, em um cenário que só poderá ser ultrapassado com a integração da fotônica –transmissão de informação pela luz, ou seja, fótons, no lugar de elétrons– à eletrônica.

E o rei da eletrônica tem um desempenho pífio quando se trata das suas propriedades ópticas. Alguns semicondutores emitem luz quando submetidos a uma corrente elétrica, como nos LEDs, mas este não é o caso do silício comum, devido a uma propriedade inerente ao material (chamada de gap indireto ou de estrutura de bandas indireta). Assim, até agora, o caminho para a incorporação da luz passa pela integração de outros materiais aos chips de silício, o que é possível, mas difícil e caro.

Com o novo material, este obstáculo pode ser superado, com aplicações potenciais também nas telecomunicações e em sensores químicos. No entanto, ainda é preciso produzir o silício hexagonal em uma superfície plana –no lugar do nanofio–, o que, segundo os pesquisadores, é só uma questão de tempo.

A virada de um ano para outro traz justamente a sensação de termos um novo tempo para superar desafios, resolver problemas e alcançar as metas estabelecidas na véspera de 1º de janeiro. Neste fim de 2020, para todo o mundo e, felizmente, para grande parte da comunidade científica, o controle da pandemia sem dúvida é a prioridade. Mas, para muitos cientistas e engenheiros de materiais, produzir supercondutores em temperatura e pressão próximas às do ambiente e lasers a base de silício deve vir logo abaixo na lista.

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De que são feitas as luzes do Natal https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/12/23/de-que-sao-feitas-as-luzes-do-natal/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/12/23/de-que-sao-feitas-as-luzes-do-natal/#respond Wed, 23 Dec 2020 16:41:15 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/natal-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=152 Quem teve a sorte de céus limpos nos últimos dias assistiu a um fenômeno astronômico raro e com especial simbolismo: a conjunção entre Júpiter e Saturno. Os planetas estiveram tão próximos no céu, vistos aqui da Terra, que chegaram a parecer um único astro. Uma conjunção como esta, para alguns especialistas, está na origem da lenda da estrela de Belém, guia dos Reis Magos até Jesus Cristo recém-nascido.

Mas, mesmo que não seja esta a estrela de Natal –e ainda que nunca tenha existido uma estrela concreta–, é fato que a lenda, junto à concepção de Jesus como luz que teria vindo iluminar a humanidade, está na origem da tradição natalina de iluminarmos árvores, casas e ruas.

As luzes de Natal antecedem em muito a descoberta da eletricidade. Foi em 1882 que Edward Hibberd Johnson substituiu as velas usadas até então por lâmpadas incandescentes, buscando assim publicidade para o mais recente invento de seu amigo e sócio Thomas Edison. As lâmpadas de Edison resolveram o risco de incêndios e, desde os anos 2000, fios com centenas de LEDs vêm substituindo a iluminação incandescente, com economia de energia e maior durabilidade.

LED é sigla do Inglês para diodo emissor de luz. São materiais semicondutores que emitem luz quando submetidos a uma corrente elétrica, uma propriedade chamada de eletroluminescência. Por isso, o marco de início da história dos LEDs é colocado em 1907, quando a eletroluminescência foi demonstrada pelo inglês Henry Joseph Round. Mas foi só em 1962 que o americano Nick Holonyak Jr., trabalhando nos laboratórios da General Eletric, produziu o primeiro LED emissor de luz visível com um brilho passível de alguma aplicação. Estes primeiros LEDs emitiam luz vermelha, assinatura do semicondutor formado basicamente pela combinação entre gálio e arsênio.

A emissão de luz nos LEDs –no infravermelho e no ultravioleta, além do espectro visível– acontece pela interação entre elétrons e buracos, uma parte da Física que, ao menos na minha época, passava longe das aulas de ciências. Mas, para termos alguma ideia do que se trata, podemos recorrer a uma analogia mais familiar, do átomo como sistema planetário.

Neste modelo, os elétrons orbitam um núcleo formado por prótons e nêutrons, em níveis de energia definidos, os orbitais, e entre eles temos níveis proibidos, onde o elétron não pode estar. Há um número restrito de elétrons que podem ocupar um determinado nível de energia, e eles sempre ocupam primeiro os menores níveis possíveis, mais próximos do núcleo.

Quando passamos de átomos isolados para sólidos compostos por vários átomos organizados –indo da Física de Partículas para a chamada Física do Estado Sólido, ou da Matéria Condensada–, os níveis de energia desses átomos interagem, formando bandas de energia. Novamente, os elétrons podem circular por diferentes bandas, mas existem bandas proibidas. Outra classificação importante é entre banda de valência –a banda mais alta inteiramente preenchida com os elétrons correspondentes, inerte– e banda de condução– que é a banda logo acima, onde há elétrons livres.

A diferença fundamental entre materiais condutores e isolantes é a energia necessária para os elétrons fazerem a transposição desta barreira entre as bandas de valência e de condução, ou seja, atravessarem a banda proibida (chamada de gap, novamente do Inglês).

Os materiais semicondutores, por sua vez, ficam no meio do caminho, se comportando como condutores ou isolantes dependendo das condições. Neles, os elétrons, ao passarem de uma banda a outra, deixam na banda de valência a sua ausência, e é ela que é chamada de buraco. Buracos comportam-se como uma partícula carregada positivamente e, como o elétron, também se movimentam, contribuindo com a corrente.

Os LEDs são um tipo específico de material semicondutor, chamado de diodo. Nos diodos, semicondutores misturados com outros elementos (a palavra usada para esta mistura é dopagem) são combinados, o que resulta em um lado cheio de elétrons livres e outro com os buracos correspondentes. Quando uma corrente elétrica é aplicada, é a interação entre elétrons e buracos que resulta na emissão de luz, e cor e brilho dessa luz dependem da energia necessária para que os elétrons superem a banda proibida.

Essa energia, por sua vez, depende do material empregado. Assim, depois do primeiro LED, vermelho e pouco brilhante, nos anos seguintes novos materiais e combinações entre eles foram sendo testados na busca por mais cores e brilho.

Apesar da alegria proporcionada pelas luzes de Natal, não foi esta a aplicação que rendeu o Prêmio Nobel de Física de 2014 aos inventores do primeiro LED azul. As aplicações dos LEDs vão muito além e, hoje, eles substituem as lâmpadas incandescentes em residências e, até mesmo, na iluminação pública de cidades inteiras.

Para que pudéssemos chegar até este momento, era necessária a luz branca, obtida pela combinação de LEDs emissores de luz vermelha, verde e azul. Os LEDs vermelhos e verdes existiam desde a década de 1960, mas foi só em 1990 que os japoneses Isamu Akasaki, Hiroshi Amano e Shiji Nakamuro sintetizaram um diodo a base de nitreto de gálio emissor de luz azul.

Dali para a frente, os piscas de Natal tornaram-se mais coloridos e as cidades mais iluminadas com menor gasto de energia, mas também há um agravamento na poluição luminosa. Por isso, neste momento, desejo aos leitores e às leitoras de Sínteses não um Natal com muita luz, mas sim o equilíbrio entre a alegria da iluminação natalina e a escuridão necessária para que vejamos as estrelas sobre nós.

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O que aprendi com as máscaras respiratórias (além de não usar) https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/03/11/o-que-aprendi-com-as-mascaras-respiratorias-alem-de-nao-usar/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/03/11/o-que-aprendi-com-as-mascaras-respiratorias-alem-de-nao-usar/#respond Wed, 11 Mar 2020 15:01:49 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/03/corona-4912807_640-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=94 Há dois meses, durmo e acordo com máscaras faciais.

Não fui infectada pelo novo coronavírus, tampouco tenho qualquer outra condição de saúde que me obrigue a usá-las, felizmente. A condição que levou meu pensamento às máscaras durante tantos dias e noites desde as primeiras notícias sobre o vírus foi a persistência –talvez teimosia– em descobrir de que material são feitas.

O início da epidemia coincidiu com os primeiros dias deste Sínteses, em janeiro. Logo surgiram as primeiras notícias sobre escassez de máscaras no mercado e, também, guias sobre a pertinência de usá-las para proteção contra covid-19 –nome que a doença viria a receber só depois, em fevereiro. Entusiasmada com a missão de descobrir e relatar de que o mundo é feito, embarquei na empreitada para produzir uma nota sobre o material das máscaras. Mas foi muito mais difícil do que eu imaginava descobrir.

Até agora, não sou capaz de registrar aqui informações tão precisas e detalhadas quanto gostaria. Falhas minhas podem ter contribuído, mas me parece que segredos industriais e a especialização da prática científica foram mais importantes. O que consigo contar é que as máscaras em geral são produzidas com tecidos não tecidos (já explico!) que têm polímeros como matéria-prima (frequentemente polipropileno), em várias camadas (três ou quatro, comumente).

Mas aprendi muitas outras coisas interessantes durante minha busca. A primeira é que existe toda uma área de pesquisa dedicada à filtração e aos chamados meios, ou elementos, filtrantes. Porque é disto que se trata: de filtração do ar, ou seja, da passagem do fluxo de ar através de um material poroso no qual ficam retidas as partículas que não atravessam os poros.

O tamanho desses poros –junto com outras variáveis– define um outro aspecto relevante da nossa pesquisa: a diversidade de máscaras existentes. Dentre elas, temos as máscaras cirúrgicas, que se distinguem de respiradores –ou peças faciais filtrantes (PFF)– essencialmente por não estarem sujeitas às mesmas normas rigorosas e não passarem pelos testes que garantem a certificação em diferentes níveis de proteção. Além disso, as máscaras não se ajustam perfeitamente ao rosto, permitindo assim a passagem do ar pelas bordas.

No caso dos respiradores, dentre os diferentes níveis de segurança, o PFF2 –ou N95 segundo a legislação dos Estados Unidos ou P2 para filtros de respiradores reutilizáveis– é o mais indicado para agentes biológicos com características como as do coronavírus.

No entanto, nunca é demais reforçar que as máscaras não são a principal medida de proteção e podem, inclusive, gerar uma falsa sensação de segurança. O mais importante é lavar as mãos e outras medidas de higiene, deixando as máscaras, especialmente em caso de escassez, para as pessoas infectadas e os profissionais de saúde.

Voltando aos materiais, falemos dos tecidos não tecidos, ou TNT, aquele que todos já usamos como toalha de mesa, fantasia ou em alguma outra incursão em atividades de decoração, artesanato ou trabalhos escolares.

A definição é feita em oposição aos tecidos. Nestes, fios estão entrelaçados em ângulos de 90 graus, posicionados longitudinal (no sentido do comprimento do tecido) e transversalmente (largura). Já os não tecidos são véus ou mantas de fibras ou filamentos que podem estar orientados direcionalmente ou posicionados ao acaso, mas que são consolidados por métodos mecânicos, químicos ou térmicos, e não, justamente, por tecelagem. A fabricação usa diferentes rotas e matérias-primas.

O uso de tecidos não tecidos nos dispositivos de proteção respiratória está relacionado ao seu baixo custo –o que justifica a aplicação sobretudo no caso de descartáveis–, mas eles também apresentam resultados superiores em termos de filtração de bactérias e outros microrganismos e de permeabilidade.

No caso das máscaras e respiradores, polímeros são a matéria-prima mais comum dos tecidos não tecidos, ou polímeros associados a fibras de celulose.

Nos respiradores –e algumas vezes é isto que os difere das máscaras cirúrgicas–, há a associação de não tecidos obtidos por diferentes processos de produção. Entre duas camadas externas obtidas por fiação contínua (método conhecido como “spunpond”) está um meio filtrante produzido por sopro (“meltblown”), o que resulta em poros menores e, assim, na maior capacidade de filtração. Outros materiais utilizados como filtro são papel e carvão ativado, por exemplo.

As nanofibras são a tecnologia emergente no campo dos meios filtrantes fibrosos. Por suas dimensões reduzidas, dentre outras características, elas diminuem também o tamanho das partículas que podem ser retidas, chegando justamente à escala nanométrica. Além disso, permitem a associação de materiais ativos, que vão além da barreira física dos dispositivos comuns.

Ana Cláudia Canalli Bortolassi buscou, durante seu doutorado, concluído no ano passado, a obtenção de meios filtrantes mais eficientes, com efeito bactericida e capazes de reter partículas nanométricas. Para tanto, adicionou a um substrato de tecido não tecido macroscópico nanofibras produzidas pelo método de eletrofiação (“electrospinning”). Os filtros desenvolvidos têm, como aplicação almejada, justamente máscaras e sistemas de purificação de ar.

Além da obtenção de fibras com superfície de contato muito maior que as produzidas por outros métodos, a eletrofiação permite a adição de agentes bactericidas ao polímero usado como matéria-prima. Na pesquisa de Bortolassi, os aditivos usados foram dióxido de titânio, óxido de zinco e nitrato de prata. Hoje pesquisadora visitante na Deakin University, Austrália, a brasileira registra que o desenvolvimento de meios filtrantes com múltiplas funcionalidades e aplicações é um dos focos da pesquisa na área, junto à obtenção de maior eficiência e menor queda de pressão.

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De piscina de íons a bebedouro de bactérias, o potencial do hidrogel https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/01/23/de-piscina-de-ions-a-bebedouro-de-bacterias-o-potencial-do-hidrogel/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/01/23/de-piscina-de-ions-a-bebedouro-de-bacterias-o-potencial-do-hidrogel/#respond Thu, 23 Jan 2020 21:52:07 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/sensor-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=43 Hidrogel é um termo relativamente conhecido quando designa o produto usado em intervenções para aumento de coxas e nádegas. Infelizmente, a fama vem principalmente das complicações, que já resultaram inclusive na morte de pacientes. Também é um hidrogel o responsável pelo poder absorvente das fraldas descartáveis, e são feitas de hidrogel as bolinhas usadas para manter vasos sempre com água. Outro hidrogel familiar é a gelatina.

Além desses usos mais comuns, esta classe de materiais tem um campo de aplicações na fronteira do conhecimento que vai de pele artificial a tijolo, como ilustram pesquisas divulgadas recentemente.

Hidrogéis são redes tridimensionais de polímeros –naturais ou sintéticos– capazes de reter grande quantidade de água em sua estrutura. Outra característica importante é a elasticidade desses compostos.

Uma das novas aplicações, desenvolvida no Canadá, é um sensor que, grudado à pele, transforma estímulos mecânicos, como tensão e deformação, e outros sinais, como umidade, em sinais elétricos. O dispositivo foi batizado de AISkin (de pele iônica artificial em inglês), e os primeiros resultados foram publicados na revista Materials Horizons.

A previsão é que o sensor possa incrementar tecnologias vestíveis em áreas diversas. No artigo, os cientistas relatam testes bem-sucedidos com a detecção do movimento de um dedo da mão, o que poderia ajudar, na área da saúde, o acompanhamento de processos de reabilitação, por exemplo. Outro teste foi feito com um touch pad (painel sensível ao toque) grudado à mão de uma pessoa, no qual foi possível controlar ações em um jogo eletrônico no computador.

A inspiração para o novo sensor veio diretamente da pele humana, uma rede polimérica com presença de uma variedade de sensores neurais. Esses sensores transformam os estímulos recebidos –como um aperto de mão ou a aproximação do fogo– em sinais elétricos pelo transporte de íons (átomos eletricamente carregados, positiva ou negativamente, por terem perdido ou ganhado elétrons). Essa capacidade é chamada de transdução –a transformação de estímulo ou sinal de um tipo em outro.

As peles artificiais mais comuns são eletrônicas, fazendo essa transmissão de informações com base em elétrons, e não íons. Isto, segundo os criadores da AISkin, resulta em uma lacuna entre a pele humana e a alternativa artificial, e é para diminuir essa distância que o novo dispositivo foi pensado. Nele, o meio aquoso do hidrogel é que garante a movimentação dos íons entre duas camadas, uma com carga negativa e outra positiva, e consequentemente viabiliza a transdução dos estímulos recebidos em sinais elétricos.

Neste primeiro caso, portanto, o hidrogel é a estrutura que sustenta um sistema complexo junto à nossa pele. Em uma segunda aplicação, também divulgada nos últimos dias, ele hidrata e alimenta bactérias responsáveis pela produção de tijolos de concreto!

A pesquisa foi realizada na University of Colorado Boulder, Estados Unidos, e publicada na revista Matter. Os cientistas colocaram em um molde areia e bactérias que, após um processo chamado de biomineralização, resultaram em um cimento vivo.

Molde preenchido com areia, bactérias e hidrogel
Molde preenchido com areia, bactérias e hidrogel (Crédito: College of Engineering and Applied Science at University of Colorado Boulder)

O material é mais sustentável que o concreto convencional, cuja produção emite gases de efeito estufa (CO2). Além disso, ele tem potencial de aplicação em materiais inteligentes, que detectem, por exemplo, níveis de toxinas no ambiente.

Na biomineralização, carbonato de cálcio (CaCO3) é precipitado pelas bactérias, conferindo ao material maior resistência à fratura. É um processo análogo ao que acontece na produção das conchas dos moluscos, dentre outros seres vivos que produzem minerais. Para a fabricação de concreto, também está na mistura o hidrogel, que fornece a água e os nutrientes necessários à manutenção da vida das bactérias.

Dentre possíveis desenvolvimentos para o novo material, os pesquisadores propõem o uso em ambientes com recursos limitados e, até mesmo, em outro planeta: Marte, para onde poderia ser necessário transportar apenas as bactérias. E hidrogel.

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Materiais, ilustres desconhecidos https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/01/07/materiais-ilustres-desconhecidos/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/01/07/materiais-ilustres-desconhecidos/#respond Tue, 07 Jan 2020 05:00:24 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/diamante-300x215.png https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=17 A descoberta e o aprimoramento de materiais são centrais nos principais desafios enfrentados pela humanidade.

Um exemplo é a questão energética. O desenvolvimento de materiais é o limite –e, também, a grande esperança– para o uso em larga escala de fontes mais sustentáveis e ambientalmente adequadas de energia.

Sobre materiais se debruça a pesquisa de dispositivos que possam converter energia solar em elétrica com maior eficiência. Novos modos de armazenamento e transporte da energia limpa também dependem de novos materiais, assim como alguns processos de redução do CO2 na atmosfera.

Outros exemplos não faltam, nas áreas da saúde, de ciência e tecnologia de informação, ambiental, de produção de alimentos… Mesmo assim, a maioria de nós conhece muito pouco sobre materiais.

Imagino que boa parte das pessoas ainda não tenha gasto algum tempo para pensar em materiais além daquilo que eles significam em nossa vida e na linguagem cotidiana. Pensamos em materiais como os itens que precisamos para iniciar o ano escolar ou um novo projeto de artesanato ou bricolagem. Na comparação entre dois objetos – duas peças de roupa, por exemplo –, pensamos naquilo de que são feitos ao analisamos as diferentes características que apresentam.

No meu caso, hoje percebo, havia um pensamento mágico. Os materiais simplesmente estavam lá, desempenhando suas funções. Alguns sustentando uma casa em pé, outros ajudando um avião a voar, transportando informações, participando do conserto de um osso quebrado, protegendo do fogo ou do frio, dentre tantas outras necessidades do passado, atuais ou que ainda nem sonhamos que um dia teremos.

Essa relação começou a mudar depois de alguns anos atuando na área da divulgação do conhecimento científico, junto a importantes centros de pesquisa e ensino na área de materiais. Não foi rápido nem fácil, mas um dia compreendi que a maior parte dos materiais não estão prontinhos por aí dando sopa.

Materiais nascem de uma necessidade – por exemplo, de produção de carros cada vez mais econômicos e seguros. Diferentes necessidades estão relacionadas à demanda por diferentes propriedades desses materiais (mecânicas, ópticas, magnéticas, biológicas, dentre várias outras). Tais propriedades, por sua vez, são alcançadas pelo conhecimento profundo de um material, até o menor nível da matéria, atômico, nanométrico. E, a partir desse conhecimento, vem a possibilidade de alterações na direção que se deseja.

A descoberta dessas associações também foi mágica. É prazeroso aprender um pouco mais a cada dia sobre a relação entre estrutura, propriedades e aplicações. Saber, por exemplo, que muitas vezes é da natureza que vem a inspiração para uma nova solução. Entender que várias descobertas acontecem quase por acaso, na busca por algo diferente, ou que há propriedades descobertas antes de existir aplicação para elas.

O blog Sínteses surge da vontade de compartilhar o conhecimento e o prazer das pequenas e grandes descobertas. Os textos abordarão aspectos fundamentais dos materiais, associando conceitos de física, química e outras áreas aos objetos do nosso dia a dia. Também teremos histórias das pesquisas mais recentes realizadas em todo o mundo e, sobretudo, no Brasil, cuja produção científica na área alcança relevância internacional.

Não sou cientista, mas, sim, jornalista de ciência, curiosa e com o conhecimento exigido para a formulação das perguntas necessárias e a organização das respostas de forma a tornar mais interessante e inteligível o que às vezes parece distante ou complicado demais.

Que seja uma boa jornada, para a qual conto com a participação do público na proposição de temas e questões. Conto, também, com a comunidade brasileira de ciência e de engenharia de materiais na sugestão de pesquisas e outros assuntos a serem abordados.

Ao trabalho!

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