Sínteses https://sinteses.blogfolha.uol.com.br Da Idade da Pedra à 'febre do grafeno', um blog sobre tudo aquilo de que o mundo é feito Sun, 21 Mar 2021 19:10:18 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Nanobastões de ouro podem ajudar diagnóstico de doenças como Alzheimer https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2021/02/25/nanobastoes-de-ouro-podem-ajudar-diagnostico-de-doencas-como-alzheimer/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2021/02/25/nanobastoes-de-ouro-podem-ajudar-diagnostico-de-doencas-como-alzheimer/#respond Thu, 25 Feb 2021 19:31:36 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2021/02/nanobastoes-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=166 Nanobastões de ouro são um material conhecido, com propriedades ópticas úteis à aplicação no tratamento de doenças como alguns tipos de câncer, na chamada terapia fotodinâmica. Cientistas do Brasil, Estados Unidos e China mostraram que, combinadas a moléculas análogas a proteínas existentes no nosso corpo, essas nanoestruturas podem ajudar ainda mais a compreender, diagnosticar e buscar novos tratamentos para uma variedade importante de doenças.

Os pesquisadores combinaram os nanobastões a peptídeos sintéticos –pequenas proteínas, identificados pela sigla hIAPP– muito semelhantes a peptídeos presentes no corpo humano saudável mas que, alterados, estão na origem de condições tão diversas quanto câncer de pâncreas, diabetes tipo 2, Alzheimer e Parkinson. A alteração se dá pela mudança na conformação dessas moléculas e sua consequente agregação, formando as chamadas placas amiloides que, em pessoas com Alzheimer ou Parkinson, impedem o bom funcionamento de neurônios, por exemplo.

Em humanos e, também, em modelos animais usados nos testes para desenvolvimento de novas drogas, a formação dessas placas pode levar meses ou anos. A interação entre os nanobastões de ouro e os peptídeos acelerou este processo, agora mimetizado no laboratório em poucas horas. Com isso, fica mais rápido também testar quais drogas podem inibir a formação das placas e, assim, potencialmente serem úteis no tratamento das doenças.

Outro resultado foi a identificação de que a interação com os peptídeos modifica a forma como o material absorve e emite luz, levando a uma propriedade chamada dicroísmo, que é a capacidade de interagir com uma forma especial de luz, circularmente polarizada. O peptídeo sintético tem afinidade com os peptídeos presentes no nosso corpo, e a interação com a luz é diferente dependendo se o material sintetizado encontra peptídeos isolados (com estrutura de hélice), típicos de um tecido saudável, ou moléculas agregadas na forma de fibras ou placas (cuja estrutura é chamada de folha plana, associada ao desenvolvimento das doenças).

“O estudo mostrou a possibilidade de identificar justamente se os peptídeos estão na forma de hélice ou folha plana, e isto abre a perspectiva de um diagnóstico precoce, antes da doença se instalar, inclusive porque a detecção se dá também em concentrações muito baixas”, explica André Farias de Moura, professor do Departamento de Química da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) responsável pela parte brasileira da pesquisa. Outras vantagens, explica o pesquisador, são que a luz emitida é tão intensa que pode ser medida por um equipamento tão simples quanto a câmera de um telefone celular e, também, que as nanoestruturas sintetizadas interagem com a luz na região do infravermelho, o que permite observar o que acontece dentro de tecidos ou, até mesmo, dos organismos, com o mínimo de interferência de outras moléculas.

“O artigo mostra que poderemos desenvolver plataformas de busca e triagem de novas drogas não apenas com velocidade maior, mas também mais precisas, pela possibilidade de estudo diretamente nos tecidos afetados, e não em culturas de células em tubos de ensaio, por exemplo”, explica Moura.

Ele também situa que o modelo de síntese do material desenvolvido poderá servir a aplicações em cenários sequer imaginados neste momento. “É como as vacinas contra o novo coronavírus. Se a ciência básica desenvolvida muito antes de imaginarmos a ocorrência da pandemia não estivesse pronta para ser rapidamente adaptada, não chegaríamos às vacinas em menos de um ano”, compara. “No caso da nossa plataforma, se pudermos modificá-la para detectar não o peptídeo, mas as proteínas spike ou anticorpos contra o Sars-CoV-2, por exemplo, é possível testar novos fármacos, acelerar e aumentar a precisão de diagnósticos e, inclusive, inativar o vírus”, prevê.

O artigo com os resultados da pesquisa, intitulado “Enhancement of optical asymmetry in supramolecular chiroplasmonic assemblies with long-range order”, foi publicado hoje na Science. A pesquisa teve financiamento, no Brasil, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), além de utilizar os recursos do supercomputador Santos Dumont. Os parceiros nos outros países são da Universidade de Michigan, nos EUA, e da Universidade Jilin, na China.

Confira vídeo em que André de Moura apresenta seu trabalho.

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Nanopartícula imita ambiente natural de formação dos ossos https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2021/01/14/nanoparticula-imita-ambiente-natural-de-formacao-dos-ossos/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2021/01/14/nanoparticula-imita-ambiente-natural-de-formacao-dos-ossos/#respond Thu, 14 Jan 2021 19:33:59 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2021/01/mev_ro-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=163 Materiais cerâmicos a base de fosfato de cálcio (CaP) são muito pesquisados para reparo e regeneração do tecido ósseo, com aplicações em fraturas e perda óssea provocada, por exemplo, por cirurgias para retirada de tumores ou doença, como a osteoporose. Hoje, as cerâmicas sintéticas comercialmente disponíveis têm desempenho aquém do tecido natural extraído do próprio paciente ou proveniente de bancos de tecidos.

Por isso, a busca é por reproduzir sinteticamente composição, estrutura e, assim, função biológica dos materiais responsáveis pela construção e regeneração óssea no corpo humano e outros organismos vivos. Pesquisadores do Laboratório de Físico-Química de Superfícies e Coloides do campus de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP) acabam de obter resultados importantes neste sentido, com a síntese de nanopartículas de fosfato de cálcio e estrôncio semelhantes a estruturas existentes no nosso corpo.

A concha de um molusco, como o vôngole ou a vieira, e o giz escolar são feitos do mesmo material, o mineral carbonato de cálcio (CaCO3). No entanto, como todos sabemos, é fácil transformar o giz em pó com apenas uma mão, enquanto as conchas são conhecidas pela sua resistência mecânica.

A responsável por essa diferença é a biomineralização, processo pelo qual organismos vivos produzem minerais a partir de elementos químicos retirados do meio, na presença de macromoléculas orgânicas. Assim também são construídos nossos ossos e dentes, e falhas neste processo, por sua vez, acarretam a osteoporose.

“O que diferencia a biomineralização é o fato de ser um processo extremamente regulado. Nossos ossos crescem em locais controlados por uma matriz, não em qualquer lugar”, registra Camila Bussola Tovani, integrante do grupo da USP. “O processo encanta cientistas, por ser quimicamente simples, mas resultar em estruturas sofisticadas cuja complexidade o ser humano ainda não consegue reproduzir no laboratório”, compartilha.

“A parte inorgânica dos nossos ossos é formada pelo mineral apatita, um fosfato de cálcio que nós conseguimos produzir na bancada do laboratório, como hidroxiapatita. No entanto, a apatita biomineralizada no corpo humano a partir de matriz orgânica de colágeno apresenta propriedades muito diferentes, especialmente a resistência mecânica”, complementa Ana Paula Ramos, que orientou a pesquisa de doutorado de Tovani.

Para produzir as nanopartículas, as pesquisadoras buscaram inspiração justamente nas condições naturais de produção dos nossos ossos e dentes.

Processos de regeneração óssea acontecem o tempo todo no nosso corpo. Neles, a unidade básica, uma espécie de molde no qual acontece a biomineralização, é a fibrila de colágeno, matriz orgânica cilíndrica onde a formação dos cristais de fosfato de cálcio se dá em espaço confinado e, assim, resulta em estruturas com forma e tamanho controlados e bem definidos.

Para imitar este molde cilíndrico, foi usada uma membrana polimérica disponível comercialmente, de policarbonato, com poros com dimensões uniformes de cerca de 200 nanômetros de diâmetro, tamanho semelhante ao das fibrilas. A membrana foi mergulhada em uma solução contendo fosfato, cálcio e estrôncio, elemento com ação conhecida na regeneração e no controle de perdas de tecido ósseo.

Depois da solução penetrar nos poros da membrana, é realizada a secagem, na presença de compostos que desencadeiam a mineralização. Em seguida, o policarbonato é dissolvido, restando as nanopartículas cilíndricas de fosfato de cálcio e estrôncio.

Na análise dessas nanopartículas no laboratório, em cultura de osteoblastos (células responsáveis pela formação do tecido ósseo), o grupo de pesquisa verificou sua atividade na regeneração do tecido. “Além de ser estruturalmente e morfologicamente semelhante à matriz óssea original, o material entrega localmente os íons de estrôncio reguladores da atividade de células importantes no processo de formação óssea”, explica Ramos.

As células mencionadas são os osteoclastos, responsáveis pela reabsorção de tecido ósseo, cuja atividade é aumentada em pessoas com osteoporose. A combinação do fosfato de cálcio mineralizado por rota que mimetiza o processo natural aos íons de estrôncio levou, assim, à combinação entre as capacidades de induzir a biomineralização e de controlar a atividade dos osteoclastos, que provocam a perda de densidade do tecido ósseo pela sua reabsorção.

As pesquisadoras contam que os próximos passos são testes com as nanopartículas aplicadas em matrizes poliméricas utilizadas no reparo de defeitos maiores e, também, adicionadas a cremes dentais, para tratamento da hipersensibilidade dentinária. “A partícula como está, como pó compactado, já poderia ser aplicada no reparo de pequenos defeitos, como, por exemplo, em um implante ortodôntico. As matrizes de outros materiais são usadas em enxertos onde há exigência de sustentação, como na tíbia, por exemplo”, explica Ramos.

Outro desafio é o estabelecimento de parcerias para os estudos em modelos animais e, posteriormente, em humanos. “Ciência não se faz sozinho. Nós somos físico-químicas, e não conseguiríamos aplicar as nanopartículas que produzimos na regeneração óssea se não trabalhássemos em colaboração com colegas bioquímicos, médicos, farmacêuticos”, destaca a professora da USP. “Além disso, o impacto dos resultados obtidos evidencia a importância de investimentos na internacionalização da pesquisa brasileira, pois eles só foram possíveis devido às parcerias que estabelecemos com instituições na França”, conclui, registrando que Tovani fez estágio na Universidade Sorbonne durante o doutorado, onde agora atua como pesquisadora de pós-doutorado.

Imagem de microscopia eletrônica das nanopartículas sintetizadas pelo grupo de pesquisa

Imagem de microscopia eletrônica das nanopartículas sintetizadas pelo grupo de pesquisa. Sobre um fundo preto, as nanopartículas, que aparecem acinzentadas, formam uma espécie de trama com as fibras dispostas na horizontal.

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Carimbo do vírus em polímero permite teste rápido de Covid na saliva https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/12/10/carimbo-do-virus-em-polimero-permite-teste-rapido-de-covid-na-saliva/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/12/10/carimbo-do-virus-em-polimero-permite-teste-rapido-de-covid-na-saliva/#respond Thu, 10 Dec 2020 18:53:30 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/imagemdosensor-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=148 Pesquisadores vinculados ao Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI), sediado em Campinas, desenvolveram dois tipos de testes rápidos portáteis para detecção do vírus causador da Covid-19 na saliva. Os testes utilizam uma base sensora eletroquímica, na qual um material semicondutor –uma nanoestrutura de óxido de zinco– capta pequenas variações em sinais elétricos causadas pela presença do Sars-CoV-2.

No início da pandemia, o grupo liderado por Talita Mazon, pesquisadora no CTI, logo pensou em adaptar o teste originalmente desenvolvido para zika, dengue e outras doenças. “Nós trabalhamos com o óxido de zinco em biossensores há cerca de cinco anos. Estávamos na fase de validação do teste de zika e pensamos que bastava uma adaptação. Mas não tínhamos dinheiro para adquirir o antígeno e os anticorpos, e leva um tempo para as empresas conseguirem produzir um anticorpo monoclonal que resulte em teste com a especificidade desejada”, explica a pesquisadora.

Na plataforma utilizada, chamada de imunossensor, anticorpos são imobilizados na nanoestrutura e, quando entram em contato com proteínas do vírus (antígeno), a ligação química entre anticorpo e antígeno produz alterações características em sinais elétricos, que são captadas pelo material semicondutor e registradas em um gráfico no computador ou em dispositivos móveis como telefones celulares.

No entanto, anticorpos monoclonais (produzidos em laboratório) precisam ser importados e têm custo elevado, fora do alcance dos pesquisadores naquele primeiro momento. Em vez de desistir, ou ficar esperando os anticorpos chegarem, o grupo seguiu por outro caminho, que levou a uma solução ainda mais interessante, inteiramente nacional e que pode ser armazenada em temperatura ambiente, por não conter materiais biológicos.

O grupo desenvolveu um teste em que o vírus Sars-CoV-2 é impresso em uma base de polipropileno, um polímero depositado como uma camada sobre o sensor de óxido de zinco. Forma e tamanho do coronavírus são carimbados no polímero, e o material passa então por uma lavagem que elimina o vírus. Quando partículas virais presentes na saliva contaminada encaixam neste molde, também acontecem as alterações nos sinais elétricos, captadas pelo óxido de zinco. Simples assim, como nos brinquedos para crianças pequenas em que triângulos, quadrados e círculos precisam ser encaixados nos lugares correspondentes em uma base de plástico.

“O que nós medimos, com um potenciostato acoplado ao celular, ou a um laptop, é uma variação no sinal elétrico, que pode ser maior ou menor que o esperado na ausência da proteína ou do vírus. Em algumas doenças, a ligação entre anticorpo e antígeno gera uma corrente elétrica maior. No caso dos testes de Covid, essa ligação, bem como o encaixe do vírus no polímero, têm característica isolante, gerando uma corrente menor”, situa Mazon.

A impressão do polímero foi realizada a partir de vírus isolados pela equipe do Laboratório de Estudos de Vírus Emergentes da Universidade Estadual de Campinas (LEVE), coordenado por José Luiz Proença Módena. “Eu conheci o professor Módena porque as amostras de pacientes com zika foram doados pelo LEVE. Vi em uma reportagem que ele havia isolado o novo coronavírus e pedi as amostras, para tentar a impressão do vírus na camada polimérica”, relembra Mazon, explicando que, mais comumente, o que tem sido buscado é a impressão de anticorpos.

Eficácia, especificidade e sensibilidade do teste já foram comprovadas com o uso de vírus inativados, mas agora análises com vírus ativos devem ser realizadas nas instalações do LEVE, com os níveis de biossegurança necessários. “Embora o desenvolvimento deste teste esteja em uma etapa inicial, em longo prazo considero a solução muito promissora. Além de não precisar de refrigeração e da importação de anticorpos e antígenos, eles podem ser muito úteis em viroses futuras. Geralmente, uma das primeiras coisas que é feita é isolar o vírus. Assim, uma vez estabelecida a metodologia, fica fácil adaptar no caso de um novo vírus”, avalia a líder do grupo de pesquisa.

O grupo também deu continuidade ao desenvolvimento do imunossensor, a partir de parceria com startup que importou antígenos e anticorpos. Neste caso, o processo está mais adiantado, em etapa de validação pela verificação frente ao exame RT-PCR, considerado padrão-ouro na detecção do vírus. Essa verificação será feita em pacientes, no Hospital das Clínicas de Botucatu, com previsão de término até o final de janeiro e encaminhamento para aprovação e início da produção em escala.

O custo estimado para o imunossensor é de cerca de R$ 10 por teste, valor que deve ser ainda menor para o dispositivo com a camada polimérica. Os estudos são realizados em parceria também com o Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais, apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

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Aditivo potencializa e prolonga ação desinfetante do álcool 70% https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/11/28/aditivo-potencializa-e-prolonga-acao-desinfetante-do-alcool-70/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/11/28/aditivo-potencializa-e-prolonga-acao-desinfetante-do-alcool-70/#respond Sat, 28 Nov 2020 19:37:37 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/11/alcool-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=135 O álcool 70% é um dos principais produtos usados para desinfecção, assim como uma classe menos conhecida de substâncias, os quaternários de amônio, comuns nos desinfetantes de uso doméstico. Na pandemia de Covid-19, álcool 70% e desinfetantes com quaternários de amônio estão entre as principais recomendações para limpeza de superfícies, dentre outros processos de desinfecção.

Um projeto desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) combinou os dois materiais, para obter efeito mais duradouro de higienização e desinfecção de mãos, superfícies e máscaras.

A UFGD já estava recebendo doações de álcool de usinas da região para preparar álcool 70% destinado a hospitais, postos de saúde e outras instituições no Mato Grosso do Sul. Integrando-se aos esforços institucionais no enfrentamento da pandemia, um grupo coordenado pelo pesquisador Eduardo José Arruda propôs a solução adicional para potencializar o uso desse álcool e estender os efeitos de desinfecção.

“O álcool tem seu efeito enquanto está líquido, mas evapora rapidamente com o calor das superfícies, perdendo sua atividade biológica. O que se buscou foi uma solução simples, a partir de materiais disponíveis no mercado, para prolongar o efeito de desinfecção”, conta Arruda. O trabalho contou com parceria do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF), sediado na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Os quaternários de amônio têm ação conhecida sobre microrganismos como bactérias, fungos e vírus, provocando o rompimento da membrana celular ou de camadas protetoras dos vírus, dentre outros processos danosos a esses organismos. Suas moléculas podem se auto-organizar em diferentes formas, como micelas, no caso dos detergentes domésticos, por exemplo. Na combinação com álcool 70% formulada pelo grupo da UFGD, eles formam um filme bioativo que permanece na pele das nossas mãos e em outras superfícies depois da evaporação do álcool.

Uma vantagem adicional é a possibilidade do filme ser transferido entre superfícies, como, por exemplo, da mão para barras de apoio em veículos de transporte coletivo.

O desafio do grupo de pesquisa foi encontrar a concentração mais adequada de aditivos, segura para a saúde humana e eficaz contra os microrganismos. Depois de chegar a uma primeira formulação, destinada à limpeza das mãos e de superfícies, os pesquisadores identificaram outras aplicações possíveis, na desinfecção de máscaras de pano e outros materiais. Essa desinfecção pode ser feita pelo mergulho das máscaras no produto, com secagem rápida devido à evaporação do álcool 70%. Para esta finalidade, houve adição de umectantes e outras substâncias cosméticas, para proteção da pele no contato prolongado com o material.

O grupo segue realizando testes complementares, para análise de eficiência não só contra o Sars-CoV-2, mas também outros microrganismos.

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Tecido desenvolvido no Brasil tem ação contra Sars-CoV-2 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/06/16/tecido-desenvolvido-no-brasil-tem-acao-contra-sars-cov-2/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/06/16/tecido-desenvolvido-no-brasil-tem-acao-contra-sars-cov-2/#respond Tue, 16 Jun 2020 22:15:04 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/06/tecido_prata.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=112 Há quem diga que coincidências não existem. Mas é curioso que, exatamente dois meses depois de sumir daqui, tragada por esforços de divulgação relacionados à Covid-19 (dentre eles um podcast publicado diariamente sem interrupção há exatos 93 dias!), retorne justamente complementando o texto com o qual me despedi.

Em 16 de abril, contei como uma empresa de base tecnológica brasileira e um fabricante de brinquedos se juntaram para produzir máscaras reutilizáveis com ação comprovada contra fungos e bactérias. Agora, a mesma empresa, a Nanox, comprovou também a ação dos materiais que desenvolve contra o Sars-CoV-2, vírus causador da Covid-19.

O resultado foi submetido nesta terça-feira (16), em “preprint”, ao repositório bioRxiv, ainda sem revisão por pares, em uma colaboração da Nanox com pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF) e do Laboratório de Química Teórica e Computacional da Universidade Jaume I, na Espanha.

Partículas de prata foram adicionadas a tecidos comuns – o chamado poli-algodão, mistura de algodão e poliéster, recomendado pela Organização Mundial da Saúde para a confecção de máscaras. Experimentos verificaram a integridade estrutural do tecido após a aplicação e, também, a segurança dermatológica do material, que não causou alergias ou irritação na pele nos testes realizados com seres humanos.

E, claro, o mais importante: foi verificada a capacidade do tecido de inativar até 99,99% das partículas virais de Sars-CoV-2 cultivadas em células humanas, em apenas dois minutos. O material também elimina bactérias e fungos, o que evita, por exemplo, a contaminação cruzada.

Os responsáveis pelo estudo vislumbram diferentes possibilidades de aplicação, que vão das máscaras de tecido e roupas hospitalares até artefatos de cama, mesa e banho usados em nossas residências. Negociações já estão em andamento com fabricantes desses produtos, conta Gustavo Simões, CEO da Nanox.

As pesquisas continuarão com testes em outras superfícies, como plásticos. Elson Longo da Silva, Diretor do CDMF, destaca a relevância de uma trajetória de mais de 30 anos na obtenção do resultado em tão curto espaço de tempo no contexto da pandemia. “É a pesquisa básica que resulta na compreensão e no conhecimento a partir dos quais é possível desenvolver um produto. Esta tecnologia só existe agora porque, ao longo do tempo, fomos compreendendo como funcionam os semicondutores”, afirma o pesquisador. “E, neste caso, tivemos a coroação da pesquisa. As máscaras reutilizáveis que já estão sendo comercializadas têm os mesmos aditivos agora testados contra o Sars-Cov-2. Ou seja, fizemos o produto, comprovadamente bactericida e antifúngico, antes mesmo de comprovar também a ação antiviral”, comemora.

As pesquisas realizadas pelo CDMF têm apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), financiadora também de projetos de desenvolvimento e inovação da Nanox. A empresa também recebe recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

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Máscara com função bactericida e antiviral é fabricada no Brasil https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/04/16/mascara-com-funcao-bactericida-e-antiviral-e-fabricada-no-brasil/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/04/16/mascara-com-funcao-bactericida-e-antiviral-e-fabricada-no-brasil/#respond Thu, 16 Apr 2020 13:42:31 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/04/mascara.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=108 Uma fabricante de brinquedos e uma empresa de base tecnológica nascida em laboratórios universitários anunciaram na manhã desta quinta-feira (16) o início do desenvolvimento, em parceria, de máscaras respiratórias reutilizáveis, produzidas com materiais com propriedades bactericidas, antifúngicas e antivirais.

A Elka, fabricante de brinquedos, buscava uma forma de empregar seu parque fabril ocioso devido à pandemia de Covid-19 no combate à própria pandemia. Por meio de um parceiro em comum, encontrou a Nanox, especializada em aditivos nanoestruturados a base de prata com ações antimicrobianas comprovadas — bactericidas, antifúngicas e antivirais.

As duas empresas desenvolveram, então, o projeto de uma máscara de proteção reutilizável equivalente às hoje famosas N95 (que são descartáveis), com uma vantagem adicional: superfícies ativas que podem ajudar no combate a infecções bacterianas responsáveis pelo agravamento de quadros de Covid-19.

“As micropartículas que produzimos têm ação comprovada contra alguns tipos de vírus. Ainda não houve tempo para os testes com o SARS-CoV-2, mas o potencial existe”, esclarece Gustavo Simões, CEO da Nanox. “Mas, além da produção nacional e do fato de serem reutilizáveis, a ação bactericida pode contribuir na prevenção de outras infecções, especialmente a pneumonia bacteriana, frequentemente associada ao agravamento dos quadros de Covid-19”, complementa.

As máscaras — que receberam a marca Oto — são produzidas com materiais plásticos (poliméricos) associados aos aditivos da Nanox, com espaço para filtros PFF2 descartáveis. Nesta primeira etapa, os aditivos estão apenas na estrutura das máscaras, mas já está prevista a adição aos filtros. Para a higienização, é necessário usar apenas água e sabão. “O protocolo para substituição dos filtros precisará ser estabelecido pelos serviços de saúde. De qualquer forma, sejam eles quais forem, a quantidade de material necessário para a confecção das máscaras é muito inferior ao que é usado nas máscaras descartáveis”, explica Simões.

A fase de pré-reserva foi iniciada hoje, e as primeiras unidades serão entregues a partir de 12 de maio. Inicialmente, a capacidade de produção é de 200 mil unidades por mês, mas a quantidade pode ser facilmente aumentada diante da demanda, para até um milhão de unidades mensais, segundo os responsáveis pela iniciativa. A expectativa é fornecer principalmente para serviços hospitalares, e uma parte será destinada a doações. “Já está definido que até 10% da produção será doada, e estamos construindo os mecanismos para essa possibilidade”, afirma Simões.

Eduardo Kapáz Jr, da Elka, destaca o fato da máscara ter sido desenhada e ser produzida totalmente no Brasil, e de servir, segundo ele, não só aos agentes de saúde na linha de frente no combate à pandemia, mas também à população em geral.

A Nanox é uma spin-off do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) apoiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Em 2004, a partir de demanda apresentada por uma fabricante de eletrodomésticos, estudantes que realizavam pesquisas de iniciação científica e mestrado no Centro vislumbraram a oportunidade de empreender na área de materiais baseados em nanotecnologia, à época quase inexistente no Brasil.

Na sua consolidação, a empresa recebeu recursos da própria Fapesp e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). “Nada disso seria possível sem o conhecimento acumulado ao longo da minha formação e das outras pessoas envolvidas, e bem antes disso, com recursos públicos. É essa experiência acumulada que agora pode ser rapidamente redirecionada para este objetivo emergencial, para um problema real. É a concretização de investimentos na promoção do relacionamento entre universidade e empresas, por exemplo”, avalia o CEO da Nanox.

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Vírus complexo: partículas sintéticas ajudam a entender o Sars-CoV-2 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/04/09/virus-complexo-particulas-sinteticas-ajudam-a-entender-o-sars-cov-2/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/04/09/virus-complexo-particulas-sinteticas-ajudam-a-entender-o-sars-cov-2/#respond Thu, 09 Apr 2020 18:04:47 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/04/quiralcf.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=104 Pouco mais de três meses após as primeiras notícias sobre o Sars-CoV-2, a imagem do vírus com sua “coroa de espinhos” — responsável pelo nome de coronavírus — é familiar. Essa geometria complexa é parte importante da interação do vírus com nossas membranas celulares no momento da infecção, e compreendê-la pode ajudar no combate à Covid-19 e a outras doenças.

As mesmas leis naturais regem o surgimento da complexidade em sistemas artificiais ou biológicos, e obter partículas sintéticas análogas àquelas encontradas em seres vivos é importante no estudo desses organismos. Isso porque os materiais artificiais são menos frágeis que suas contrapartidas biológicas. Mas, enquanto na natureza a complexidade é comum, nos laboratórios a história é um pouco mais complicada.

A complexidade estrutural de materiais biológicos está relacionada à ordenação hierárquica de “blocos de construção” em múltiplas escalas, da nanométrica à macroscópica — como já vimos, aqui em Sínteses, no estudo da castanha do Pará. No entanto, é muito difícil obter esse ordenamento em várias escalas para sistemas artificiais.

Um grupo de pesquisadores do Brasil, Estados Unidos e China acaba de dar um passo importante neste sentido, não só produzindo partículas sintéticas com complexidade superior às biológicas, mas também avançando na compreensão dos fatores envolvidos nessa produção e propondo formas de medir a complexidade.

Em estudo publicado hoje (9) na revista científica Science, os pesquisadores relatam como, a partir de nanoplaquetas formadas por sais de ouro e aminoácidos, conseguiram montar partículas hierarquicamente organizadas com espinhos torcidos e outras morfologias complexas. O truque foi balancear diferentes forças atuantes no processo de construção dessas partículas e, muito especialmente, aplicar a quiralidade do aminoácido empregado — a cisteína — no controle desse processo.

A quiralidade é uma característica de algumas moléculas — e de grande parte daquelas que compõem sistemas biológicos — relacionada à sua forma. A principal analogia utilizada para explicar o conceito é com as nossas mãos: direita e esquerda, praticamente iguais, mas impossíveis de serem sobrepostas com exatidão por serem uma a imagem no espelho da outra. Além de conferir propriedades distintas às versões “direita” e “esquerda” de uma mesma molécula em algumas situações, a quiralidade interfere na interação dessas moléculas com outras partículas e campos que também sejam quirais.

“Nós temos trabalhado com quiralidade de nanomateriais há pelo menos seis anos, e já sabíamos que mudar o aminoácido resultava em estruturas com a mesma complexidade, mas que eram imagens especulares umas das outras. O trabalho publicado agora focou na compreensão de como a informação quiral codificada na molécula de aminoácido menor que um nanômetro poderia ser amplificada e propagada para escalas de tamanho muito maiores”, explica André Farias de Moura, um dos autores da pesquisa, professor do Departamento de Química da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e pesquisador do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais. “Estamos vendo que o fato de haver quiralidade leva nossos sistemas de estudo a terem propriedades antes presentes apenas nos organismos vivos”, complementa.

O pesquisador reitera que é difícil transferir a informação quiral — mão esquerda, mão direita, ou rotação no sentido horário ou anti-horário — ao longo de várias ordens de grandeza. “Neste caso, partimos de moléculas muito pequenas, cuja informação quiral está codificada em um único átomo de carbono, e essa informação foi transmitida para a próxima escala, gerando folhas torcidas inicialmente com tamanhos da ordem de cinco nanômetros, que cresceram até a ordem de micrômetros e se agregaram em estruturas ainda maiores e mais complexas”, relata.

Entender esse processo de codificação e transferência de informação entre escalas é um dos pontos centrais do estudo. Isto justamente porque o sistema produzido na pesquisa é mais simples e robusto que os equivalente naturais, permitindo maior controle das variáveis e, assim, a ajuda na compreensão de como os sistemas biológicos formam suas estruturas hierárquicas complexas, de onde tiram suas funcionalidades.

“Esses materiais não são específicos para aplicações biológicas, mas, além das aplicações usuais em optoeletrônica, catálise e outras, sempre existe uma aplicação biológica potencial. Como todo e qualquer sistema biológico é por definição quiral, nanomateriais quirais podem agir de maneira mais seletiva se ajustarmos o tipo e o grau de quiralidade para um alvo molecular biológico”, explica Moura. Ou seja, além do melhor entendimento de organismos vivos, outra consequência é o potencial de desenvolvimento de moléculas para tratamento de doenças e, também, produção de vacinas.

“Não podemos usar sabão ou hipoclorito de sódio para matar vírus, bactérias ou fungos quando já estão dentro do nosso corpo, pois não são seletivos e atacariam nossas células também. Mas, com base neste trabalho, podemos afirmar com firmeza que, uma vez compreendidas as interações entre nanopartículas e partículas complexas como os vírus, deveremos ser capazes de vislumbrar nanopartículas sob medida cujo alvo sejam essas entidades microscópicas ameaçadoras”, registra Moura.

“Infelizmente, não existe uma panaceia: este é um empreendimento científico mundial em longo prazo, e nossa contribuição deve abrir novos caminhos de investigação. Mesmo que não ofereçam alívio no presente, esta e outras pesquisas inovadoras vão contribuir para aprimorar nossa prontidão para enfrentar situações como esta no futuro”, conclui.

O artigo intitulado “Emergence of Complexity in Hierarchically Organized Chiral Particles” está disponível no site da Science. Outras informações também podem ser conferidas no texto que preparei para divulgação pela UFSCar.

Dentre os autores brasileiros, além de Moura e ex-alunos seus, também está Sérgio Ricardo Muniz, professor do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP).

O financiamento da pesquisa no Brasil teve recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

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Detergente e polímero naturais matam bactérias sem agredir o ambiente https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/03/21/detergente-e-polimero-naturais-matam-bacterias-sem-agredir-o-ambiente/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/03/21/detergente-e-polimero-naturais-matam-bacterias-sem-agredir-o-ambiente/#respond Sat, 21 Mar 2020 19:20:18 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/03/crisiane.jpeg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=99 A resistência de bactérias a antibióticos e outros agentes antimicrobianos é um dos principais desafios de saúde pública em todo o mundo –depois, claro, da emergência com a Covid 19.

Estimativas para 2050 apontam mais de 10 milhões de mortes por ano causadas por bactérias resistentes. Neste cenário, nanomateriais aparecem como grande esperança, devido a características físicas e químicas únicas.

No entanto, a maior parte das nanopartículas com fins bactericidas têm metais em sua composição, que podem se acumular no organismo humano, ou usam surfactantes de origem sintética, majoritariamente derivados de petróleo. Esses materiais podem causar danos ao ambiente e, também, acarretar altos custos de produção.

Em busca de alternativas, o Grupo de Biotecnologia Microbiana do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da Universidade de São Paulo (USP) pesquisa há mais de 10 anos surfactantes de origem biológica, os biossurfactantes. Uma parceria com o Grupo de Bioquímica e Biomateriais do IQSC acaba de resultar em nanopartículas que combinam um desses biossurfactantes, um ramnolipídio, a um polímero também de origem natural, a quitosana.

Os resultados obtidos são superiores a cada um dos materiais usado isoladamente no combate a bactérias do gênero Staphylococcus, frequentemente envolvidas em infecções hospitalares resistentes a antibióticos.

“Como ambas as moléculas apresentam ação antimicrobiana frente a patógenos de interesse, como o Staphylococcus aureus, pensamos em combiná-las visando aumentar a atividade e fornecer uma nova alternativa no controle de patógenos”, explica Marcia Nitschke, docente do IQSC e uma das coordenadoras da pesquisa. Ela destaca também que uma das características importantes das nanopartículas é a maior área de superfície em relação ao volume, o que aumenta a área de interação com a célula bacteriana.

Surfactantes são uma classe de compostos químicos muito utilizados em vários setores industriais e, principalmente, como matéria-prima dos detergentes domésticos. A palavra deriva do fato de ser um agente de atividade superficial (em inglês, “surface active agent”), um composto com capacidade de alterar as propriedades superficiais e na interface de um líquido com um outro meio.

Os biossurfactantes são produzidos por microrganismos como bactérias, fungos e leveduras, e, no caso específico da pesquisa da USP, pela bactéria Pseudomonas aeruginosa. Em relação aos surfactantes sintéticos, os ramnolipídios e outros biossurfactantes têm como vantagens a baixa toxicidade e a biodegradabilidade, juntamente à atividade antimicrobiana, antiadesiva –que dificulta a formação dos biofilmes– e disruptiva do biofilme já formado.

Já a quitosana é um biopolímero obtido da quitina, elemento estrutural na carapaça (exoesqueleto) de crustáceos e insetos. A substância também está presente em fungos e em moluscos, como a lula, fonte da quitosana usada na pesquisa. “A quitosana tem diversas atividades biológicas importantes, como ser antioxidante, anti-inflamatória, anticoagulante, antitumoral e ter atividade antimicrobiana, foco principal do nosso trabalho”, explica Crisiane Marangon, autora da tese de doutorado que produziu e analisou as nanopartículas. O trabalho teve a participação também de grupo de pesquisa em biofilmes da Universidade de Aarhus, na Dinamarca.

As nanopartículas combinando ramnolipídios e quitosana demonstraram desempenho superior na eliminação tanto de bactérias planctônicas quanto de biofilmes. Microrganismos planctônicos são aqueles vivendo livres em suspensão, mas a grande maioria das bactérias vive em comunidades aderidas a superfícies, formando os biofilmes.

“Biofilmes são muito comuns. O lodo no banheiro é um biofilme, o musgo que cobre uma rocha em um rio… A sensação de uma película nos dentes depois de algum tempo sem escovar também é um biofilme. Eles se formam em qualquer superfície úmida e com nutrientes para as bactérias, seja abiótica, como a superfície de um cateter, seja biótica, como o pulmão na fibrose cística”, exemplifica Marangon.

As autoras da pesquisa registram que mais de 60% das infecções microbianas em seres humanos e 80% das infecções hospitalares por dispositivos médicos contaminados têm relação com a formação de biofilmes.

Nos biofilmes, as bactérias produzem uma matriz extracelular que serve de barreira à ação de agentes antimicrobianos. Como a maior parte dos agentes antimicrobianos tem como alvo as bactérias planctônicas, há uma lacuna no combate aos biofilmes. “É urgente o desenvolvimento de estratégias com foco nas estruturas celulares, em substituição aos processos celulares”, afirma Marangon.

“Processos celulares envolvem o metabolismo. A penicilina, por exemplo, atua impedindo a formação de nova parede celular bacteriana, mas a célula precisa estar em crescimento, no estado planctônico. Como nos biofilmes há uma diminuição da taxa metabólica dos microrganismos, são necessárias alternativas que tenham como alvo as estruturas celulares. Um exemplo é a desintegração da matriz extracelular para que os compostos antimicrobianos atinjam a população bacteriana protegida por essa barreira”, explica a pesquisadora.

No caso das nanopartículas de quitosana, a adição do ramnolipídio resultou em partículas menores, mais estáveis e com maior densidade de carga elétrica positiva em sua superfície, o que também favorece a interação com as células bacterianas, carregadas negativamente. Já a quitosana favorece o acúmulo das nanopartículas na superfície do biofilme. No entanto, ela tem dificuldade em penetrar a matriz extracelular até as camadas mais profundas, função que é desempenhada pelo ramnolipídio transportado até ali pela quitosana.

Os resultados já obtidos indicam a possibilidade de aplicações médicas e, também, na indústria alimentícia.

Na área médica, algumas possibilidades são a desinfecção de superfícies de dispositivos como cateteres e próteses e, também, de infecções na pele.

Na indústria alimentícia, biofilmes formados sobre equipamentos são uma importante fonte de contaminação. Os compostos também podem vir a ser usados como aditivos, para controle da contaminação diretamente no alimento.

Os grupos da USP estão dando continuidade às pesquisas na direção dessas aplicações e, também, com outros compostos bioativos que possam abranger outros tipos de bactérias.

O artigo com os resultados da pesquisa de doutorado de Marangon, intitulado “Combination of Rhamnolipid and Chitosan in Nanoparticles Boosts Their Antimicrobial Efficacy”, foi publicado no último mês de janeiro na revista científica ACS Apllied Materials & Interfaces.

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