Sínteses https://sinteses.blogfolha.uol.com.br Da Idade da Pedra à 'febre do grafeno', um blog sobre tudo aquilo de que o mundo é feito Sun, 21 Mar 2021 19:10:18 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Canudos reciclados agregam segurança e economia à produção de concreto https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/03/04/canudos-reciclados-agregam-seguranca-e-economia-a-producao-de-concreto/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/03/04/canudos-reciclados-agregam-seguranca-e-economia-a-producao-de-concreto/#respond Wed, 04 Mar 2020 17:43:27 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/03/fibras-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=87 Como milhões de outras pessoas, Rafael Salomão assistiu e se impressionou com o vídeo de biólogos retirando um canudo de plástico da narina de uma tartaruga marinha na Costa Rica. Publicadas em agosto de 2015, as imagens desencadearam um movimento mundial pelo banimento dos canudinhos e de combate à poluição plástica. Salomão pôde dar a sua contribuição à solução do problema, ao propor um uso nobre para os canudos descartados: como aditivo para diminuir riscos de explosão e promover economia de energia no processo de fabricação de concretos refratários para a indústria siderúrgica.

Como muitos certamente já viram em canteiros de obras, a preparação do concreto envolve a adição de água para homogeneização das matérias-primas e, também, para ativar a reação química que leva o cimento a unir as partículas do concreto e consolidar todo o sistema. Na indústria siderúrgica, a hidratação também permite que o concreto flua e seja moldado em formatos complexos, para revestir equipamentos que suportam temperaturas de até 1.800ºC.

Após o cimento endurecer, a água utilizada na mistura permanece na estrutura do concreto. Na siderurgia, isto gera problemas durante o aquecimento inicial do revestimento de concreto refratário, da temperatura ambiente à temperatura de uso. Na primeira etapa, chamada de secagem –com temperaturas de 100 a 200ºC–, a baixa permeabilidade do concreto impede que o vapor de água saia da estrutura, e a pressão exercida pode gerar explosões. Na construção civil, o mesmo problema aparece no caso de incêndios, em que vigas e pilastras de concreto podem explodir e, com isso, enfraquecer toda a estrutura de um edifício.

Fibras poliméricas são usadas como aditivos para acelerar o processo de secagem do concreto e evitar explosões desde o final da década de 1980. Durante o seu doutorado, realizado de 2002 a 2005 junto ao Grupo de Engenharia de Microestrutura de Materiais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Salomão pesquisou justamente os melhores materiais e parâmetros de fabricação para essas fibras. Dentre outros resultados, os pesquisadores desenvolveram um equipamento para produzir as fibras em escala de laboratório e, assim, facilitar o teste de diferentes materiais.

Uma conclusão importante foi que, quanto menor a temperatura de fusão da fibra, melhor seu desempenho no concreto. A ação do aditivo se dá pela formação de canais nos lugares onde a fibra derrete e, com o aumento ainda maior da temperatura, se decompõe, deixando espaço para a saída do vapor de água. “Quanto menor a temperatura de fusão da fibra, menor a temperatura necessária para a saída do vapor e, assim, menores a pressurização e o risco de explosão”, explica Salomão.

“Um bom paralelo com o risco de explosão caso a pressão do vapor de água não seja aliviada é uma panela de pressão. Uma panela com válvula entupida é como o concreto sem fibras: se continuar a aquecer, explode. As fibras atuam como a válvula de segurança que derrete e se abre antes da panela explodir. Se a válvula for feita de um polímero com alto ponto de fusão, a panela explodirá antes dela derreter”, compara o pesquisador.

Os materiais dos canudos plásticos apresentam propriedades que dificultam sua reciclagem e a utilização na maior parte das aplicações, o que leva à necessidade de uma destinação especial para o material descartado, junto com a redução do consumo. Foi este o desafio que levou Salomão, desde 2010 professor do Departamento de Engenharia de Materiais da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da Universidade de São Paulo (USP), a pensar em testá-los na produção de fibras para a secagem do concreto, utilizando o equipamento construído durante o seu doutorado. “Percebemos que havia uma fantástica oportunidade para gerar um duplo benefício ambiental, eliminando um resíduo do ambiente e economizando energia no processamento dos concretos”, relata o pesquisador.

Obter fibras com a resistência mecânica e o diâmetro necessários foi o maior desafio, durante os experimentos que aconteceram entre 2018 e 2019. A dificuldade vem justamente da degradação térmica que os canudos sofrem durante a reciclagem, que dificulta os processos de fiação e estiramento das fibras.

Mas os resultados não poderiam ser melhores: as fibras de material reciclado apresentaram desempenho significativamente superior às convencionais, derretendo a 140ºC, quando as demais fundem ao atingir 170ºC. Além disso, uma das propriedades que caracteriza o material dos canudos como inferior –o chamado índice de fluidez, MFI, do inglês “melting flow index”–, por ser menos rígido e resistente, nesta aplicação faz com que as fibras fundidas resultem em um líquido pouco viscoso e, assim, facilmente deformado pelo vapor pressurizado em seu caminho até a superfície do concreto. “O que, na enorme maioria dos casos, é uma desvantagem, nesta aplicação é uma importante vantagem técnica”, destaca Salomão.

Devido ao tamanho elevado das peças de concreto refratário utilizadas na indústria siderúrgica, o aquecimento inicial leva alguns dias, em que se queima combustível sem produzir aço. Com o baixo ponto de fusão das fibras de material reciclado e consequente saída de vapor em temperaturas mais baixas, o processo torna-se, além de mais seguro, mais rápido e, assim, mais econômico.

Os resultados da pesquisa acabam de ser publicados no periódico científico Ceramics International, em artigo assinado também por Victor Carlos Pandolfelli, professor no Departamento de Engenharia de Materiais da UFSCar e orientador de Salomão no doutorado. Apesar das fibras terem sido testadas apenas em concretos refratários, os resultados obtidos indicam a possibilidade de uso na construção civil. Assim, a quantidade de fibras necessária seria suficiente para empregar o volume total de canudos consumido mundialmente a cada ano e, segundo os autores, outros tipos de polímero também poderiam ser reciclados para essa aplicação.

Para o futuro, Rafael Salomão conta que as fibras serão testadas em outros tipos de concretos refratários e em combinação com outros aditivos de secagem. Há também planos para testar os efeitos antes do aquecimento, para checar se as fibras contribuem para o aumento da resistência do concreto ao impacto e à fratura. No entanto, há desafios anteriores a serem superados. “Como em qualquer processo baseado em reciclagem de materiais, o grande desafio é a coleta seletiva dos canudos e seu tratamento para evitar a contaminação com outros tipos de polímeros, que pode inviabilizar o reprocessamento”, registra o pesquisador.

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Solução fácil para resíduos plásticos é miragem https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/01/14/solucao-facil-para-residuos-plasticos-e-miragem/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/01/14/solucao-facil-para-residuos-plasticos-e-miragem/#respond Wed, 15 Jan 2020 00:38:47 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/plastico-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=32 A lei que proíbe o fornecimento de objetos plásticos descartáveis em estabelecimentos comerciais da cidade de São Paulo ganhou visibilidade nesta terça (13), ao ser sancionada pelo prefeito Bruno Covas.

As notícias destacam como a lei divide especialistas, ambientalistas, representantes da indústria e comerciantes. Um aspecto que precisa de atenção especial é o risco de algumas alternativas serem tão ou mais danosas que os pratos, copos, talheres e canudos originais.

Antes, é necessário precisar algumas denominações. Plásticos convencionais têm origem em recursos não renováveis –derivados do petróleo– e não são biodegradáveis, ou seja, não são decompostos por agentes biológicos vivos. Os compostáveis, além de biodegradáveis, não podem deixar resíduos tóxicos, dentre outras exigências. Bioplásticos vêm de fontes renováveis, como a mandioca e outras plantas, mas não são necessariamente biodegradáveis. Este é o caso do chamado plástico verde, derivado da cana-de-açúcar, um bioplástico não biodegradável.

Há plásticos produzidos a partir do petróleo que recebem aditivos para serem degradados mais facilmente, os oxibiodegradáveis. Estes também estão proibidos em São Paulo. Apesar de cada vez mais presentes em vários produtos –como sacolas de supermercado–, são questionados em todo o mundo devido ao risco de acúmulo de microplásticos e outros resíduos potencialmente tóxicos.

Mas outros materiais rotulados como biodegradáveis também podem causar danos ao ambiente, fauna e à saúde humana similares aos plásticos convencionais. Isto porque, na maior parte dos casos, esses materiais se degradam em condições muito específicas –temperatura elevada, por exemplo–, encontradas apenas em plantas industriais.

Ou seja, a garrafa de plástico biodegradável descartada de forma inadequada vai parar no estômago das baleias e nas narinas das tartarugas do mesmo jeito.

Uma pesquisa publicada em abril do ano passado concretizou esses riscos. Os britânicos Imogen Napper e Richard Thompson testaram, por três anos, as reais condições de degradação de cinco tipos de sacolas plásticas: duas rotuladas como oxibiodegradáveis, uma biodegradável, uma compostável e uma última de plástico convencional. Eles colocaram amostras das sacolas em quatro ambientes: enterradas no solo, submersas na água do mar, expostas ao ar e, para controle, em uma caixa preta no laboratório.

O resultado? Materiais com mudanças quase imperceptíveis após o período de testes, ou transformados em microplásticos. Nas palavras dos autores, intactos do ponto de vista do lixo gerado e da interação com o ecossistema.

O engenheiro químico José Carlos Pinto, professor titular na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é um dos defensores de que a solução para os resíduos plásticos passa, impreterivelmente, por infraestrutura adequada de coleta e reciclagem e pela educação ambiental. Em artigo publicado já em 2007, o pesquisador elenca o que vê como uma série de equívocos.

O primeiro deles é tratar plástico como lixo. Para ele, por ser altamente reciclável, todo plástico deve ser tratado como matéria-prima. E, neste cenário, a biodegradabilidade pode ser um problema também por diminuir essa possibilidade de reciclagem.

Outro dos equívocos fundamentais listados pelo pesquisador é justamente a crença de que ser ecologicamente correto é ser biodegradável. Para ele, a busca não deve ser por dissolver plástico nos oceanos, e sim por evitar que ele chegue até lá.

Em julho do ano passado, a revista Pesquisa Fapesp entrevistou o professor da UFRJ, junto com vários outros especialistas, para matéria sobre a poluição causada pelos plásticos. A conclusão foi que não existe solução fácil, e é preciso adotar estratégias múltiplas.

O problema, no entanto, é que algumas medidas, além de mais simples, têm muito mais plateia. E, ainda que haja benefícios, o risco é que sejam adotadas em detrimento de outras, mais relevantes.

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