Sínteses https://sinteses.blogfolha.uol.com.br Da Idade da Pedra à 'febre do grafeno', um blog sobre tudo aquilo de que o mundo é feito Sun, 21 Mar 2021 19:10:18 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Nanomateriais apoiam tratamento de água com resíduos industriais https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2021/03/21/nanomateriais-apoiam-tratamento-de-agua-com-residuos-industriais/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2021/03/21/nanomateriais-apoiam-tratamento-de-agua-com-residuos-industriais/#respond Sun, 21 Mar 2021 19:10:18 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/eta-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=174 O acesso a água de qualidade é um dos maiores problemas globais, com mais de dois bilhões de pessoas expostas à escassez hídrica e à falta de acesso a água potável. Além da demanda crescente e da escassez agravada pelas mudanças climáticas, a poluição das fontes de água doce disponíveis, crescente nas duas últimas décadas, é um dos grandes desafios a serem enfrentados. Segundo as Nações Unidas, cerca de 400 milhões de toneladas de metais pesados, solventes, lodo tóxico e outros resíduos industriais chegam às águas do nosso planeta anualmente.

Novos poluentes, classificados como emergentes, não são removidos pelas tecnologias de tratamento de água existentes. Por isso, pesquisadores em todo o mundo têm buscado alternativas mais eficientes, envolvendo novos materiais. No Brasil, diferentes grupos de pesquisa trabalham com uma variedade de técnicas e, neste Dia Mundial da Água (22/3), destaco dois trabalhos que, apesar de muito diferentes, têm em comum o processo de adsorção (adesão de moléculas de um fluido a uma superfície sólida).

Elias Paiva Ferreira Neto busca nanomateriais capazes de degradar poluentes por fotocatálise (fotocatalisadores) desde o doutorado, realizado junto ao Grupo de Materiais Híbridos e Inorgânicos do Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP). Na fotocatálise, a luz de uma fonte natural (luz do Sol) ou artificial, ao ser absorvida pelo material catalisador, desencadeia reações químicas que podem transformar poluentes orgânicos –como o corante azul de metileno, testado por Ferreira Neto em sua pesquisa mais recente— e inorgânicos –como metais pesados– em substâncias inócuas ou, pelo menos, muito menos tóxicas ao organismo humano.

O pesquisador estudou o fotocatalisador dissulfeto de molibdênio (MoS2). Para a aplicação em situações reais, no entanto, era necessária a possibilidade de construir objetos macroscópicos com as propriedades do nanomaterial. Já no pós-doutorado, no Laboratório de Materiais Fotônicos do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Ferreira Neto encontrou a solução em uma das especialidades do grupo de pesquisa, a celulose bacteriana.

Juntando as duas abordagens – ao revestir a celulose bacteriana com uma camada do fotocatalisador –, o pesquisador chegou a uma membrana capaz de descontaminar a água que passa por ela, removendo, por filtragem e degradação, poluentes orgânicos e inorgânicos. Uma das principais vantagens do novo material é a possibilidade de reutilização, já que muitas das alternativas existentes precisam ser aplicadas como pó ou suspensão, o que inviabiliza sua recuperação após o uso.

Produzida por alguns tipos de bactérias, a celulose bacteriana forma um hidrogel composto por 99% de água que, ao passar por um processo de secagem controlada, se transforma em um aerogel. No aerogel, a água é substituída por ar, resultando uma estrutura muito porosa que, ao mesmo tempo, permitem a passagem da água e retém – por adsorção – os poluentes. Conforme ficam retidos na membrana, os poluentes são então degradados pelo fotocatalisador.

Nos testes já realizados, a membrana removeu da água, durante um experimento de duas horas, 96% do azul de metileno e 88% do metal cancerígeno crômio VI (crômio no estado de oxidação VI, referente à sua carga elétrica), ambos comuns em efluentes industriais da produção têxtil e de couro, por exemplo. O trabalho segue na busca de maior eficiência – inclusive com o uso de outros fotocatalisadores e testando outros contaminantes – e, também, da caracterização dos produtos resultantes da degradação.

“Nosso resultados evidenciam a importância da colaboração científica, já que não teriam surgido se não tivéssemos combinado as especialidades de dois grupos diferentes, o trabalho com fotocatalisadores, no caso da USP, e celulose bacteriana, na Unesp”, destaca Ferreira Neto.

A segunda pesquisa também foi realizada em parceria, entre o Laboratório de Materiais Poliméricos e Biossorventes da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e o Laboratório de Ciências Integradas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Nela, o material adsorvente usado foi o bagaço de cana, um dos principais resíduos da agroindústria brasileira, resultante da atividade nas usinas de etanol e açúcar. O bagaço – um biossorvente, adsorvente de origem biológica – foi usado em um compósito com nanopartículas de magnetita sintética, combinando as propriedades adsorventes do bagaço às propriedades magnéticas das nanopartículas.

Com isso, o bagaço retém, por adsorção, os poluentes – no caso deste estudo, foram testados cobre e o mesmo cromo VI – e, depois, é retirado da água pela ação de um imã que atrai as nanopartículas magnéticas do compósito. Também neste caso o grupo de pesquisa segue testando este e outros compósitos biossorventes em relação à capacidade de retenção de outras moléculas orgânicas e inorgânicas. As pesquisas já mostraram, também, potencial para remoção de óleos da superfície das águas em caso de derramamento.

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Na twistrônica, Brasil enxerga além https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2021/03/10/na-twistronica-brasil-enxerga-alem/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2021/03/10/na-twistronica-brasil-enxerga-alem/#respond Wed, 10 Mar 2021 14:32:29 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/rede_capa-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=169 O grafeno é pop. Devida ou indevidamente alardeado, é de fato imenso o potencial tecnológico do material, por propriedades como leveza, flexibilidade, dureza e capacidade de conduzir eletricidade.

Apesar de toda a agitação, o grafeno nada mais é que uma camada extremamente fina de grafite, com apenas um átomo de espessura. Isolado e caracterizado em detalhes pela primeira vez em 2004, suas propriedades levaram a uma onda de estudos em todo o mundo, incluindo outros materiais bidimensionais e lamelares.

“Materiais com estrutura lamelar como a do grafeno são vários na natureza. A pedra-sabão, das esculturas de Aleijadinho, tem estrutura lamelar, por exemplo. Eles aparecem para nós como tridimensionais porque estão empilhados, como o grafeno no grafite. Quando escrevemos com um lápis, desfolhamos o grafite, marcando nosso papel com grafeno”, explica Ado Jório, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Jório lidera o grupo de pesquisa cujo trabalho com grafeno ocupou, em 17 de fevereiro, um dos lugares mais disputados pela ciência mundial: a capa da revista Nature. A propriedade investigada pelo grupo foi a supercondutividade que aparece quando duas folhas de grafeno são empilhadas e uma delas é rodada em um ângulo de exatamente 1,1 grau.

Para entender o trabalho do grupo brasileiro, façamos uma experiência simples. Coloque as mãos uma sobre a outra, palma com palma. Agora, gire a mão direita ligeiramente, deslizando-a sobre a mão esquerda.

Com as nossas mãos, nada acontece, exceto o deslocamento dos dedos de uma mão em relação aos da outra, visualmente. Porém, quando cientistas fazem a mesma coisa com duas folhas de grafeno, um mundo de novas possibilidades passa a existir.

O grafeno é uma folha plana em que os átomos de carbono estão organizados em rede, em uma estrutura hexagonal. É esta estrutura cristalina – e, consequentemente, as estruturas eletrônica e vibracional – que conferem ao material suas propriedades únicas.

“A estrutura eletrônica e a estrutura vibracional, juntas, definem quase todas as propriedades dos materiais”, situa Jório. “Por que, em um óculos, a luz passa pela lente, mas não pela haste? Por que a blusa que você está usando é maleável, mas a armação do óculos é rígida? Por que a tela do seu celular é sensível ao toque?”, questiona o pesquisador. “A resposta a todas essas questões está na estrutura eletrônica e vibracional de cada material.”

Representação da super-estrutura criada pela rotação de uma folha de grafeno sobre outra
Representação da super-estrutura criada pela rotação de uma folha de grafeno sobre outra (Crédito: Ponor, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons)

A rotação (twist, em Inglês) da bicamada de grafeno faz com que a rede vire super-rede, na qual os hexágonos menores da rede original se transformam em uma estrutura hexagonal maior (como na imagem). O fenômeno de supercondutividade que resulta desta alteração foi verificado experimentalmente em 2018, ilustrando o surgimento e o potencial de um novo campo científico e tecnológico, a twistrônica.

Ado Jório conta que o termo, twistrônica, é próprio de materiais bidimensionais. Ele explica como, em um material tridimensional – um cubo, por exemplo –, as propriedades são da estrutura no interior deste material. Assim, se juntarmos dois cubos e rodarmos um em relação ao outro, podemos alterar algo nas superfícies que estão em contato, mas não o que está mais longe, no interior. “Mas, quando pegamos um material com um átomo de espessura e encostamos em outro, a influência é muito grande, e a orientação com a qual incluímos, por exemplo, a segunda folha de grafeno, o ângulo, tem um papel fundamental”, explica.

No caso do grafeno, portanto, é a rotação em exatamente 1,1 grau que torna o material supercondutor. Embora isto tenha sido constatado em 2018, ainda não há um modelo teórico para compreender porque o fenômeno acontece, o que é fundamental para controlá-lo e, assim, um dia poder aplicá-lo tecnologicamente em dispositivos de uso cotidiano. É nesta direção, de entender o que acontece, que vem a contribuição do artigo publicado na Nature, cujos resultados só foram possíveis por causa de um equipamento desenvolvido aqui no Brasil: o nanoscópio.

Jório conta que o que explica a supercondutividade – ou seja, a existência de materiais que conduzem eletricidade sem resistência e, assim, sem perdas – é o modo como a partícula eletrônica que percorre o material se acopla com a forma como o material vibra. “O que o nanoscópio trouxe pela primeira vez foi a possibilidade de gerar imagens e caracterizações da estrutura eletrônica e da estrutura vibracional com resolução justamente na escala nanoscópica. Agora, outros pesquisadores têm os dados para desenvolver um modelo teórico para explicar a supercondutividade na bicamada de grafeno rodada, fundamentado nas propriedades eletrônicas e vibracionais que nós mostramos como são”, detalha o pesquisador.

A resolução dos microscópios não permite ver nada menor que um mícron. Assim, o ganho do nanoscópio é justamente a possibilidade de enxergar estruturas e fenômenos que acontecem na ordem dos nanômetros, ou seja, em uma escala mil vezes menor que a do mícron.

A capacidade do nanoscópio está, fundamentalmente, relacionada ao tamanho da antena que faz a análise do material estudado. “O que fizemos foi uma nanoantena com uma tecnologia específica, que nós criamos. Esta nanoantena levou a um funcionamento muito melhor que o de qualquer outro nanoscópio existente no mundo e, assim, a imagens tão informativas, tão ricas, quanto as compartilhadas no artigo”, conta o professor da UFMG.

“Por outro lado, na modelagem matemática, o desafio está no fato das estruturas na super-rede serem grandes e exigirem, por isso, muita capacidade computacional”, acrescenta Jório. “O que o nosso artigo traz de muito valioso é tanto o ganho de resolução, do ponto de vista experimental, quanto o fato dos teóricos que trabalharam conosco terem feito um modelo capaz de calcular estruturas muito grandes, o que nenhum outro existente até agora tinha capacidade de fazer.”

No entanto, apesar da importância dos resultados para a continuidade do desenvolvimento da twistrônica, não é amanhã que teremos bicamadas de grafeno conduzindo energia por aí.

“Do surgimento de uma nova proposta, que é a twistrônica, a conseguirmos dominar a produção desse tipo de material de forma robusta o suficiente para utilização em aplicações tecnológicas, ainda há muito tempo de pesquisa e muito trabalho de engenharia pela frente”, esclarece Ado Jório. “É preciso fazer o material rodar neste ângulo exato, no tamanho que você precisa, dentro do dispositivo que você quer, e de forma estável, ou seja, sem que volte à posição original. Para que esteja no nosso dia a dia, eu estimo um intervalo de 10 a 50 anos. Não sei se 10 ou 50, mas duvido que chegue em 5 anos”, revela o pesquisador. “Mas o nanoscópio é uma realidade tecnológica no presente!”, conclui.

Além do grupo da UFMG, composto por pesquisadores e estudantes de diferentes áreas, também assinam o artigo colaboradores da Universidade Federal da Bahia, do Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia) e de instituições parceiras no Japão, nos Estados Unidos e na Bélgica.

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Nanobastões de ouro podem ajudar diagnóstico de doenças como Alzheimer https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2021/02/25/nanobastoes-de-ouro-podem-ajudar-diagnostico-de-doencas-como-alzheimer/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2021/02/25/nanobastoes-de-ouro-podem-ajudar-diagnostico-de-doencas-como-alzheimer/#respond Thu, 25 Feb 2021 19:31:36 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2021/02/nanobastoes-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=166 Nanobastões de ouro são um material conhecido, com propriedades ópticas úteis à aplicação no tratamento de doenças como alguns tipos de câncer, na chamada terapia fotodinâmica. Cientistas do Brasil, Estados Unidos e China mostraram que, combinadas a moléculas análogas a proteínas existentes no nosso corpo, essas nanoestruturas podem ajudar ainda mais a compreender, diagnosticar e buscar novos tratamentos para uma variedade importante de doenças.

Os pesquisadores combinaram os nanobastões a peptídeos sintéticos –pequenas proteínas, identificados pela sigla hIAPP– muito semelhantes a peptídeos presentes no corpo humano saudável mas que, alterados, estão na origem de condições tão diversas quanto câncer de pâncreas, diabetes tipo 2, Alzheimer e Parkinson. A alteração se dá pela mudança na conformação dessas moléculas e sua consequente agregação, formando as chamadas placas amiloides que, em pessoas com Alzheimer ou Parkinson, impedem o bom funcionamento de neurônios, por exemplo.

Em humanos e, também, em modelos animais usados nos testes para desenvolvimento de novas drogas, a formação dessas placas pode levar meses ou anos. A interação entre os nanobastões de ouro e os peptídeos acelerou este processo, agora mimetizado no laboratório em poucas horas. Com isso, fica mais rápido também testar quais drogas podem inibir a formação das placas e, assim, potencialmente serem úteis no tratamento das doenças.

Outro resultado foi a identificação de que a interação com os peptídeos modifica a forma como o material absorve e emite luz, levando a uma propriedade chamada dicroísmo, que é a capacidade de interagir com uma forma especial de luz, circularmente polarizada. O peptídeo sintético tem afinidade com os peptídeos presentes no nosso corpo, e a interação com a luz é diferente dependendo se o material sintetizado encontra peptídeos isolados (com estrutura de hélice), típicos de um tecido saudável, ou moléculas agregadas na forma de fibras ou placas (cuja estrutura é chamada de folha plana, associada ao desenvolvimento das doenças).

“O estudo mostrou a possibilidade de identificar justamente se os peptídeos estão na forma de hélice ou folha plana, e isto abre a perspectiva de um diagnóstico precoce, antes da doença se instalar, inclusive porque a detecção se dá também em concentrações muito baixas”, explica André Farias de Moura, professor do Departamento de Química da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) responsável pela parte brasileira da pesquisa. Outras vantagens, explica o pesquisador, são que a luz emitida é tão intensa que pode ser medida por um equipamento tão simples quanto a câmera de um telefone celular e, também, que as nanoestruturas sintetizadas interagem com a luz na região do infravermelho, o que permite observar o que acontece dentro de tecidos ou, até mesmo, dos organismos, com o mínimo de interferência de outras moléculas.

“O artigo mostra que poderemos desenvolver plataformas de busca e triagem de novas drogas não apenas com velocidade maior, mas também mais precisas, pela possibilidade de estudo diretamente nos tecidos afetados, e não em culturas de células em tubos de ensaio, por exemplo”, explica Moura.

Ele também situa que o modelo de síntese do material desenvolvido poderá servir a aplicações em cenários sequer imaginados neste momento. “É como as vacinas contra o novo coronavírus. Se a ciência básica desenvolvida muito antes de imaginarmos a ocorrência da pandemia não estivesse pronta para ser rapidamente adaptada, não chegaríamos às vacinas em menos de um ano”, compara. “No caso da nossa plataforma, se pudermos modificá-la para detectar não o peptídeo, mas as proteínas spike ou anticorpos contra o Sars-CoV-2, por exemplo, é possível testar novos fármacos, acelerar e aumentar a precisão de diagnósticos e, inclusive, inativar o vírus”, prevê.

O artigo com os resultados da pesquisa, intitulado “Enhancement of optical asymmetry in supramolecular chiroplasmonic assemblies with long-range order”, foi publicado hoje na Science. A pesquisa teve financiamento, no Brasil, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), além de utilizar os recursos do supercomputador Santos Dumont. Os parceiros nos outros países são da Universidade de Michigan, nos EUA, e da Universidade Jilin, na China.

Confira vídeo em que André de Moura apresenta seu trabalho.

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Nanopartícula imita ambiente natural de formação dos ossos https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2021/01/14/nanoparticula-imita-ambiente-natural-de-formacao-dos-ossos/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2021/01/14/nanoparticula-imita-ambiente-natural-de-formacao-dos-ossos/#respond Thu, 14 Jan 2021 19:33:59 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2021/01/mev_ro-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=163 Materiais cerâmicos a base de fosfato de cálcio (CaP) são muito pesquisados para reparo e regeneração do tecido ósseo, com aplicações em fraturas e perda óssea provocada, por exemplo, por cirurgias para retirada de tumores ou doença, como a osteoporose. Hoje, as cerâmicas sintéticas comercialmente disponíveis têm desempenho aquém do tecido natural extraído do próprio paciente ou proveniente de bancos de tecidos.

Por isso, a busca é por reproduzir sinteticamente composição, estrutura e, assim, função biológica dos materiais responsáveis pela construção e regeneração óssea no corpo humano e outros organismos vivos. Pesquisadores do Laboratório de Físico-Química de Superfícies e Coloides do campus de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP) acabam de obter resultados importantes neste sentido, com a síntese de nanopartículas de fosfato de cálcio e estrôncio semelhantes a estruturas existentes no nosso corpo.

A concha de um molusco, como o vôngole ou a vieira, e o giz escolar são feitos do mesmo material, o mineral carbonato de cálcio (CaCO3). No entanto, como todos sabemos, é fácil transformar o giz em pó com apenas uma mão, enquanto as conchas são conhecidas pela sua resistência mecânica.

A responsável por essa diferença é a biomineralização, processo pelo qual organismos vivos produzem minerais a partir de elementos químicos retirados do meio, na presença de macromoléculas orgânicas. Assim também são construídos nossos ossos e dentes, e falhas neste processo, por sua vez, acarretam a osteoporose.

“O que diferencia a biomineralização é o fato de ser um processo extremamente regulado. Nossos ossos crescem em locais controlados por uma matriz, não em qualquer lugar”, registra Camila Bussola Tovani, integrante do grupo da USP. “O processo encanta cientistas, por ser quimicamente simples, mas resultar em estruturas sofisticadas cuja complexidade o ser humano ainda não consegue reproduzir no laboratório”, compartilha.

“A parte inorgânica dos nossos ossos é formada pelo mineral apatita, um fosfato de cálcio que nós conseguimos produzir na bancada do laboratório, como hidroxiapatita. No entanto, a apatita biomineralizada no corpo humano a partir de matriz orgânica de colágeno apresenta propriedades muito diferentes, especialmente a resistência mecânica”, complementa Ana Paula Ramos, que orientou a pesquisa de doutorado de Tovani.

Para produzir as nanopartículas, as pesquisadoras buscaram inspiração justamente nas condições naturais de produção dos nossos ossos e dentes.

Processos de regeneração óssea acontecem o tempo todo no nosso corpo. Neles, a unidade básica, uma espécie de molde no qual acontece a biomineralização, é a fibrila de colágeno, matriz orgânica cilíndrica onde a formação dos cristais de fosfato de cálcio se dá em espaço confinado e, assim, resulta em estruturas com forma e tamanho controlados e bem definidos.

Para imitar este molde cilíndrico, foi usada uma membrana polimérica disponível comercialmente, de policarbonato, com poros com dimensões uniformes de cerca de 200 nanômetros de diâmetro, tamanho semelhante ao das fibrilas. A membrana foi mergulhada em uma solução contendo fosfato, cálcio e estrôncio, elemento com ação conhecida na regeneração e no controle de perdas de tecido ósseo.

Depois da solução penetrar nos poros da membrana, é realizada a secagem, na presença de compostos que desencadeiam a mineralização. Em seguida, o policarbonato é dissolvido, restando as nanopartículas cilíndricas de fosfato de cálcio e estrôncio.

Na análise dessas nanopartículas no laboratório, em cultura de osteoblastos (células responsáveis pela formação do tecido ósseo), o grupo de pesquisa verificou sua atividade na regeneração do tecido. “Além de ser estruturalmente e morfologicamente semelhante à matriz óssea original, o material entrega localmente os íons de estrôncio reguladores da atividade de células importantes no processo de formação óssea”, explica Ramos.

As células mencionadas são os osteoclastos, responsáveis pela reabsorção de tecido ósseo, cuja atividade é aumentada em pessoas com osteoporose. A combinação do fosfato de cálcio mineralizado por rota que mimetiza o processo natural aos íons de estrôncio levou, assim, à combinação entre as capacidades de induzir a biomineralização e de controlar a atividade dos osteoclastos, que provocam a perda de densidade do tecido ósseo pela sua reabsorção.

As pesquisadoras contam que os próximos passos são testes com as nanopartículas aplicadas em matrizes poliméricas utilizadas no reparo de defeitos maiores e, também, adicionadas a cremes dentais, para tratamento da hipersensibilidade dentinária. “A partícula como está, como pó compactado, já poderia ser aplicada no reparo de pequenos defeitos, como, por exemplo, em um implante ortodôntico. As matrizes de outros materiais são usadas em enxertos onde há exigência de sustentação, como na tíbia, por exemplo”, explica Ramos.

Outro desafio é o estabelecimento de parcerias para os estudos em modelos animais e, posteriormente, em humanos. “Ciência não se faz sozinho. Nós somos físico-químicas, e não conseguiríamos aplicar as nanopartículas que produzimos na regeneração óssea se não trabalhássemos em colaboração com colegas bioquímicos, médicos, farmacêuticos”, destaca a professora da USP. “Além disso, o impacto dos resultados obtidos evidencia a importância de investimentos na internacionalização da pesquisa brasileira, pois eles só foram possíveis devido às parcerias que estabelecemos com instituições na França”, conclui, registrando que Tovani fez estágio na Universidade Sorbonne durante o doutorado, onde agora atua como pesquisadora de pós-doutorado.

Imagem de microscopia eletrônica das nanopartículas sintetizadas pelo grupo de pesquisa

Imagem de microscopia eletrônica das nanopartículas sintetizadas pelo grupo de pesquisa. Sobre um fundo preto, as nanopartículas, que aparecem acinzentadas, formam uma espécie de trama com as fibras dispostas na horizontal.

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Inteligência artificial apoia criação de novos plásticos sob medida https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2021/01/11/inteligencia-artificial-apoia-criacao-de-novos-plasticos-sob-medida/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2021/01/11/inteligencia-artificial-apoia-criacao-de-novos-plasticos-sob-medida/#respond Mon, 11 Jan 2021 20:51:09 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2021/01/baquelite-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=159 Na tradição de nomear períodos históricos –e pré-históricos– a partir das relações estabelecidas entre seres humanos e os materiais à sua volta, há quem chame o século XX de Idade do Plástico.

Hoje, a balança da visibilidade pende para os problemas causados pela presença crescente dos polímeros na vida humana, desde que começaram a substituir materiais menos abundantes, mais caros, pesados, e mais difíceis de serem adaptados a novas aplicações. No entanto, boa parte do desenvolvimento tecnológico nos últimos 100 anos tem a participação de plásticos, borrachas e fibras sintéticas, que transformaram a indústria automobilística, têxtil, aeroespacial, além de embalagens –como as justificadamente mal afamadas sacolas descartáveis e garrafas PET– e dispositivos médicos, dentre outras áreas.

Polímeros naturais são empregados há séculos, mas foi só nas primeiras décadas do século XX que surgiram as versões sintéticas. O pioneiro, o baquelite, foi patenteado em 1909. O marco de nascimento da ciência de polímeros é 1920, quando o alemão Hermann Staudinger publicou artigo que desvenda a formação das cadeias poliméricas. Staudinger recebeu o Prêmio Nobel de Química de 1953 pelo seu trabalho.

Polímero significa formado por muitas (poli) partes (meros). São macromoléculas formadas por longas cadeias de átomos e moléculas menores, os monômeros. Os diferentes tamanhos dessas cadeias, a sua estrutura espacial e as praticamente infinitas composições químicas levam também a inúmeras propriedades possíveis.

Este grande número de combinações possíveis, entre diferentes elementos, em cadeias de vários tamanhos e em sequências distintas de átomos, gera desafios para o uso da inteligência artificial na pesquisa de novos polímeros, no que é chamado de design racional de materiais. A inteligência artificial e, mais especificamente, a aprendizagem de máquina, têm se destacado como ferramentas poderosas na predição de propriedades e, assim, no desenvolvimento de novos materiais de modo mais eficaz, rápido e barato que o tradicional, em grande medida fundado no processo de tentativa e erro. Resultados importantes têm sido obtidos para os materiais mais antigos, como ligas metálicas e cerâmicas, mas a diversidade e complexidade dos polímeros, associadas à relativa juventude do campo, criam dificuldades adicionais.

Uma pesquisa realizada na Universidade de Chicago e publicada no final de 2020 no periódico Science Advances nos aproximou desta possibilidade de usar algoritmos para saber qual combinação de monômeros leva ao polímero com as propriedades desejadas para uma aplicação específica –como, por exemplo, leveza e resistência para novos veículos aeroespaciais– e, também, a materiais com características que reduzam seu impacto sobre o ambiente, como a biodegradabilidade.

O uso da inteligência artificial na área de materiais parte de grandes bancos de dados para buscar vínculos entre composição, estrutura e outros atributos e as propriedades apresentadas por materiais diversos. Na abordagem tradicional, materiais são sintetizados e, depois, analisados para caracterização de suas propriedades e avaliação de sua adequação ao uso pretendido. Com a inteligência artificial, a expectativa é que seja possível informar as propriedades desejadas e receber, em resposta, uma espécie de receita para os materiais mais promissores.

No entanto, escassez de dados empíricos e a qualidade desses dados comprometem muito este desenvolvimento. Uma outra questão, no caso dos polímeros, era o número de registros necessários para treinar uma rede neural (a ferramenta empregada neste caso) com moléculas conhecidas até que ela pudesse predizer propriedades de novos materiais.

O grupo da Universidade de Chicago combinou, à inteligência artificial, modelagem e simulação, para treinar uma rede neural a partir de apenas 2 mil polímeros hipotéticos, construídos computacionalmente para testar a ferramenta. Antes, imaginava-se que poderiam ser necessárias até milhões de cadeias poliméricas para obter este resultado.

A rede treinada foi capaz de prever com precisão as propriedades associadas a diferentes cadeias poliméricas, mostrando, sobretudo, que este é um caminho possível e muito promissor para conjuntos de dados sobre polímeros obtidos empiricamente. Com isso, a expectativa é que a partir de agora vejamos avanços no seu uso para a obtenção dos plásticos e outros materiais poliméricos indispensáveis ao enfrentamento de grandes desafios como, por exemplo, a transição energética, dentre vários outros.

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Super e semicondutor são destaques do ano, com desafios para aplicação https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/12/29/super-e-semicondutor-sao-destaques-do-ano-com-desafios-para-aplicacao/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/12/29/super-e-semicondutor-sao-destaques-do-ano-com-desafios-para-aplicacao/#respond Tue, 29 Dec 2020 19:31:36 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/cpu-3061923_1280-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=155 A pandemia de Covid-19 transformou completamente as listas de principais conquistas científicas em 2020, como todo o resto.

Em 2020, foram finalmente desvendadas as estruturas tridimensionais das proteínas, foram enviadas três missões a Marte e outras para buscar material na Lua e no asteroide Ryugu, e tivemos avanços importantes em estratégias para enfrentar diferentes doenças, incluindo o HIV. Mas ficou difícil competir com vacinas desenvolvidas em um décimo do tempo normalmente empregado e com todo o conhecimento produzido sobre um vírus e uma doença absolutamente desconhecidos há apenas um ano.

Mesmo com toda esta disrupção, não há entre as tradicionais listas do tipo –como nas publicadas pelas revistas Nature e Science— uma que não registre a produção do primeiro material supercondutor em temperatura ambiente, ainda que fora do topo e sem a alcunha de “descoberta científica do ano”.

Assim como a emergência de uma pandemia a partir de uma zoonose, a obtenção do novo material não foi exatamente uma surpresa. Outras listas, do final de 2019, sobre o que esperar da ciência em 2020, registravam a expectativa. E, neste caso, a mudança de foco para a Covid-19 parece não ter afetado o trabalho na área.

Juntando hidrogênio, carbono e enxofre, os cientistas observaram a supercondutividade em temperaturas de até cerca de 14ºC. A supercondutividade foi compreendida como propriedade exclusiva das baixíssimas temperaturas desde 1911, quando descoberta, até 1986, ano de início da escalada até as primeiras temperaturas acima dos 0ºC reportadas em outubro deste ano.

Além de ser um avanço incremental e esperado, construído ao longo de décadas, há um outro motivo para a conquista parecer um pouco morna (sem intenção de trocadilho!): o material foi obtido a uma pressão mais de 2,5 milhões vezes maior que a do ambiente em que vivemos, produzida entre as garras de uma espécie de pinça de diamante. Ainda longe, portanto, das fantásticas aplicações previstas para supercondutores em temperatura ambiente, que vão de equipamentos médicos e trens ultrarrápidos de levitação magnética à extrema eficiência energética de modo geral, pela ausência de resistência à passagem da corrente nesses materiais e, assim, redução das perdas energéticas.

Fora das listas gerais, mas vencedor em concurso mais especializada promovido pela revista Physics World, um outro material obtido em 2020 compartilha com o supercondutor em temperatura ambiente não apenas os desafios até a aplicação, mas também o apelido de Santo Graal (neste caso, da indústria microeletrônica, ou melhor, optoeletrônica).

Trata-se de um nanofio de silício sintetizado com uma estrutura cristalina hexagonal (padrão de ordenamento espacial dos átomos no material), e não com estrutura do tipo diamante, como normalmente o material se apresenta.

O silício é a base de toda a indústria de microcomputadores, por suas propriedades eletrônicas (de semicondutor) associadas ao fato de ser abundante e barato. No entanto, está próximo um limite operacional importante. O crescimento do poder de processamento dos chips implica aumento no consumo de energia e, também, no calor gerado pela resistência do material, em um cenário que só poderá ser ultrapassado com a integração da fotônica –transmissão de informação pela luz, ou seja, fótons, no lugar de elétrons– à eletrônica.

E o rei da eletrônica tem um desempenho pífio quando se trata das suas propriedades ópticas. Alguns semicondutores emitem luz quando submetidos a uma corrente elétrica, como nos LEDs, mas este não é o caso do silício comum, devido a uma propriedade inerente ao material (chamada de gap indireto ou de estrutura de bandas indireta). Assim, até agora, o caminho para a incorporação da luz passa pela integração de outros materiais aos chips de silício, o que é possível, mas difícil e caro.

Com o novo material, este obstáculo pode ser superado, com aplicações potenciais também nas telecomunicações e em sensores químicos. No entanto, ainda é preciso produzir o silício hexagonal em uma superfície plana –no lugar do nanofio–, o que, segundo os pesquisadores, é só uma questão de tempo.

A virada de um ano para outro traz justamente a sensação de termos um novo tempo para superar desafios, resolver problemas e alcançar as metas estabelecidas na véspera de 1º de janeiro. Neste fim de 2020, para todo o mundo e, felizmente, para grande parte da comunidade científica, o controle da pandemia sem dúvida é a prioridade. Mas, para muitos cientistas e engenheiros de materiais, produzir supercondutores em temperatura e pressão próximas às do ambiente e lasers a base de silício deve vir logo abaixo na lista.

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De que são feitas as luzes do Natal https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/12/23/de-que-sao-feitas-as-luzes-do-natal/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/12/23/de-que-sao-feitas-as-luzes-do-natal/#respond Wed, 23 Dec 2020 16:41:15 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/natal-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=152 Quem teve a sorte de céus limpos nos últimos dias assistiu a um fenômeno astronômico raro e com especial simbolismo: a conjunção entre Júpiter e Saturno. Os planetas estiveram tão próximos no céu, vistos aqui da Terra, que chegaram a parecer um único astro. Uma conjunção como esta, para alguns especialistas, está na origem da lenda da estrela de Belém, guia dos Reis Magos até Jesus Cristo recém-nascido.

Mas, mesmo que não seja esta a estrela de Natal –e ainda que nunca tenha existido uma estrela concreta–, é fato que a lenda, junto à concepção de Jesus como luz que teria vindo iluminar a humanidade, está na origem da tradição natalina de iluminarmos árvores, casas e ruas.

As luzes de Natal antecedem em muito a descoberta da eletricidade. Foi em 1882 que Edward Hibberd Johnson substituiu as velas usadas até então por lâmpadas incandescentes, buscando assim publicidade para o mais recente invento de seu amigo e sócio Thomas Edison. As lâmpadas de Edison resolveram o risco de incêndios e, desde os anos 2000, fios com centenas de LEDs vêm substituindo a iluminação incandescente, com economia de energia e maior durabilidade.

LED é sigla do Inglês para diodo emissor de luz. São materiais semicondutores que emitem luz quando submetidos a uma corrente elétrica, uma propriedade chamada de eletroluminescência. Por isso, o marco de início da história dos LEDs é colocado em 1907, quando a eletroluminescência foi demonstrada pelo inglês Henry Joseph Round. Mas foi só em 1962 que o americano Nick Holonyak Jr., trabalhando nos laboratórios da General Eletric, produziu o primeiro LED emissor de luz visível com um brilho passível de alguma aplicação. Estes primeiros LEDs emitiam luz vermelha, assinatura do semicondutor formado basicamente pela combinação entre gálio e arsênio.

A emissão de luz nos LEDs –no infravermelho e no ultravioleta, além do espectro visível– acontece pela interação entre elétrons e buracos, uma parte da Física que, ao menos na minha época, passava longe das aulas de ciências. Mas, para termos alguma ideia do que se trata, podemos recorrer a uma analogia mais familiar, do átomo como sistema planetário.

Neste modelo, os elétrons orbitam um núcleo formado por prótons e nêutrons, em níveis de energia definidos, os orbitais, e entre eles temos níveis proibidos, onde o elétron não pode estar. Há um número restrito de elétrons que podem ocupar um determinado nível de energia, e eles sempre ocupam primeiro os menores níveis possíveis, mais próximos do núcleo.

Quando passamos de átomos isolados para sólidos compostos por vários átomos organizados –indo da Física de Partículas para a chamada Física do Estado Sólido, ou da Matéria Condensada–, os níveis de energia desses átomos interagem, formando bandas de energia. Novamente, os elétrons podem circular por diferentes bandas, mas existem bandas proibidas. Outra classificação importante é entre banda de valência –a banda mais alta inteiramente preenchida com os elétrons correspondentes, inerte– e banda de condução– que é a banda logo acima, onde há elétrons livres.

A diferença fundamental entre materiais condutores e isolantes é a energia necessária para os elétrons fazerem a transposição desta barreira entre as bandas de valência e de condução, ou seja, atravessarem a banda proibida (chamada de gap, novamente do Inglês).

Os materiais semicondutores, por sua vez, ficam no meio do caminho, se comportando como condutores ou isolantes dependendo das condições. Neles, os elétrons, ao passarem de uma banda a outra, deixam na banda de valência a sua ausência, e é ela que é chamada de buraco. Buracos comportam-se como uma partícula carregada positivamente e, como o elétron, também se movimentam, contribuindo com a corrente.

Os LEDs são um tipo específico de material semicondutor, chamado de diodo. Nos diodos, semicondutores misturados com outros elementos (a palavra usada para esta mistura é dopagem) são combinados, o que resulta em um lado cheio de elétrons livres e outro com os buracos correspondentes. Quando uma corrente elétrica é aplicada, é a interação entre elétrons e buracos que resulta na emissão de luz, e cor e brilho dessa luz dependem da energia necessária para que os elétrons superem a banda proibida.

Essa energia, por sua vez, depende do material empregado. Assim, depois do primeiro LED, vermelho e pouco brilhante, nos anos seguintes novos materiais e combinações entre eles foram sendo testados na busca por mais cores e brilho.

Apesar da alegria proporcionada pelas luzes de Natal, não foi esta a aplicação que rendeu o Prêmio Nobel de Física de 2014 aos inventores do primeiro LED azul. As aplicações dos LEDs vão muito além e, hoje, eles substituem as lâmpadas incandescentes em residências e, até mesmo, na iluminação pública de cidades inteiras.

Para que pudéssemos chegar até este momento, era necessária a luz branca, obtida pela combinação de LEDs emissores de luz vermelha, verde e azul. Os LEDs vermelhos e verdes existiam desde a década de 1960, mas foi só em 1990 que os japoneses Isamu Akasaki, Hiroshi Amano e Shiji Nakamuro sintetizaram um diodo a base de nitreto de gálio emissor de luz azul.

Dali para a frente, os piscas de Natal tornaram-se mais coloridos e as cidades mais iluminadas com menor gasto de energia, mas também há um agravamento na poluição luminosa. Por isso, neste momento, desejo aos leitores e às leitoras de Sínteses não um Natal com muita luz, mas sim o equilíbrio entre a alegria da iluminação natalina e a escuridão necessária para que vejamos as estrelas sobre nós.

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Carimbo do vírus em polímero permite teste rápido de Covid na saliva https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/12/10/carimbo-do-virus-em-polimero-permite-teste-rapido-de-covid-na-saliva/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/12/10/carimbo-do-virus-em-polimero-permite-teste-rapido-de-covid-na-saliva/#respond Thu, 10 Dec 2020 18:53:30 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/imagemdosensor-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=148 Pesquisadores vinculados ao Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI), sediado em Campinas, desenvolveram dois tipos de testes rápidos portáteis para detecção do vírus causador da Covid-19 na saliva. Os testes utilizam uma base sensora eletroquímica, na qual um material semicondutor –uma nanoestrutura de óxido de zinco– capta pequenas variações em sinais elétricos causadas pela presença do Sars-CoV-2.

No início da pandemia, o grupo liderado por Talita Mazon, pesquisadora no CTI, logo pensou em adaptar o teste originalmente desenvolvido para zika, dengue e outras doenças. “Nós trabalhamos com o óxido de zinco em biossensores há cerca de cinco anos. Estávamos na fase de validação do teste de zika e pensamos que bastava uma adaptação. Mas não tínhamos dinheiro para adquirir o antígeno e os anticorpos, e leva um tempo para as empresas conseguirem produzir um anticorpo monoclonal que resulte em teste com a especificidade desejada”, explica a pesquisadora.

Na plataforma utilizada, chamada de imunossensor, anticorpos são imobilizados na nanoestrutura e, quando entram em contato com proteínas do vírus (antígeno), a ligação química entre anticorpo e antígeno produz alterações características em sinais elétricos, que são captadas pelo material semicondutor e registradas em um gráfico no computador ou em dispositivos móveis como telefones celulares.

No entanto, anticorpos monoclonais (produzidos em laboratório) precisam ser importados e têm custo elevado, fora do alcance dos pesquisadores naquele primeiro momento. Em vez de desistir, ou ficar esperando os anticorpos chegarem, o grupo seguiu por outro caminho, que levou a uma solução ainda mais interessante, inteiramente nacional e que pode ser armazenada em temperatura ambiente, por não conter materiais biológicos.

O grupo desenvolveu um teste em que o vírus Sars-CoV-2 é impresso em uma base de polipropileno, um polímero depositado como uma camada sobre o sensor de óxido de zinco. Forma e tamanho do coronavírus são carimbados no polímero, e o material passa então por uma lavagem que elimina o vírus. Quando partículas virais presentes na saliva contaminada encaixam neste molde, também acontecem as alterações nos sinais elétricos, captadas pelo óxido de zinco. Simples assim, como nos brinquedos para crianças pequenas em que triângulos, quadrados e círculos precisam ser encaixados nos lugares correspondentes em uma base de plástico.

“O que nós medimos, com um potenciostato acoplado ao celular, ou a um laptop, é uma variação no sinal elétrico, que pode ser maior ou menor que o esperado na ausência da proteína ou do vírus. Em algumas doenças, a ligação entre anticorpo e antígeno gera uma corrente elétrica maior. No caso dos testes de Covid, essa ligação, bem como o encaixe do vírus no polímero, têm característica isolante, gerando uma corrente menor”, situa Mazon.

A impressão do polímero foi realizada a partir de vírus isolados pela equipe do Laboratório de Estudos de Vírus Emergentes da Universidade Estadual de Campinas (LEVE), coordenado por José Luiz Proença Módena. “Eu conheci o professor Módena porque as amostras de pacientes com zika foram doados pelo LEVE. Vi em uma reportagem que ele havia isolado o novo coronavírus e pedi as amostras, para tentar a impressão do vírus na camada polimérica”, relembra Mazon, explicando que, mais comumente, o que tem sido buscado é a impressão de anticorpos.

Eficácia, especificidade e sensibilidade do teste já foram comprovadas com o uso de vírus inativados, mas agora análises com vírus ativos devem ser realizadas nas instalações do LEVE, com os níveis de biossegurança necessários. “Embora o desenvolvimento deste teste esteja em uma etapa inicial, em longo prazo considero a solução muito promissora. Além de não precisar de refrigeração e da importação de anticorpos e antígenos, eles podem ser muito úteis em viroses futuras. Geralmente, uma das primeiras coisas que é feita é isolar o vírus. Assim, uma vez estabelecida a metodologia, fica fácil adaptar no caso de um novo vírus”, avalia a líder do grupo de pesquisa.

O grupo também deu continuidade ao desenvolvimento do imunossensor, a partir de parceria com startup que importou antígenos e anticorpos. Neste caso, o processo está mais adiantado, em etapa de validação pela verificação frente ao exame RT-PCR, considerado padrão-ouro na detecção do vírus. Essa verificação será feita em pacientes, no Hospital das Clínicas de Botucatu, com previsão de término até o final de janeiro e encaminhamento para aprovação e início da produção em escala.

O custo estimado para o imunossensor é de cerca de R$ 10 por teste, valor que deve ser ainda menor para o dispositivo com a camada polimérica. Os estudos são realizados em parceria também com o Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais, apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

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Espuma feita de materiais naturais remove óleo de águas contaminadas https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/12/02/espuma-feita-de-materiais-naturais-remove-oleo-de-aguas-contaminadas/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/12/02/espuma-feita-de-materiais-naturais-remove-oleo-de-aguas-contaminadas/#respond Wed, 02 Dec 2020 18:04:35 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/espuma-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=143 Que água e óleo não se misturam todo mundo sabe, de experiências cotidianas em casa ou na escola e das manchas no mar após grandes vazamentos. Menos conhecido é o uso, na remediação desses desastres e outros episódios de contaminação de corpos d’água, de espumas, materiais porosos e absorventes semelhantes às esponjas usadas na limpeza doméstica, capazes de conter os contaminantes separando-os da água.

Os materiais porosos –espumas, esponjas e aerogéis– geralmente usados como alternativa aos métodos convencionais de descontaminação têm a desvantagem de serem derivados do petróleo, dependendo de recursos não renováveis e não sendo biodegradáveis. Uma pesquisa realizada no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) resultou em inovação que pode substituir esses materiais, por uma nova espuma a base de celulose e látex altamente eficiente e produzida em um processo simples e limpo.

A nanocelulose já é utilizada em materiais porosos para diferentes aplicações. Algumas de suas vantagens são a abundância e o baixo custo, podendo ser obtida de biomassa como bagaço de cana ou resíduos da produção de papel. Além disso, apresenta propriedades muito adequadas à obtenção de estruturas porosas tridimensionais.

No entanto, a celulose é naturalmente hidrofílica –ou seja, tem afinidade com a água e não com os poluentes– e frágil quando molhada. Por isso, para uso na absorção de óleos e outros compostos hidrofóbicos (como tolueno e clorofórmio), geralmente são necessárias várias etapas na produção das espumas de celulose e, inclusive, o uso de solventes que podem causar danos ao ambiente.

A solução encontrada no CNPEM combinou a associação entre nanocelulose obtida do eucalipto e látex de borracha natural com um processo produtivo em etapa única. O látex confere ao material a robustez estrutural e a afinidade com os poluentes que faltam na celulose. O mais curioso, no entanto, é o caminho percorrido para obter a espuma. Os materiais sólidos –celulose e látex– representam apenas 2% de uma mistura com água que é congelada e, depois, liofilizada. Ou seja, a água passa do estado sólido (gelo) para o gasoso no processo de liofilização, deixando em seu lugar os poros que irão absorver os poluentes em uma proporção até 50 vezes maior que a massa da espuma de celulose.

As análises feitas nos laboratórios do CNPEM comprovaram a alta porosidade do material e outras características morfológicas, sua capacidade de absorção de óleo e outras substâncias e, também, sua durabilidade após vários ciclos de uso. O material desenvolvido já teve sua patente depositada e está disponível para licenciamento e aplicação como alternativa sustentável na remediação de águas contaminadas. Os resultados foram publicados em artigo de capa na edição de novembro do periódico científico internacional ACS Applied Nano Materials.

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Aditivo potencializa e prolonga ação desinfetante do álcool 70% https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/11/28/aditivo-potencializa-e-prolonga-acao-desinfetante-do-alcool-70/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/11/28/aditivo-potencializa-e-prolonga-acao-desinfetante-do-alcool-70/#respond Sat, 28 Nov 2020 19:37:37 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/11/alcool-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=135 O álcool 70% é um dos principais produtos usados para desinfecção, assim como uma classe menos conhecida de substâncias, os quaternários de amônio, comuns nos desinfetantes de uso doméstico. Na pandemia de Covid-19, álcool 70% e desinfetantes com quaternários de amônio estão entre as principais recomendações para limpeza de superfícies, dentre outros processos de desinfecção.

Um projeto desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) combinou os dois materiais, para obter efeito mais duradouro de higienização e desinfecção de mãos, superfícies e máscaras.

A UFGD já estava recebendo doações de álcool de usinas da região para preparar álcool 70% destinado a hospitais, postos de saúde e outras instituições no Mato Grosso do Sul. Integrando-se aos esforços institucionais no enfrentamento da pandemia, um grupo coordenado pelo pesquisador Eduardo José Arruda propôs a solução adicional para potencializar o uso desse álcool e estender os efeitos de desinfecção.

“O álcool tem seu efeito enquanto está líquido, mas evapora rapidamente com o calor das superfícies, perdendo sua atividade biológica. O que se buscou foi uma solução simples, a partir de materiais disponíveis no mercado, para prolongar o efeito de desinfecção”, conta Arruda. O trabalho contou com parceria do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF), sediado na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Os quaternários de amônio têm ação conhecida sobre microrganismos como bactérias, fungos e vírus, provocando o rompimento da membrana celular ou de camadas protetoras dos vírus, dentre outros processos danosos a esses organismos. Suas moléculas podem se auto-organizar em diferentes formas, como micelas, no caso dos detergentes domésticos, por exemplo. Na combinação com álcool 70% formulada pelo grupo da UFGD, eles formam um filme bioativo que permanece na pele das nossas mãos e em outras superfícies depois da evaporação do álcool.

Uma vantagem adicional é a possibilidade do filme ser transferido entre superfícies, como, por exemplo, da mão para barras de apoio em veículos de transporte coletivo.

O desafio do grupo de pesquisa foi encontrar a concentração mais adequada de aditivos, segura para a saúde humana e eficaz contra os microrganismos. Depois de chegar a uma primeira formulação, destinada à limpeza das mãos e de superfícies, os pesquisadores identificaram outras aplicações possíveis, na desinfecção de máscaras de pano e outros materiais. Essa desinfecção pode ser feita pelo mergulho das máscaras no produto, com secagem rápida devido à evaporação do álcool 70%. Para esta finalidade, houve adição de umectantes e outras substâncias cosméticas, para proteção da pele no contato prolongado com o material.

O grupo segue realizando testes complementares, para análise de eficiência não só contra o Sars-CoV-2, mas também outros microrganismos.

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