Sínteses https://sinteses.blogfolha.uol.com.br Da Idade da Pedra à 'febre do grafeno', um blog sobre tudo aquilo de que o mundo é feito Sun, 21 Mar 2021 19:10:18 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Conheça pesquisadora por trás de material útil na guerra e no espaço https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/03/02/conheca-pesquisadora-por-tras-de-material-util-na-guerra-e-no-espaco/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/03/02/conheca-pesquisadora-por-tras-de-material-util-na-guerra-e-no-espaco/#respond Mon, 02 Mar 2020 10:05:09 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/03/kevlar-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=84 Para começar esta semana –que termina no Dia Internacional da Mulher– inspirada pela liderança feminina do sequenciamento genético em apenas 48 horas do coronavírus que chegou ao Brasil, compartilho dica de leitura sobre a trajetória de outra cientista, Stephanie Louise Kwolek.

A Sociedade Brasileira de Pesquisa em Materiais (SBPMat) acaba de publicar seu boletim mensal e, nele, conhecemos a história do Kevlar, material usado em coletes à prova de balas, cordas destinadas a missões espaciais, botas de bombeiros e raquetes, dentre várias outras aplicações. A fibra sintética polimérica lançada em 1982 pela DuPont é um desdobramento de uma descoberta feita por Kwolek em 1965, no Laboratório de Pesquisa Pioneira em Fibras Têxteis da empresa, nos Estados Unidos.

Conheça os detalhes sobre a ciência por trás deste material que combina grande resistência e leveza no boletim da SBPMat.

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Inteligência artificial promete futuro com materiais sob medida https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/02/26/inteligencia-artificial-promete-futuro-com-materiais-sob-medida/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/02/26/inteligencia-artificial-promete-futuro-com-materiais-sob-medida/#respond Wed, 26 Feb 2020 22:56:19 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/02/hal9000-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=79 O ser humano sempre procurou materiais que pudessem satisfazer seus desejos e necessidades, mas a forma como essa busca se dá mudou ao longo do tempo.

Nas idades pré-históricas identificadas com diferentes materiais (pedra, bronze, ferro), partia-se de propriedades evidentes desses materiais –a dureza, por exemplo– para o uso em aplicações como caça e guerra.

Depois, e até muito recentemente, passamos a criar novos materiais por um processo empírico de tentativa e erro, ainda que informado pelo conhecimento experimental e teórico acumulado e, depois, também por simulações computacionais. Esses novos materiais, sintetizados com participação significativa do acaso –tanta que o processo é apelidado por pesquisadores de “tente e tenha sorte”–, são então caracterizados para conhecimento profundo de suas propriedades e, a partir desse conhecimento, sugestão de novas aplicações.

Agora, o que a ciência de dados e a inteligência artificial prometem é o processo inverso, em que imaginamos uma aplicação e perguntamos à máquina qual material mais provavelmente terá as propriedades necessárias.

O Materials Genome Initiative, programa do governo Obama lançado em 2011 para dobrar a velocidade e, concomitantemente, reduzir o custo da descoberta de novos materiais, é considerado um marco no desenvolvimento da área. A iniciativa destaca a existência de um intervalo que vai de 10 a 20 anos para um novo material chegar ao mercado e atribui esse tempo à dependência da intuição científica associada ao processo de tentativa e erro. Para diminui-lo, propõe, sobretudo, o investimento em ferramentas da ciência de dados.

“Os métodos de inteligência artificial são estudados desde os anos 1980. A mudança que temos agora é uma quantidade muito grande de dados disponíveis”, situa Gustavo Martini Dalpian, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) que tem usado essas ferramentas na busca de novos materiais para aplicações em energia. “Hoje, há ações envolvendo big data para quase todas as vertentes de materiais para energia. Há pessoas procurando materiais para células solares de perovskitas, para baterias de lítio mais eficientes, novos materiais termoelétricos”, exemplifica.

Em 2019, Dalpian e o estudante de doutorado Douglas José Baquião Ribeiro publicaram artigo relatando a busca por materiais para as chamadas células solares de banda intermediária, que prometem eficiência superior às células fotovoltaicas convencionais. Com o apoio da técnica de screening, os pesquisadores partiram de um conjunto de quase 50 mil possibilidades para chegar em uma lista com apenas três materiais.

“Os bancos disponibilizam volumes imensos de informações sobre propriedades de materiais já sintetizados e hipotéticos. Se queremos, por exemplo, encontrar um material com dureza próxima à do diamante, a ideia é procurar nos bancos de dados aqueles que possuem um módulo de compressibilidade volumétrica grande, e estes potencialmente serão bons candidatos. O desafio passa a ser, portanto, definir quais propriedades precisam ser buscadas, as quais chamamos de descritores”, explica Dalpian.

O que o screening e outros métodos permitem, portanto, é o melhor aproveitamento de dados acumulados sobre materiais, resultantes de décadas de trabalho experimental e simulações computacionais. Esses dados tornam possível prever propriedades de novos materiais, com o uso de técnicas de inteligência artificial. Dentre essas técnicas, destaca-se a aprendizagem de máquina (machine learning), cujos algoritmos são capazes de identificar correlações complexas entre composição, estrutura e propriedades dos materiais, muito difíceis de serem detectadas pelos métodos tradicionais. Com isso, detectam padrões e aprendem tendências mesmo sem compreender os mecanismos físicos por trás de um determinado resultado.

Universo inexplorado

A revista Science, em nota sobre o tema publicada recentemente, registra que pode chegar à casa dos bilhões o número de materiais ainda desconhecidos. Destes, a grande maioria é irrelevante, o que transforma a procura por materiais de interesse, nas palavras do periódico, em uma busca por agulhas no palheiro.

Os vidros são uma classe de materiais que ilustra bem este desafio. Das 1052 composições vítreas estimadas como possíveis –a partir de combinações entre os elementos da tabela periódica–, apenas 105 vidros já foram sintetizados. Este universo inexplorado traz grandes oportunidades e, vislumbrando esse potencial, Edgar Dutra Zanotto, professor do Departamento de Engenharia de Materiais (DEMa) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Diretor do Centro de Pesquisa, Tecnologia e Educação em Materiais Vítreos (Certev), iniciou há pouco mais de dois anos o trabalho com ferramentas de ciência de dados. Para tanto, buscou a parceria de André Carlos Ponce de Leon Ferreira de Carvalho, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da Universidade de São Paulo (USP).

Em um primeiro artigo, publicado em outubro de 2018, os pesquisadores treinaram um algoritmo para previsão de uma propriedade fundamental na produção de vidros, a temperatura de transição vítrea (Tg). O treinamento foi realizado a partir de dados com a Tg de 55.000 composições vítreas.

Agora, o grupo acaba de publicar um segundo artigo que compara a performance de seis algoritmos diferentes na previsão da mesma propriedade e, para os próximos meses, está previsto o primeiro trabalho que insere outras propriedades nos cálculos realizados. A meta é chegar em softwares de design inverso de vidros, ou seja, nos quais são inseridas as propriedades desejadas para obter um pequeno conjunto de composições a serem testadas empiricamente.

Neste caso, além da economia de tempo e dinheiro, há o potencial de obter materiais com propriedades e aplicações exóticas. Isto porque vidros com até 10 elementos químicos em sua composição são comuns, mas acima disso é muito mais difícil experimentar sem o apoio da inteligência artificial.

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Forte como um ouriço https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/02/13/forte-como-um-ourico/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/02/13/forte-como-um-ourico/#respond Thu, 13 Feb 2020 11:00:42 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/02/ourico-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=66 Você já viu a casca da castanha do Pará?

Não o invólucro marrom de três faces que envolve cada castanha, em formato de esfiha (ou alguém me ajuda com uma analogia melhor?).

Muito menos os restos de película escura que sobram nas castanhas, alimento tão brasileiro e, ao mesmo tempo, pouco familiar na sua aparência original.

Alguém conhece o ouriço, fruto esférico da castanheira, que abriga uma ou duas dezenas de sementes (as castanhas), não se quebra na queda de árvores que podem chegar aos 50 metros de altura e, normalmente, é rompido pelos dentes de um único animal, a cotia?

Marília Sonego não o conhecia. Até que um tio trouxe um exemplar para casa, de Porto Velho, e, com o pai da pesquisadora, embarcou em uma saga para serrá-lo em duas partes com vistas à produção de um cinzeiro. “Eu estava no mestrado, buscando um tema para a minha pesquisa de doutorado, já com interesse em materiais biológicos. Fiquei intrigada com toda aquela dificuldade para abrir o ouriço”, conta a hoje quase doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência e Engenharia de Materiais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com defesa da tese marcada para o próximo mês de março.

Quatro anos depois, Marília Sonego tem grande chance de ser a maior conhecedora do mesocarpo do fruto da castanheira em todo o mundo. Seu doutorado buscou, primeiramente, caracterizar a camada responsável pela notável resistência mecânica do ouriço –o tal mesocarpo, situado entre uma camada mais externa que apodrece no amadurecimento e um endocarpo muito fino para sustentar qualquer coisa. Geralmente, este é um trabalho realizado por especialistas na área da botânica, mas, como não achou a descrição na literatura já existente, a engenheira de materiais arregaçou as próprias mangas.

Além disso, o trabalho buscou estratégias para utilizar as estruturas encontradas em novos materiais, em um processo conhecido como bioinspiração ou biomimetismo. “Na natureza, os materiais estão sujeitos às mesmas leis e enfrentam os mesmos problemas que nós no laboratório, na indústria, na arquitetura… Enfrentam, por exemplo, a gravidade, o atrito, a degradação pela luz do sol… A diferença é que a natureza teve bilhões de anos para ir encontrando as soluções, por tentativa e erro, e entender as estratégias que ela desenvolveu pode ajudar muito”, situa a pesquisadora.

No esforço de caracterização do ouriço, Sonego utilizou equipamentos de microscopia e tomografia e, também, experimentos para verificar a composição química e ensaios mecânicos para mensurar a performance do mesocarpo sob compressão e tração e outras propriedades relacionadas à tenacidade do material. Em compressão, o ouriço da castanha do Pará se mostrou mais difícil de quebrar que as cascas de todas as outras castanhas estudadas, dentre as quais a macadâmia, segunda colocada; amêndoas, avelãs e nozes.

Já os exames de imagem e análises químicas revelaram detalhes da estrutura do ouriço em diferentes níveis: do macroscópico ao molecular, passando pelo celular (microscópico) e pelo chamado nível fibrilar (nanoscópico). Foi no nível celular que Sonego encontrou a inspiração central para o material proposto ao final da pesquisa. “Todas as escalas têm as suas estratégias, que se conectam, e é essa organização hierárquica que explica como componentes relativamente fracos podem resultar em um sistema com propriedades excepcionais. Mas esta é uma complexidade difícil de reproduzir artificialmente, e eu precisei fazer escolhas”, revela a pesquisadora.

Os principais resultados encontrados podem ser resumidos em duas características. Uma é a combinação entre dois tipos de células presentes, as fibras, alongadas, e as esclereides, esféricas, ambas ocas e com grossas paredes celulares. A outra é o posicionamento das fibras em três camadas com orientações distintas, como um sanduíche com duas camadas na vertical e uma camada central na horizontal.

A combinação de fibras e esclereides pode ser comparada a uma treliça (formada pelas fibras) com espaços preenchidos por espuma (as esclereides ocas). Esta é uma estratégia que permite a presença de material mais resistente onde é necessário suportar maior carga, com o restante preenchido por elementos menos densos, o que reduz o peso final da estrutura.

Além disso, essa organização sugere um mecanismo dificultador da propagação de trincas análogo ao que vemos em paredes de tijolo aparente. Nelas, o posicionamento dos tijolos em fileiras deslocadas faz com que a trinca tenda a desviar dos tijolos, que exigem maior energia para serem quebrados. Assim, a trinca percorre um caminho mais longo, o que retarda a fratura. No ouriço, a trinca evitaria quebrar a parede celular de fibras e esclereides, se propagando pelas interfaces entre elas.

Já o posicionamento das fibras em diferentes orientações resulta em um efeito oposto ao que observamos em uma casca de banana. Na banana, as fibras estão posicionadas em um só sentido, de uma ponta a outra (longitudinal), o que dificulta o rompimento ao redor da fruta (latitudinal), mas permite que a descasquemos com facilidade, puxando a casca no sentido das fibras. No ouriço, como há fibras em todas as direções, há resistência em todas elas.

Considerando essas características, a pesquisadora propôs um material organizado em várias camadas de fibras de um polímero (PLA) reforçado por fibra de carbono. Essas camadas foram produzidas por impressão 3D, para chegar às diferentes orientações das fibras, verticais e horizontais. Os espaços entre as fibras foram preenchidos por uma espuma com esferas de vidro ocas imitando as esclereides, e todo o conjunto foi ligado com o uso de uma resina (epóxi).

O material resultante também foi submetido a testes para verificar seu desempenho mecânico, o que mostrou alguns bons resultados e evidenciou aprimoramentos necessários, como mudanças na quantidade e tamanho das bolinhas e a redução da diversidade de materiais aplicados.

“A etapa de caracterização foi longa. No primeiro ano inteiro, por exemplo, eu fiquei estudando biologia! Só cheguei à etapa de proposição do compósito no último ano, e minhas expectativas eram baixas devido à alta complexidade do ouriço. Mas obtivemos alguns bons resultados, e agora sei quais são os próximos passos a seguir. Eu só usei materiais comerciais, por exemplo, e uma possibilidade é desenvolver esses materiais aqui na universidade”, registra a pesquisadora.

A pesquisa de Sonego foi realizada em parceria com Luiz Antonio Pessan, seu orientador no doutorado, professor no Departamento de Engenharia de Materiais da UFSCar, e com Claudia Fleck, pesquisadora da Technische Universität Berlin, na Alemanha, onde a brasileira realizou alguns dos experimentos. O estudo recebeu financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

As diferentes etapas envolveram também outras colaborações, no Brasil e na Alemanha. Parte dos resultados já foram publicados em julho do ano passado na revista especializada Bioinspiration & Biomimetics, e um segundo artigo está aceito e deve sair em breve na Scientific Reports, do grupo Nature. O trabalho também foi apresentado em congressos na Alemanha, Austrália e no Canadá, além do Brasil.

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De piscina de íons a bebedouro de bactérias, o potencial do hidrogel https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/01/23/de-piscina-de-ions-a-bebedouro-de-bacterias-o-potencial-do-hidrogel/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/01/23/de-piscina-de-ions-a-bebedouro-de-bacterias-o-potencial-do-hidrogel/#respond Thu, 23 Jan 2020 21:52:07 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/sensor-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=43 Hidrogel é um termo relativamente conhecido quando designa o produto usado em intervenções para aumento de coxas e nádegas. Infelizmente, a fama vem principalmente das complicações, que já resultaram inclusive na morte de pacientes. Também é um hidrogel o responsável pelo poder absorvente das fraldas descartáveis, e são feitas de hidrogel as bolinhas usadas para manter vasos sempre com água. Outro hidrogel familiar é a gelatina.

Além desses usos mais comuns, esta classe de materiais tem um campo de aplicações na fronteira do conhecimento que vai de pele artificial a tijolo, como ilustram pesquisas divulgadas recentemente.

Hidrogéis são redes tridimensionais de polímeros –naturais ou sintéticos– capazes de reter grande quantidade de água em sua estrutura. Outra característica importante é a elasticidade desses compostos.

Uma das novas aplicações, desenvolvida no Canadá, é um sensor que, grudado à pele, transforma estímulos mecânicos, como tensão e deformação, e outros sinais, como umidade, em sinais elétricos. O dispositivo foi batizado de AISkin (de pele iônica artificial em inglês), e os primeiros resultados foram publicados na revista Materials Horizons.

A previsão é que o sensor possa incrementar tecnologias vestíveis em áreas diversas. No artigo, os cientistas relatam testes bem-sucedidos com a detecção do movimento de um dedo da mão, o que poderia ajudar, na área da saúde, o acompanhamento de processos de reabilitação, por exemplo. Outro teste foi feito com um touch pad (painel sensível ao toque) grudado à mão de uma pessoa, no qual foi possível controlar ações em um jogo eletrônico no computador.

A inspiração para o novo sensor veio diretamente da pele humana, uma rede polimérica com presença de uma variedade de sensores neurais. Esses sensores transformam os estímulos recebidos –como um aperto de mão ou a aproximação do fogo– em sinais elétricos pelo transporte de íons (átomos eletricamente carregados, positiva ou negativamente, por terem perdido ou ganhado elétrons). Essa capacidade é chamada de transdução –a transformação de estímulo ou sinal de um tipo em outro.

As peles artificiais mais comuns são eletrônicas, fazendo essa transmissão de informações com base em elétrons, e não íons. Isto, segundo os criadores da AISkin, resulta em uma lacuna entre a pele humana e a alternativa artificial, e é para diminuir essa distância que o novo dispositivo foi pensado. Nele, o meio aquoso do hidrogel é que garante a movimentação dos íons entre duas camadas, uma com carga negativa e outra positiva, e consequentemente viabiliza a transdução dos estímulos recebidos em sinais elétricos.

Neste primeiro caso, portanto, o hidrogel é a estrutura que sustenta um sistema complexo junto à nossa pele. Em uma segunda aplicação, também divulgada nos últimos dias, ele hidrata e alimenta bactérias responsáveis pela produção de tijolos de concreto!

A pesquisa foi realizada na University of Colorado Boulder, Estados Unidos, e publicada na revista Matter. Os cientistas colocaram em um molde areia e bactérias que, após um processo chamado de biomineralização, resultaram em um cimento vivo.

Molde preenchido com areia, bactérias e hidrogel
Molde preenchido com areia, bactérias e hidrogel (Crédito: College of Engineering and Applied Science at University of Colorado Boulder)

O material é mais sustentável que o concreto convencional, cuja produção emite gases de efeito estufa (CO2). Além disso, ele tem potencial de aplicação em materiais inteligentes, que detectem, por exemplo, níveis de toxinas no ambiente.

Na biomineralização, carbonato de cálcio (CaCO3) é precipitado pelas bactérias, conferindo ao material maior resistência à fratura. É um processo análogo ao que acontece na produção das conchas dos moluscos, dentre outros seres vivos que produzem minerais. Para a fabricação de concreto, também está na mistura o hidrogel, que fornece a água e os nutrientes necessários à manutenção da vida das bactérias.

Dentre possíveis desenvolvimentos para o novo material, os pesquisadores propõem o uso em ambientes com recursos limitados e, até mesmo, em outro planeta: Marte, para onde poderia ser necessário transportar apenas as bactérias. E hidrogel.

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Sara e a síntese https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/01/17/sara-e-a-sintese/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/01/17/sara-e-a-sintese/#respond Fri, 17 Jan 2020 11:00:27 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/ovo-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=36 Há uns dias, servi a amigas ovos perfeitos. A expressão não é pretensão da cozinheira: refere-se a ovos preparados com um termocirculador, equipamento que mantém a temperatura da água constante e uniforme. Resultam gemas com consistência de quindim, impossíveis de obter na panela comum.

Uma das convidadas, química, me convidou depois da degustação a ajudá-la nos processos de síntese com os quais está envolvida no laboratório. Imagino que tenha sido um elogio (obrigada, Sara!): o reconhecimento da capacidade de escolha dos ingredientes –ovos caipiras, flor de sal e pimenta do reino moída na hora– e de controle de variáveis no seu preparo.

Isto porque também a síntese exige conhecimento e habilidade na escolha de elementos ou substâncias químicas, os precursores. A partir de algum processo de transformação –físico ou, na maior parte das vezes, químico–, esses precursores resultam em novos compostos, os produtos, com composição, estrutura e propriedades distintas das originais. Aqui, há um limite na analogia com o ovo, já que não escolhi os elementos presentes na clara ou na gema, apenas aproveitei o que a natureza fez.

A natureza, aliás, pode ser considerada o maior laboratório de síntese. “Na minha sala, vemos móveis de madeira, material feito pela natureza. Durante muito tempo, nossas roupas eram todas de tecidos naturais, linho, algodão, seda. Tudo isso é resultado de sínteses”, registra, para começo de uma conversa sobre o assunto, Elson Longo da Silva, professor emérito do Departamento de Química da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

“Em geral, a natureza ganha de 10 a 0 de nós. Até hoje não conseguimos, por exemplo, imitar as rolhas de cortiça, com todas as suas características. Podemos pensar também nas propriedades mecânicas incríveis das carapaças das tartarugas, nas estruturas dos corais, no mecanismo de camuflagem dos camaleões…”, acrescenta.

Voltando a laboratórios mais modestos, os processos de síntese podem aprimorar propriedades daquilo que já existe, ou resultar em materiais antes inexistentes. Outras vezes, o que se busca é produzir em larga escala compostos que, naturalmente, só existem em pequenas quantidades.

“Eu costumo chamar de novo material não só aquele que não existia, mas também o velho conhecido que foi descoberto para uma nova função. Em qualquer das duas situações, a síntese tem um papel central. É só a partir do material existente, que foi preparado por alguma rota sintética, que suas propriedades poderão ser testadas, e sua aplicação viabilizada. A síntese, portanto, é a gênese de tudo”, define Aldo Zarbin, professor titular do Departamento de Química da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

A síntese de novos materiais diz respeito, portanto, ao estabelecimento de uma relação entre função, propriedade, composição e estrutura. Zarbin pontua que toda matéria é um material em potencial. No material, uma ou mais propriedades têm funções.

Assim, para uma determinada aplicação –material para próteses ósseas, por exemplo–, é preciso estabelecer as propriedades desejadas, como leveza, resistência mecânica, biocompatibilidade. Depois, são identificados quais precursores, combinados em um determinado processo de síntese (rota), podem resultar na composição e, também, na microestrutura desejada, que diz respeito às ligações estabelecidas entre os átomos e ao seu arranjo espacial.

Estabelecer a melhor rota de síntese significa definir etapas a serem seguidas: aquecimento na água seguido de resfriamento rápido em banho de gelo, no caso do meu ovo. Exige, também, controlar as variáveis envolvidas: temperatura –65ºC– e tempo –60 minutos– no meu processo, certamente muitíssimo mais simples que aqueles enfrentados pela Sara no laboratório!

“O que nós gostaríamos de fazer? Pegar a matéria e transformar exatamente no produto em que temos interesse, como um alfaiate, sob medida. Mas, geralmente, este é um processo que acontece por tentativa e erro”, conta Longo.

A manifestação do pesquisador destaca como, apesar da relevância do conhecimento teórico e, mais recentemente, do apoio de ferramentas computacionais, a pesquisa experimental é o momento de revelação do sucesso ou fracasso da rota de síntese escolhida.

Produzir um novo material, no entanto, não obrigatoriamente se dá através de rotas sintéticas. “Sintetizar significa sair de moléculas simples e ir juntando as peças, como um Lego. A síntese é criar a partir de precursores diferentes. Isolar algo que já está em algum lugar é preparação, não síntese, por exemplo”, explica Zarbin.

Além disso, há uma outra etapa fundamental, o processamento. “De nada adianta ter um material com propriedades fantásticas que não pode ser processado ou incorporado em determinados produtos ou sistemas, para que essas propriedades sejam de fato úteis”, completa o pesquisador da UFPR.

Para o ovo, sugiro servir sobre um bom pão torrado –a versão oferecida a Sara– ou como ponto alto de uma tigela com molho de tomates e espinafre refogado.

 

 

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