Sínteses https://sinteses.blogfolha.uol.com.br Da Idade da Pedra à 'febre do grafeno', um blog sobre tudo aquilo de que o mundo é feito Sun, 21 Mar 2021 19:10:18 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Nanobastões de ouro podem ajudar diagnóstico de doenças como Alzheimer https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2021/02/25/nanobastoes-de-ouro-podem-ajudar-diagnostico-de-doencas-como-alzheimer/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2021/02/25/nanobastoes-de-ouro-podem-ajudar-diagnostico-de-doencas-como-alzheimer/#respond Thu, 25 Feb 2021 19:31:36 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2021/02/nanobastoes-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=166 Nanobastões de ouro são um material conhecido, com propriedades ópticas úteis à aplicação no tratamento de doenças como alguns tipos de câncer, na chamada terapia fotodinâmica. Cientistas do Brasil, Estados Unidos e China mostraram que, combinadas a moléculas análogas a proteínas existentes no nosso corpo, essas nanoestruturas podem ajudar ainda mais a compreender, diagnosticar e buscar novos tratamentos para uma variedade importante de doenças.

Os pesquisadores combinaram os nanobastões a peptídeos sintéticos –pequenas proteínas, identificados pela sigla hIAPP– muito semelhantes a peptídeos presentes no corpo humano saudável mas que, alterados, estão na origem de condições tão diversas quanto câncer de pâncreas, diabetes tipo 2, Alzheimer e Parkinson. A alteração se dá pela mudança na conformação dessas moléculas e sua consequente agregação, formando as chamadas placas amiloides que, em pessoas com Alzheimer ou Parkinson, impedem o bom funcionamento de neurônios, por exemplo.

Em humanos e, também, em modelos animais usados nos testes para desenvolvimento de novas drogas, a formação dessas placas pode levar meses ou anos. A interação entre os nanobastões de ouro e os peptídeos acelerou este processo, agora mimetizado no laboratório em poucas horas. Com isso, fica mais rápido também testar quais drogas podem inibir a formação das placas e, assim, potencialmente serem úteis no tratamento das doenças.

Outro resultado foi a identificação de que a interação com os peptídeos modifica a forma como o material absorve e emite luz, levando a uma propriedade chamada dicroísmo, que é a capacidade de interagir com uma forma especial de luz, circularmente polarizada. O peptídeo sintético tem afinidade com os peptídeos presentes no nosso corpo, e a interação com a luz é diferente dependendo se o material sintetizado encontra peptídeos isolados (com estrutura de hélice), típicos de um tecido saudável, ou moléculas agregadas na forma de fibras ou placas (cuja estrutura é chamada de folha plana, associada ao desenvolvimento das doenças).

“O estudo mostrou a possibilidade de identificar justamente se os peptídeos estão na forma de hélice ou folha plana, e isto abre a perspectiva de um diagnóstico precoce, antes da doença se instalar, inclusive porque a detecção se dá também em concentrações muito baixas”, explica André Farias de Moura, professor do Departamento de Química da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) responsável pela parte brasileira da pesquisa. Outras vantagens, explica o pesquisador, são que a luz emitida é tão intensa que pode ser medida por um equipamento tão simples quanto a câmera de um telefone celular e, também, que as nanoestruturas sintetizadas interagem com a luz na região do infravermelho, o que permite observar o que acontece dentro de tecidos ou, até mesmo, dos organismos, com o mínimo de interferência de outras moléculas.

“O artigo mostra que poderemos desenvolver plataformas de busca e triagem de novas drogas não apenas com velocidade maior, mas também mais precisas, pela possibilidade de estudo diretamente nos tecidos afetados, e não em culturas de células em tubos de ensaio, por exemplo”, explica Moura.

Ele também situa que o modelo de síntese do material desenvolvido poderá servir a aplicações em cenários sequer imaginados neste momento. “É como as vacinas contra o novo coronavírus. Se a ciência básica desenvolvida muito antes de imaginarmos a ocorrência da pandemia não estivesse pronta para ser rapidamente adaptada, não chegaríamos às vacinas em menos de um ano”, compara. “No caso da nossa plataforma, se pudermos modificá-la para detectar não o peptídeo, mas as proteínas spike ou anticorpos contra o Sars-CoV-2, por exemplo, é possível testar novos fármacos, acelerar e aumentar a precisão de diagnósticos e, inclusive, inativar o vírus”, prevê.

O artigo com os resultados da pesquisa, intitulado “Enhancement of optical asymmetry in supramolecular chiroplasmonic assemblies with long-range order”, foi publicado hoje na Science. A pesquisa teve financiamento, no Brasil, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), além de utilizar os recursos do supercomputador Santos Dumont. Os parceiros nos outros países são da Universidade de Michigan, nos EUA, e da Universidade Jilin, na China.

Confira vídeo em que André de Moura apresenta seu trabalho.

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Nanopartícula imita ambiente natural de formação dos ossos https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2021/01/14/nanoparticula-imita-ambiente-natural-de-formacao-dos-ossos/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2021/01/14/nanoparticula-imita-ambiente-natural-de-formacao-dos-ossos/#respond Thu, 14 Jan 2021 19:33:59 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2021/01/mev_ro-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=163 Materiais cerâmicos a base de fosfato de cálcio (CaP) são muito pesquisados para reparo e regeneração do tecido ósseo, com aplicações em fraturas e perda óssea provocada, por exemplo, por cirurgias para retirada de tumores ou doença, como a osteoporose. Hoje, as cerâmicas sintéticas comercialmente disponíveis têm desempenho aquém do tecido natural extraído do próprio paciente ou proveniente de bancos de tecidos.

Por isso, a busca é por reproduzir sinteticamente composição, estrutura e, assim, função biológica dos materiais responsáveis pela construção e regeneração óssea no corpo humano e outros organismos vivos. Pesquisadores do Laboratório de Físico-Química de Superfícies e Coloides do campus de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP) acabam de obter resultados importantes neste sentido, com a síntese de nanopartículas de fosfato de cálcio e estrôncio semelhantes a estruturas existentes no nosso corpo.

A concha de um molusco, como o vôngole ou a vieira, e o giz escolar são feitos do mesmo material, o mineral carbonato de cálcio (CaCO3). No entanto, como todos sabemos, é fácil transformar o giz em pó com apenas uma mão, enquanto as conchas são conhecidas pela sua resistência mecânica.

A responsável por essa diferença é a biomineralização, processo pelo qual organismos vivos produzem minerais a partir de elementos químicos retirados do meio, na presença de macromoléculas orgânicas. Assim também são construídos nossos ossos e dentes, e falhas neste processo, por sua vez, acarretam a osteoporose.

“O que diferencia a biomineralização é o fato de ser um processo extremamente regulado. Nossos ossos crescem em locais controlados por uma matriz, não em qualquer lugar”, registra Camila Bussola Tovani, integrante do grupo da USP. “O processo encanta cientistas, por ser quimicamente simples, mas resultar em estruturas sofisticadas cuja complexidade o ser humano ainda não consegue reproduzir no laboratório”, compartilha.

“A parte inorgânica dos nossos ossos é formada pelo mineral apatita, um fosfato de cálcio que nós conseguimos produzir na bancada do laboratório, como hidroxiapatita. No entanto, a apatita biomineralizada no corpo humano a partir de matriz orgânica de colágeno apresenta propriedades muito diferentes, especialmente a resistência mecânica”, complementa Ana Paula Ramos, que orientou a pesquisa de doutorado de Tovani.

Para produzir as nanopartículas, as pesquisadoras buscaram inspiração justamente nas condições naturais de produção dos nossos ossos e dentes.

Processos de regeneração óssea acontecem o tempo todo no nosso corpo. Neles, a unidade básica, uma espécie de molde no qual acontece a biomineralização, é a fibrila de colágeno, matriz orgânica cilíndrica onde a formação dos cristais de fosfato de cálcio se dá em espaço confinado e, assim, resulta em estruturas com forma e tamanho controlados e bem definidos.

Para imitar este molde cilíndrico, foi usada uma membrana polimérica disponível comercialmente, de policarbonato, com poros com dimensões uniformes de cerca de 200 nanômetros de diâmetro, tamanho semelhante ao das fibrilas. A membrana foi mergulhada em uma solução contendo fosfato, cálcio e estrôncio, elemento com ação conhecida na regeneração e no controle de perdas de tecido ósseo.

Depois da solução penetrar nos poros da membrana, é realizada a secagem, na presença de compostos que desencadeiam a mineralização. Em seguida, o policarbonato é dissolvido, restando as nanopartículas cilíndricas de fosfato de cálcio e estrôncio.

Na análise dessas nanopartículas no laboratório, em cultura de osteoblastos (células responsáveis pela formação do tecido ósseo), o grupo de pesquisa verificou sua atividade na regeneração do tecido. “Além de ser estruturalmente e morfologicamente semelhante à matriz óssea original, o material entrega localmente os íons de estrôncio reguladores da atividade de células importantes no processo de formação óssea”, explica Ramos.

As células mencionadas são os osteoclastos, responsáveis pela reabsorção de tecido ósseo, cuja atividade é aumentada em pessoas com osteoporose. A combinação do fosfato de cálcio mineralizado por rota que mimetiza o processo natural aos íons de estrôncio levou, assim, à combinação entre as capacidades de induzir a biomineralização e de controlar a atividade dos osteoclastos, que provocam a perda de densidade do tecido ósseo pela sua reabsorção.

As pesquisadoras contam que os próximos passos são testes com as nanopartículas aplicadas em matrizes poliméricas utilizadas no reparo de defeitos maiores e, também, adicionadas a cremes dentais, para tratamento da hipersensibilidade dentinária. “A partícula como está, como pó compactado, já poderia ser aplicada no reparo de pequenos defeitos, como, por exemplo, em um implante ortodôntico. As matrizes de outros materiais são usadas em enxertos onde há exigência de sustentação, como na tíbia, por exemplo”, explica Ramos.

Outro desafio é o estabelecimento de parcerias para os estudos em modelos animais e, posteriormente, em humanos. “Ciência não se faz sozinho. Nós somos físico-químicas, e não conseguiríamos aplicar as nanopartículas que produzimos na regeneração óssea se não trabalhássemos em colaboração com colegas bioquímicos, médicos, farmacêuticos”, destaca a professora da USP. “Além disso, o impacto dos resultados obtidos evidencia a importância de investimentos na internacionalização da pesquisa brasileira, pois eles só foram possíveis devido às parcerias que estabelecemos com instituições na França”, conclui, registrando que Tovani fez estágio na Universidade Sorbonne durante o doutorado, onde agora atua como pesquisadora de pós-doutorado.

Imagem de microscopia eletrônica das nanopartículas sintetizadas pelo grupo de pesquisa

Imagem de microscopia eletrônica das nanopartículas sintetizadas pelo grupo de pesquisa. Sobre um fundo preto, as nanopartículas, que aparecem acinzentadas, formam uma espécie de trama com as fibras dispostas na horizontal.

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Forte como um ouriço https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/02/13/forte-como-um-ourico/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/02/13/forte-como-um-ourico/#respond Thu, 13 Feb 2020 11:00:42 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/02/ourico-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=66 Você já viu a casca da castanha do Pará?

Não o invólucro marrom de três faces que envolve cada castanha, em formato de esfiha (ou alguém me ajuda com uma analogia melhor?).

Muito menos os restos de película escura que sobram nas castanhas, alimento tão brasileiro e, ao mesmo tempo, pouco familiar na sua aparência original.

Alguém conhece o ouriço, fruto esférico da castanheira, que abriga uma ou duas dezenas de sementes (as castanhas), não se quebra na queda de árvores que podem chegar aos 50 metros de altura e, normalmente, é rompido pelos dentes de um único animal, a cotia?

Marília Sonego não o conhecia. Até que um tio trouxe um exemplar para casa, de Porto Velho, e, com o pai da pesquisadora, embarcou em uma saga para serrá-lo em duas partes com vistas à produção de um cinzeiro. “Eu estava no mestrado, buscando um tema para a minha pesquisa de doutorado, já com interesse em materiais biológicos. Fiquei intrigada com toda aquela dificuldade para abrir o ouriço”, conta a hoje quase doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência e Engenharia de Materiais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com defesa da tese marcada para o próximo mês de março.

Quatro anos depois, Marília Sonego tem grande chance de ser a maior conhecedora do mesocarpo do fruto da castanheira em todo o mundo. Seu doutorado buscou, primeiramente, caracterizar a camada responsável pela notável resistência mecânica do ouriço –o tal mesocarpo, situado entre uma camada mais externa que apodrece no amadurecimento e um endocarpo muito fino para sustentar qualquer coisa. Geralmente, este é um trabalho realizado por especialistas na área da botânica, mas, como não achou a descrição na literatura já existente, a engenheira de materiais arregaçou as próprias mangas.

Além disso, o trabalho buscou estratégias para utilizar as estruturas encontradas em novos materiais, em um processo conhecido como bioinspiração ou biomimetismo. “Na natureza, os materiais estão sujeitos às mesmas leis e enfrentam os mesmos problemas que nós no laboratório, na indústria, na arquitetura… Enfrentam, por exemplo, a gravidade, o atrito, a degradação pela luz do sol… A diferença é que a natureza teve bilhões de anos para ir encontrando as soluções, por tentativa e erro, e entender as estratégias que ela desenvolveu pode ajudar muito”, situa a pesquisadora.

No esforço de caracterização do ouriço, Sonego utilizou equipamentos de microscopia e tomografia e, também, experimentos para verificar a composição química e ensaios mecânicos para mensurar a performance do mesocarpo sob compressão e tração e outras propriedades relacionadas à tenacidade do material. Em compressão, o ouriço da castanha do Pará se mostrou mais difícil de quebrar que as cascas de todas as outras castanhas estudadas, dentre as quais a macadâmia, segunda colocada; amêndoas, avelãs e nozes.

Já os exames de imagem e análises químicas revelaram detalhes da estrutura do ouriço em diferentes níveis: do macroscópico ao molecular, passando pelo celular (microscópico) e pelo chamado nível fibrilar (nanoscópico). Foi no nível celular que Sonego encontrou a inspiração central para o material proposto ao final da pesquisa. “Todas as escalas têm as suas estratégias, que se conectam, e é essa organização hierárquica que explica como componentes relativamente fracos podem resultar em um sistema com propriedades excepcionais. Mas esta é uma complexidade difícil de reproduzir artificialmente, e eu precisei fazer escolhas”, revela a pesquisadora.

Os principais resultados encontrados podem ser resumidos em duas características. Uma é a combinação entre dois tipos de células presentes, as fibras, alongadas, e as esclereides, esféricas, ambas ocas e com grossas paredes celulares. A outra é o posicionamento das fibras em três camadas com orientações distintas, como um sanduíche com duas camadas na vertical e uma camada central na horizontal.

A combinação de fibras e esclereides pode ser comparada a uma treliça (formada pelas fibras) com espaços preenchidos por espuma (as esclereides ocas). Esta é uma estratégia que permite a presença de material mais resistente onde é necessário suportar maior carga, com o restante preenchido por elementos menos densos, o que reduz o peso final da estrutura.

Além disso, essa organização sugere um mecanismo dificultador da propagação de trincas análogo ao que vemos em paredes de tijolo aparente. Nelas, o posicionamento dos tijolos em fileiras deslocadas faz com que a trinca tenda a desviar dos tijolos, que exigem maior energia para serem quebrados. Assim, a trinca percorre um caminho mais longo, o que retarda a fratura. No ouriço, a trinca evitaria quebrar a parede celular de fibras e esclereides, se propagando pelas interfaces entre elas.

Já o posicionamento das fibras em diferentes orientações resulta em um efeito oposto ao que observamos em uma casca de banana. Na banana, as fibras estão posicionadas em um só sentido, de uma ponta a outra (longitudinal), o que dificulta o rompimento ao redor da fruta (latitudinal), mas permite que a descasquemos com facilidade, puxando a casca no sentido das fibras. No ouriço, como há fibras em todas as direções, há resistência em todas elas.

Considerando essas características, a pesquisadora propôs um material organizado em várias camadas de fibras de um polímero (PLA) reforçado por fibra de carbono. Essas camadas foram produzidas por impressão 3D, para chegar às diferentes orientações das fibras, verticais e horizontais. Os espaços entre as fibras foram preenchidos por uma espuma com esferas de vidro ocas imitando as esclereides, e todo o conjunto foi ligado com o uso de uma resina (epóxi).

O material resultante também foi submetido a testes para verificar seu desempenho mecânico, o que mostrou alguns bons resultados e evidenciou aprimoramentos necessários, como mudanças na quantidade e tamanho das bolinhas e a redução da diversidade de materiais aplicados.

“A etapa de caracterização foi longa. No primeiro ano inteiro, por exemplo, eu fiquei estudando biologia! Só cheguei à etapa de proposição do compósito no último ano, e minhas expectativas eram baixas devido à alta complexidade do ouriço. Mas obtivemos alguns bons resultados, e agora sei quais são os próximos passos a seguir. Eu só usei materiais comerciais, por exemplo, e uma possibilidade é desenvolver esses materiais aqui na universidade”, registra a pesquisadora.

A pesquisa de Sonego foi realizada em parceria com Luiz Antonio Pessan, seu orientador no doutorado, professor no Departamento de Engenharia de Materiais da UFSCar, e com Claudia Fleck, pesquisadora da Technische Universität Berlin, na Alemanha, onde a brasileira realizou alguns dos experimentos. O estudo recebeu financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

As diferentes etapas envolveram também outras colaborações, no Brasil e na Alemanha. Parte dos resultados já foram publicados em julho do ano passado na revista especializada Bioinspiration & Biomimetics, e um segundo artigo está aceito e deve sair em breve na Scientific Reports, do grupo Nature. O trabalho também foi apresentado em congressos na Alemanha, Austrália e no Canadá, além do Brasil.

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Entenda por que um robô que transpira é mais que mera curiosidade https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/02/04/entenda-por-que-um-robo-que-transpira-e-mais-que-mera-curiosidade/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/02/04/entenda-por-que-um-robo-que-transpira-e-mais-que-mera-curiosidade/#respond Tue, 04 Feb 2020 14:30:11 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/02/gotas-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=53 A Science publicou há alguns dias o vídeo de um robô capaz de algo inusitado: transpirar. A produção divulga artigo de pesquisa publicado em 29 de janeiro na Science Robotics, revista especializada do mesmo grupo, o que indica a existência de alguma importância no suor robótico.

A máquina em questão, uma garra para segurar e manipular objetos, é um exemplar do que vem sendo chamado de robótica soft, ou flexível. O objetivo é produzir robôs com materiais macios, para ambientes e usos em que os rígidos não são viáveis. Dentre essas aplicações destaca-se a interação com sistemas biológicos, incluindo o corpo humano, já que esses materiais são especialmente adequados à interação com tecidos vivos, sem danificá-los.

Um dos desafios no desenvolvimento dessa nova geração de autômatos é a sua refrigeração. O resfriamento é necessário não apenas durante o uso em ambientes extremos, com altas temperaturas, por exemplo, mas porque a própria operação esquenta os dispositivos, tornando-os menos precisos e confiáveis.

Como é comum na robótica soft, a inspiração para resolver o problema veio da natureza. Os pesquisadores –da Universidade Cornell e outras instituições estadunidenses– buscaram reproduzir o mecanismo de resfriamento evaporativo dos humanos e outros mamíferos. Para baixar nossa temperatura corporal, suamos, e a evaporação do suor promove a queda de temperatura na superfície em que acontece –nossa pele, no caso. E é isto que acontece no robô, produzido a partir de hidrogel, impressão 3D e muita criatividade.

A impressão 3D permitiu fabricar estruturas com grande precisão, como o formato plissado de cada dedo da garra, que aumenta a amplitude de movimento; o canal embutido por onde flui a água que, ao mesmo tempo, controla o movimento do robô e é o líquido a ser evaporado; e texturas que ampliam a área de superfície do dispositivo e, assim, a taxa de evaporação.

Já o hidrogel, além de ser o material macio e flexível que se conforma a superfícies delicadas sem aplicar grande tensão sobre elas, é o que permite a transpiração autônoma e controlada. Neste caso, ele configura um material inteligente (smart material), sendo ao mesmo tempo um sensor (de temperatura), um atuador (responsável pelo movimento) e o promotor da termorregulação do dispositivo.

De fato, foram dois os materiais utilizados, com respostas opostas à variação de temperatura.

O corpo de cada dedo da garra, onde está o canal com água pressurizada, é feito de um hidrogel que perde água quando aquecido, encolhendo e enrijecendo. Na superfície, um outro hidrogel tem o comportamento inverso, absorvendo água em temperaturas elevadas. Essa absorção faz com que o material inche, e que microporos inseridos em sua estrutura se expandam e abram, permitindo a saída da água para a superfície do robô, a evaporação e o consequente resfriamento. A combinação de enrijecimento e relaxamento, por sua vez, faz com que o dedo mantenha sua forma e, assim, a função de manipular objetos.

Segundo os pesquisadores, a cópia superou o modelo: a capacidade de resfriamento do dispositivo é 300% superior àquela encontrada em sistemas biológicos. Com água originalmente a 70ºC, a queda foi de 21ºC em apenas 30 segundos!

Embora ainda existam ajustes a serem feitos, os autores do artigo já vislumbram outras aplicações para a capacidade de termorregulação e liberação seletiva de líquidos, como a adição de outras substâncias à água, que seriam liberadas junto com ela pelo aquecimento.

Confira no vídeo da Science o robô em ação.

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De piscina de íons a bebedouro de bactérias, o potencial do hidrogel https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/01/23/de-piscina-de-ions-a-bebedouro-de-bacterias-o-potencial-do-hidrogel/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/01/23/de-piscina-de-ions-a-bebedouro-de-bacterias-o-potencial-do-hidrogel/#respond Thu, 23 Jan 2020 21:52:07 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/sensor-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=43 Hidrogel é um termo relativamente conhecido quando designa o produto usado em intervenções para aumento de coxas e nádegas. Infelizmente, a fama vem principalmente das complicações, que já resultaram inclusive na morte de pacientes. Também é um hidrogel o responsável pelo poder absorvente das fraldas descartáveis, e são feitas de hidrogel as bolinhas usadas para manter vasos sempre com água. Outro hidrogel familiar é a gelatina.

Além desses usos mais comuns, esta classe de materiais tem um campo de aplicações na fronteira do conhecimento que vai de pele artificial a tijolo, como ilustram pesquisas divulgadas recentemente.

Hidrogéis são redes tridimensionais de polímeros –naturais ou sintéticos– capazes de reter grande quantidade de água em sua estrutura. Outra característica importante é a elasticidade desses compostos.

Uma das novas aplicações, desenvolvida no Canadá, é um sensor que, grudado à pele, transforma estímulos mecânicos, como tensão e deformação, e outros sinais, como umidade, em sinais elétricos. O dispositivo foi batizado de AISkin (de pele iônica artificial em inglês), e os primeiros resultados foram publicados na revista Materials Horizons.

A previsão é que o sensor possa incrementar tecnologias vestíveis em áreas diversas. No artigo, os cientistas relatam testes bem-sucedidos com a detecção do movimento de um dedo da mão, o que poderia ajudar, na área da saúde, o acompanhamento de processos de reabilitação, por exemplo. Outro teste foi feito com um touch pad (painel sensível ao toque) grudado à mão de uma pessoa, no qual foi possível controlar ações em um jogo eletrônico no computador.

A inspiração para o novo sensor veio diretamente da pele humana, uma rede polimérica com presença de uma variedade de sensores neurais. Esses sensores transformam os estímulos recebidos –como um aperto de mão ou a aproximação do fogo– em sinais elétricos pelo transporte de íons (átomos eletricamente carregados, positiva ou negativamente, por terem perdido ou ganhado elétrons). Essa capacidade é chamada de transdução –a transformação de estímulo ou sinal de um tipo em outro.

As peles artificiais mais comuns são eletrônicas, fazendo essa transmissão de informações com base em elétrons, e não íons. Isto, segundo os criadores da AISkin, resulta em uma lacuna entre a pele humana e a alternativa artificial, e é para diminuir essa distância que o novo dispositivo foi pensado. Nele, o meio aquoso do hidrogel é que garante a movimentação dos íons entre duas camadas, uma com carga negativa e outra positiva, e consequentemente viabiliza a transdução dos estímulos recebidos em sinais elétricos.

Neste primeiro caso, portanto, o hidrogel é a estrutura que sustenta um sistema complexo junto à nossa pele. Em uma segunda aplicação, também divulgada nos últimos dias, ele hidrata e alimenta bactérias responsáveis pela produção de tijolos de concreto!

A pesquisa foi realizada na University of Colorado Boulder, Estados Unidos, e publicada na revista Matter. Os cientistas colocaram em um molde areia e bactérias que, após um processo chamado de biomineralização, resultaram em um cimento vivo.

Molde preenchido com areia, bactérias e hidrogel
Molde preenchido com areia, bactérias e hidrogel (Crédito: College of Engineering and Applied Science at University of Colorado Boulder)

O material é mais sustentável que o concreto convencional, cuja produção emite gases de efeito estufa (CO2). Além disso, ele tem potencial de aplicação em materiais inteligentes, que detectem, por exemplo, níveis de toxinas no ambiente.

Na biomineralização, carbonato de cálcio (CaCO3) é precipitado pelas bactérias, conferindo ao material maior resistência à fratura. É um processo análogo ao que acontece na produção das conchas dos moluscos, dentre outros seres vivos que produzem minerais. Para a fabricação de concreto, também está na mistura o hidrogel, que fornece a água e os nutrientes necessários à manutenção da vida das bactérias.

Dentre possíveis desenvolvimentos para o novo material, os pesquisadores propõem o uso em ambientes com recursos limitados e, até mesmo, em outro planeta: Marte, para onde poderia ser necessário transportar apenas as bactérias. E hidrogel.

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