Sínteses https://sinteses.blogfolha.uol.com.br Da Idade da Pedra à 'febre do grafeno', um blog sobre tudo aquilo de que o mundo é feito Sun, 21 Mar 2021 19:10:18 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Na twistrônica, Brasil enxerga além https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2021/03/10/na-twistronica-brasil-enxerga-alem/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2021/03/10/na-twistronica-brasil-enxerga-alem/#respond Wed, 10 Mar 2021 14:32:29 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/rede_capa-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=169 O grafeno é pop. Devida ou indevidamente alardeado, é de fato imenso o potencial tecnológico do material, por propriedades como leveza, flexibilidade, dureza e capacidade de conduzir eletricidade.

Apesar de toda a agitação, o grafeno nada mais é que uma camada extremamente fina de grafite, com apenas um átomo de espessura. Isolado e caracterizado em detalhes pela primeira vez em 2004, suas propriedades levaram a uma onda de estudos em todo o mundo, incluindo outros materiais bidimensionais e lamelares.

“Materiais com estrutura lamelar como a do grafeno são vários na natureza. A pedra-sabão, das esculturas de Aleijadinho, tem estrutura lamelar, por exemplo. Eles aparecem para nós como tridimensionais porque estão empilhados, como o grafeno no grafite. Quando escrevemos com um lápis, desfolhamos o grafite, marcando nosso papel com grafeno”, explica Ado Jório, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Jório lidera o grupo de pesquisa cujo trabalho com grafeno ocupou, em 17 de fevereiro, um dos lugares mais disputados pela ciência mundial: a capa da revista Nature. A propriedade investigada pelo grupo foi a supercondutividade que aparece quando duas folhas de grafeno são empilhadas e uma delas é rodada em um ângulo de exatamente 1,1 grau.

Para entender o trabalho do grupo brasileiro, façamos uma experiência simples. Coloque as mãos uma sobre a outra, palma com palma. Agora, gire a mão direita ligeiramente, deslizando-a sobre a mão esquerda.

Com as nossas mãos, nada acontece, exceto o deslocamento dos dedos de uma mão em relação aos da outra, visualmente. Porém, quando cientistas fazem a mesma coisa com duas folhas de grafeno, um mundo de novas possibilidades passa a existir.

O grafeno é uma folha plana em que os átomos de carbono estão organizados em rede, em uma estrutura hexagonal. É esta estrutura cristalina – e, consequentemente, as estruturas eletrônica e vibracional – que conferem ao material suas propriedades únicas.

“A estrutura eletrônica e a estrutura vibracional, juntas, definem quase todas as propriedades dos materiais”, situa Jório. “Por que, em um óculos, a luz passa pela lente, mas não pela haste? Por que a blusa que você está usando é maleável, mas a armação do óculos é rígida? Por que a tela do seu celular é sensível ao toque?”, questiona o pesquisador. “A resposta a todas essas questões está na estrutura eletrônica e vibracional de cada material.”

Representação da super-estrutura criada pela rotação de uma folha de grafeno sobre outra
Representação da super-estrutura criada pela rotação de uma folha de grafeno sobre outra (Crédito: Ponor, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons)

A rotação (twist, em Inglês) da bicamada de grafeno faz com que a rede vire super-rede, na qual os hexágonos menores da rede original se transformam em uma estrutura hexagonal maior (como na imagem). O fenômeno de supercondutividade que resulta desta alteração foi verificado experimentalmente em 2018, ilustrando o surgimento e o potencial de um novo campo científico e tecnológico, a twistrônica.

Ado Jório conta que o termo, twistrônica, é próprio de materiais bidimensionais. Ele explica como, em um material tridimensional – um cubo, por exemplo –, as propriedades são da estrutura no interior deste material. Assim, se juntarmos dois cubos e rodarmos um em relação ao outro, podemos alterar algo nas superfícies que estão em contato, mas não o que está mais longe, no interior. “Mas, quando pegamos um material com um átomo de espessura e encostamos em outro, a influência é muito grande, e a orientação com a qual incluímos, por exemplo, a segunda folha de grafeno, o ângulo, tem um papel fundamental”, explica.

No caso do grafeno, portanto, é a rotação em exatamente 1,1 grau que torna o material supercondutor. Embora isto tenha sido constatado em 2018, ainda não há um modelo teórico para compreender porque o fenômeno acontece, o que é fundamental para controlá-lo e, assim, um dia poder aplicá-lo tecnologicamente em dispositivos de uso cotidiano. É nesta direção, de entender o que acontece, que vem a contribuição do artigo publicado na Nature, cujos resultados só foram possíveis por causa de um equipamento desenvolvido aqui no Brasil: o nanoscópio.

Jório conta que o que explica a supercondutividade – ou seja, a existência de materiais que conduzem eletricidade sem resistência e, assim, sem perdas – é o modo como a partícula eletrônica que percorre o material se acopla com a forma como o material vibra. “O que o nanoscópio trouxe pela primeira vez foi a possibilidade de gerar imagens e caracterizações da estrutura eletrônica e da estrutura vibracional com resolução justamente na escala nanoscópica. Agora, outros pesquisadores têm os dados para desenvolver um modelo teórico para explicar a supercondutividade na bicamada de grafeno rodada, fundamentado nas propriedades eletrônicas e vibracionais que nós mostramos como são”, detalha o pesquisador.

A resolução dos microscópios não permite ver nada menor que um mícron. Assim, o ganho do nanoscópio é justamente a possibilidade de enxergar estruturas e fenômenos que acontecem na ordem dos nanômetros, ou seja, em uma escala mil vezes menor que a do mícron.

A capacidade do nanoscópio está, fundamentalmente, relacionada ao tamanho da antena que faz a análise do material estudado. “O que fizemos foi uma nanoantena com uma tecnologia específica, que nós criamos. Esta nanoantena levou a um funcionamento muito melhor que o de qualquer outro nanoscópio existente no mundo e, assim, a imagens tão informativas, tão ricas, quanto as compartilhadas no artigo”, conta o professor da UFMG.

“Por outro lado, na modelagem matemática, o desafio está no fato das estruturas na super-rede serem grandes e exigirem, por isso, muita capacidade computacional”, acrescenta Jório. “O que o nosso artigo traz de muito valioso é tanto o ganho de resolução, do ponto de vista experimental, quanto o fato dos teóricos que trabalharam conosco terem feito um modelo capaz de calcular estruturas muito grandes, o que nenhum outro existente até agora tinha capacidade de fazer.”

No entanto, apesar da importância dos resultados para a continuidade do desenvolvimento da twistrônica, não é amanhã que teremos bicamadas de grafeno conduzindo energia por aí.

“Do surgimento de uma nova proposta, que é a twistrônica, a conseguirmos dominar a produção desse tipo de material de forma robusta o suficiente para utilização em aplicações tecnológicas, ainda há muito tempo de pesquisa e muito trabalho de engenharia pela frente”, esclarece Ado Jório. “É preciso fazer o material rodar neste ângulo exato, no tamanho que você precisa, dentro do dispositivo que você quer, e de forma estável, ou seja, sem que volte à posição original. Para que esteja no nosso dia a dia, eu estimo um intervalo de 10 a 50 anos. Não sei se 10 ou 50, mas duvido que chegue em 5 anos”, revela o pesquisador. “Mas o nanoscópio é uma realidade tecnológica no presente!”, conclui.

Além do grupo da UFMG, composto por pesquisadores e estudantes de diferentes áreas, também assinam o artigo colaboradores da Universidade Federal da Bahia, do Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia) e de instituições parceiras no Japão, nos Estados Unidos e na Bélgica.

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Canudos reciclados agregam segurança e economia à produção de concreto https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/03/04/canudos-reciclados-agregam-seguranca-e-economia-a-producao-de-concreto/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/03/04/canudos-reciclados-agregam-seguranca-e-economia-a-producao-de-concreto/#respond Wed, 04 Mar 2020 17:43:27 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/03/fibras-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=87 Como milhões de outras pessoas, Rafael Salomão assistiu e se impressionou com o vídeo de biólogos retirando um canudo de plástico da narina de uma tartaruga marinha na Costa Rica. Publicadas em agosto de 2015, as imagens desencadearam um movimento mundial pelo banimento dos canudinhos e de combate à poluição plástica. Salomão pôde dar a sua contribuição à solução do problema, ao propor um uso nobre para os canudos descartados: como aditivo para diminuir riscos de explosão e promover economia de energia no processo de fabricação de concretos refratários para a indústria siderúrgica.

Como muitos certamente já viram em canteiros de obras, a preparação do concreto envolve a adição de água para homogeneização das matérias-primas e, também, para ativar a reação química que leva o cimento a unir as partículas do concreto e consolidar todo o sistema. Na indústria siderúrgica, a hidratação também permite que o concreto flua e seja moldado em formatos complexos, para revestir equipamentos que suportam temperaturas de até 1.800ºC.

Após o cimento endurecer, a água utilizada na mistura permanece na estrutura do concreto. Na siderurgia, isto gera problemas durante o aquecimento inicial do revestimento de concreto refratário, da temperatura ambiente à temperatura de uso. Na primeira etapa, chamada de secagem –com temperaturas de 100 a 200ºC–, a baixa permeabilidade do concreto impede que o vapor de água saia da estrutura, e a pressão exercida pode gerar explosões. Na construção civil, o mesmo problema aparece no caso de incêndios, em que vigas e pilastras de concreto podem explodir e, com isso, enfraquecer toda a estrutura de um edifício.

Fibras poliméricas são usadas como aditivos para acelerar o processo de secagem do concreto e evitar explosões desde o final da década de 1980. Durante o seu doutorado, realizado de 2002 a 2005 junto ao Grupo de Engenharia de Microestrutura de Materiais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Salomão pesquisou justamente os melhores materiais e parâmetros de fabricação para essas fibras. Dentre outros resultados, os pesquisadores desenvolveram um equipamento para produzir as fibras em escala de laboratório e, assim, facilitar o teste de diferentes materiais.

Uma conclusão importante foi que, quanto menor a temperatura de fusão da fibra, melhor seu desempenho no concreto. A ação do aditivo se dá pela formação de canais nos lugares onde a fibra derrete e, com o aumento ainda maior da temperatura, se decompõe, deixando espaço para a saída do vapor de água. “Quanto menor a temperatura de fusão da fibra, menor a temperatura necessária para a saída do vapor e, assim, menores a pressurização e o risco de explosão”, explica Salomão.

“Um bom paralelo com o risco de explosão caso a pressão do vapor de água não seja aliviada é uma panela de pressão. Uma panela com válvula entupida é como o concreto sem fibras: se continuar a aquecer, explode. As fibras atuam como a válvula de segurança que derrete e se abre antes da panela explodir. Se a válvula for feita de um polímero com alto ponto de fusão, a panela explodirá antes dela derreter”, compara o pesquisador.

Os materiais dos canudos plásticos apresentam propriedades que dificultam sua reciclagem e a utilização na maior parte das aplicações, o que leva à necessidade de uma destinação especial para o material descartado, junto com a redução do consumo. Foi este o desafio que levou Salomão, desde 2010 professor do Departamento de Engenharia de Materiais da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da Universidade de São Paulo (USP), a pensar em testá-los na produção de fibras para a secagem do concreto, utilizando o equipamento construído durante o seu doutorado. “Percebemos que havia uma fantástica oportunidade para gerar um duplo benefício ambiental, eliminando um resíduo do ambiente e economizando energia no processamento dos concretos”, relata o pesquisador.

Obter fibras com a resistência mecânica e o diâmetro necessários foi o maior desafio, durante os experimentos que aconteceram entre 2018 e 2019. A dificuldade vem justamente da degradação térmica que os canudos sofrem durante a reciclagem, que dificulta os processos de fiação e estiramento das fibras.

Mas os resultados não poderiam ser melhores: as fibras de material reciclado apresentaram desempenho significativamente superior às convencionais, derretendo a 140ºC, quando as demais fundem ao atingir 170ºC. Além disso, uma das propriedades que caracteriza o material dos canudos como inferior –o chamado índice de fluidez, MFI, do inglês “melting flow index”–, por ser menos rígido e resistente, nesta aplicação faz com que as fibras fundidas resultem em um líquido pouco viscoso e, assim, facilmente deformado pelo vapor pressurizado em seu caminho até a superfície do concreto. “O que, na enorme maioria dos casos, é uma desvantagem, nesta aplicação é uma importante vantagem técnica”, destaca Salomão.

Devido ao tamanho elevado das peças de concreto refratário utilizadas na indústria siderúrgica, o aquecimento inicial leva alguns dias, em que se queima combustível sem produzir aço. Com o baixo ponto de fusão das fibras de material reciclado e consequente saída de vapor em temperaturas mais baixas, o processo torna-se, além de mais seguro, mais rápido e, assim, mais econômico.

Os resultados da pesquisa acabam de ser publicados no periódico científico Ceramics International, em artigo assinado também por Victor Carlos Pandolfelli, professor no Departamento de Engenharia de Materiais da UFSCar e orientador de Salomão no doutorado. Apesar das fibras terem sido testadas apenas em concretos refratários, os resultados obtidos indicam a possibilidade de uso na construção civil. Assim, a quantidade de fibras necessária seria suficiente para empregar o volume total de canudos consumido mundialmente a cada ano e, segundo os autores, outros tipos de polímero também poderiam ser reciclados para essa aplicação.

Para o futuro, Rafael Salomão conta que as fibras serão testadas em outros tipos de concretos refratários e em combinação com outros aditivos de secagem. Há também planos para testar os efeitos antes do aquecimento, para checar se as fibras contribuem para o aumento da resistência do concreto ao impacto e à fratura. No entanto, há desafios anteriores a serem superados. “Como em qualquer processo baseado em reciclagem de materiais, o grande desafio é a coleta seletiva dos canudos e seu tratamento para evitar a contaminação com outros tipos de polímeros, que pode inviabilizar o reprocessamento”, registra o pesquisador.

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Inteligência artificial promete futuro com materiais sob medida https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/02/26/inteligencia-artificial-promete-futuro-com-materiais-sob-medida/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/02/26/inteligencia-artificial-promete-futuro-com-materiais-sob-medida/#respond Wed, 26 Feb 2020 22:56:19 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/02/hal9000-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=79 O ser humano sempre procurou materiais que pudessem satisfazer seus desejos e necessidades, mas a forma como essa busca se dá mudou ao longo do tempo.

Nas idades pré-históricas identificadas com diferentes materiais (pedra, bronze, ferro), partia-se de propriedades evidentes desses materiais –a dureza, por exemplo– para o uso em aplicações como caça e guerra.

Depois, e até muito recentemente, passamos a criar novos materiais por um processo empírico de tentativa e erro, ainda que informado pelo conhecimento experimental e teórico acumulado e, depois, também por simulações computacionais. Esses novos materiais, sintetizados com participação significativa do acaso –tanta que o processo é apelidado por pesquisadores de “tente e tenha sorte”–, são então caracterizados para conhecimento profundo de suas propriedades e, a partir desse conhecimento, sugestão de novas aplicações.

Agora, o que a ciência de dados e a inteligência artificial prometem é o processo inverso, em que imaginamos uma aplicação e perguntamos à máquina qual material mais provavelmente terá as propriedades necessárias.

O Materials Genome Initiative, programa do governo Obama lançado em 2011 para dobrar a velocidade e, concomitantemente, reduzir o custo da descoberta de novos materiais, é considerado um marco no desenvolvimento da área. A iniciativa destaca a existência de um intervalo que vai de 10 a 20 anos para um novo material chegar ao mercado e atribui esse tempo à dependência da intuição científica associada ao processo de tentativa e erro. Para diminui-lo, propõe, sobretudo, o investimento em ferramentas da ciência de dados.

“Os métodos de inteligência artificial são estudados desde os anos 1980. A mudança que temos agora é uma quantidade muito grande de dados disponíveis”, situa Gustavo Martini Dalpian, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) que tem usado essas ferramentas na busca de novos materiais para aplicações em energia. “Hoje, há ações envolvendo big data para quase todas as vertentes de materiais para energia. Há pessoas procurando materiais para células solares de perovskitas, para baterias de lítio mais eficientes, novos materiais termoelétricos”, exemplifica.

Em 2019, Dalpian e o estudante de doutorado Douglas José Baquião Ribeiro publicaram artigo relatando a busca por materiais para as chamadas células solares de banda intermediária, que prometem eficiência superior às células fotovoltaicas convencionais. Com o apoio da técnica de screening, os pesquisadores partiram de um conjunto de quase 50 mil possibilidades para chegar em uma lista com apenas três materiais.

“Os bancos disponibilizam volumes imensos de informações sobre propriedades de materiais já sintetizados e hipotéticos. Se queremos, por exemplo, encontrar um material com dureza próxima à do diamante, a ideia é procurar nos bancos de dados aqueles que possuem um módulo de compressibilidade volumétrica grande, e estes potencialmente serão bons candidatos. O desafio passa a ser, portanto, definir quais propriedades precisam ser buscadas, as quais chamamos de descritores”, explica Dalpian.

O que o screening e outros métodos permitem, portanto, é o melhor aproveitamento de dados acumulados sobre materiais, resultantes de décadas de trabalho experimental e simulações computacionais. Esses dados tornam possível prever propriedades de novos materiais, com o uso de técnicas de inteligência artificial. Dentre essas técnicas, destaca-se a aprendizagem de máquina (machine learning), cujos algoritmos são capazes de identificar correlações complexas entre composição, estrutura e propriedades dos materiais, muito difíceis de serem detectadas pelos métodos tradicionais. Com isso, detectam padrões e aprendem tendências mesmo sem compreender os mecanismos físicos por trás de um determinado resultado.

Universo inexplorado

A revista Science, em nota sobre o tema publicada recentemente, registra que pode chegar à casa dos bilhões o número de materiais ainda desconhecidos. Destes, a grande maioria é irrelevante, o que transforma a procura por materiais de interesse, nas palavras do periódico, em uma busca por agulhas no palheiro.

Os vidros são uma classe de materiais que ilustra bem este desafio. Das 1052 composições vítreas estimadas como possíveis –a partir de combinações entre os elementos da tabela periódica–, apenas 105 vidros já foram sintetizados. Este universo inexplorado traz grandes oportunidades e, vislumbrando esse potencial, Edgar Dutra Zanotto, professor do Departamento de Engenharia de Materiais (DEMa) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Diretor do Centro de Pesquisa, Tecnologia e Educação em Materiais Vítreos (Certev), iniciou há pouco mais de dois anos o trabalho com ferramentas de ciência de dados. Para tanto, buscou a parceria de André Carlos Ponce de Leon Ferreira de Carvalho, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da Universidade de São Paulo (USP).

Em um primeiro artigo, publicado em outubro de 2018, os pesquisadores treinaram um algoritmo para previsão de uma propriedade fundamental na produção de vidros, a temperatura de transição vítrea (Tg). O treinamento foi realizado a partir de dados com a Tg de 55.000 composições vítreas.

Agora, o grupo acaba de publicar um segundo artigo que compara a performance de seis algoritmos diferentes na previsão da mesma propriedade e, para os próximos meses, está previsto o primeiro trabalho que insere outras propriedades nos cálculos realizados. A meta é chegar em softwares de design inverso de vidros, ou seja, nos quais são inseridas as propriedades desejadas para obter um pequeno conjunto de composições a serem testadas empiricamente.

Neste caso, além da economia de tempo e dinheiro, há o potencial de obter materiais com propriedades e aplicações exóticas. Isto porque vidros com até 10 elementos químicos em sua composição são comuns, mas acima disso é muito mais difícil experimentar sem o apoio da inteligência artificial.

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Grupo brasileiro desenvolve material para próxima geração de baterias https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/02/19/grupo-brasileiro-desenvolve-material-para-proxima-geracao-de-baterias/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/02/19/grupo-brasileiro-desenvolve-material-para-proxima-geracao-de-baterias/#respond Wed, 19 Feb 2020 11:00:56 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/02/eletrolito-300x215.jpeg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=72 Como registrado aqui em Sínteses, a revista Nature elegeu as baterias de estado sólido um dos 10 temas de pesquisa para prestar atenção em 2020. Esses dispositivos são considerados o futuro das baterias, diante das novas demandas colocadas pela transição energética para fontes renováveis e sustentáveis.

A Sociedade Brasileira de Pesquisa em Materiais (SBPMat) destacou recentemente resultados que mostram a participação da ciência brasileira nesse esforço de pesquisa e desenvolvimento. O trabalho divulgado enfrenta um dos principais obstáculos para as baterias de estado sólido: a baixa condutividade dos eletrólitos sólidos em temperatura ambiente.

Eletrólitos são o meio de propagação da corrente elétrica entre os eletrodos positivo e negativo de uma bateria, pela mobilidade de íons. Nas baterias de íons de lítio que revolucionaram o cenário dos dispositivos eletrônicos portáteis como smartphones e laptops –recebendo, inclusive, o Prêmio Nobel de Química em 2019–, o eletrólito convencionalmente é líquido ou gel. Eletrólitos sólidos trazem maior segurança, evitando vazamentos de substâncias tóxicas e explosões. Além disso, podem resultar em maiores densidade energética e durabilidade das baterias. Uma classe específica de materiais, os eletrólitos sólidos poliméricos, acrescentam leveza e flexibilidade a essas vantagens, o que viabiliza dispositivos menores e com formatos diversos.

O desafio é, portanto, desenvolver eletrólitos sólidos com todas as suas vantagens aliadas a altos valores em termos de condutividade iônica. “O material na forma líquida e em gel tem condutividade iônica, de forma geral, cerca de 20 a 30 vezes maior quando comparado ao mesmo material no seu estado sólido”, revela Flavio Leandro de Souza, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) e pesquisador também do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano).

A notícia da SBPMat conta justamente como um grupo de pesquisadores da UFABC liderados por Souza chegou a um material que bate os recordes conhecidos de condutividade iônica para eletrólitos sólidos poliméricos. A descoberta foi reportada no final de 2019 no periódico The Journal of Physical Chemistry Letters, naquele escolhido como artigo de destaque pela SBPMat em seu último boletim.

O material desenvolvido pelo grupo brasileiro é um filme transparente, leve e flexível de polietileno obtido por um método de fabricação simples, econômico e facilmente escalável para aplicação industrial. Além das vantagens já mencionadas, ele é feito com ácido cítrico e outros materiais que não apresentam riscos quando descartados. O principal avanço veio da substituição de um átomo de silício no centro da estrutura polimérica (chamado de átomo de coordenação) por um átomo de outro elemento, o germânio.

Embora o tipo de polímero tenha permanecido o mesmo, alterações na estrutura eletrônica decorrentes dessa substituição elevaram a condutividade e, também, reduziram em 50% a energia de ativação necessária para colocar os íons em movimento, o que pode reduzir o tempo para carregamento da bateria. Junto com a síntese do material, a pesquisa investiu na sua caracterização, para compreensão profunda, por exemplo, do papel do átomo de coordenação na mobilidade da cadeia polimérica e, assim, na condutividade iônica, já que a vibração da cadeia influencia o movimento dos íons pela matriz polimérica.

A existência do material, no entanto, não significa que os desafios envolvidos na produção de baterias de estado sólido estejam todos superados. Uma rápida pesquisa sobre o tema na Internet mostra que, considerando apenas janeiro deste ano, há uma quantidade muito grande de informes sobre resultados relativos a diferentes aspectos a serem equacionados, indicando a complexidade da empreitada.

No caso do grupo da UFABC, o próximo passo é a aplicação do material em diferentes tipos de dispositivos eletroquímicos, como as baterias, e eletrocrômicos, como janelas que mudam de cor pela aplicação de uma corrente elétrica. “De certa forma, o teste mais importante após qualquer desenvolvimento ou descoberta é saber se as vantagens do novo material –ou melhora em um material já existente– se estendem à sua aplicação em dispositivos. Os desafios são sempre maiores quando passamos para esta etapa”, situa Souza. “Como o material que desenvolvemos é bastante versátil e desperta interesse para diferentes aplicações, vamos buscar parceiros também para esta etapa, além de produzirmos alguns dispositivos nós mesmos”, revela.

Na área comercial, vale registrar que, de 26 a 28 de fevereiro, acontece no Japão a principal feira de baterias recarregáveis, a Battery Japan 2020, e os dispositivos de estado sólido ocupam uma parte significativa da programação.

Sínteses, como prometido, acompanhará as novidades. Enquanto isso, para saber mais detalhes do material desenvolvido pelos pesquisadores brasileiros, confira a notícia publicada no site da SBPMat. A pesquisa também foi divulgada na última edição da revista Pesquisa Fapesp.

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Forte como um ouriço https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/02/13/forte-como-um-ourico/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/02/13/forte-como-um-ourico/#respond Thu, 13 Feb 2020 11:00:42 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/02/ourico-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=66 Você já viu a casca da castanha do Pará?

Não o invólucro marrom de três faces que envolve cada castanha, em formato de esfiha (ou alguém me ajuda com uma analogia melhor?).

Muito menos os restos de película escura que sobram nas castanhas, alimento tão brasileiro e, ao mesmo tempo, pouco familiar na sua aparência original.

Alguém conhece o ouriço, fruto esférico da castanheira, que abriga uma ou duas dezenas de sementes (as castanhas), não se quebra na queda de árvores que podem chegar aos 50 metros de altura e, normalmente, é rompido pelos dentes de um único animal, a cotia?

Marília Sonego não o conhecia. Até que um tio trouxe um exemplar para casa, de Porto Velho, e, com o pai da pesquisadora, embarcou em uma saga para serrá-lo em duas partes com vistas à produção de um cinzeiro. “Eu estava no mestrado, buscando um tema para a minha pesquisa de doutorado, já com interesse em materiais biológicos. Fiquei intrigada com toda aquela dificuldade para abrir o ouriço”, conta a hoje quase doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência e Engenharia de Materiais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com defesa da tese marcada para o próximo mês de março.

Quatro anos depois, Marília Sonego tem grande chance de ser a maior conhecedora do mesocarpo do fruto da castanheira em todo o mundo. Seu doutorado buscou, primeiramente, caracterizar a camada responsável pela notável resistência mecânica do ouriço –o tal mesocarpo, situado entre uma camada mais externa que apodrece no amadurecimento e um endocarpo muito fino para sustentar qualquer coisa. Geralmente, este é um trabalho realizado por especialistas na área da botânica, mas, como não achou a descrição na literatura já existente, a engenheira de materiais arregaçou as próprias mangas.

Além disso, o trabalho buscou estratégias para utilizar as estruturas encontradas em novos materiais, em um processo conhecido como bioinspiração ou biomimetismo. “Na natureza, os materiais estão sujeitos às mesmas leis e enfrentam os mesmos problemas que nós no laboratório, na indústria, na arquitetura… Enfrentam, por exemplo, a gravidade, o atrito, a degradação pela luz do sol… A diferença é que a natureza teve bilhões de anos para ir encontrando as soluções, por tentativa e erro, e entender as estratégias que ela desenvolveu pode ajudar muito”, situa a pesquisadora.

No esforço de caracterização do ouriço, Sonego utilizou equipamentos de microscopia e tomografia e, também, experimentos para verificar a composição química e ensaios mecânicos para mensurar a performance do mesocarpo sob compressão e tração e outras propriedades relacionadas à tenacidade do material. Em compressão, o ouriço da castanha do Pará se mostrou mais difícil de quebrar que as cascas de todas as outras castanhas estudadas, dentre as quais a macadâmia, segunda colocada; amêndoas, avelãs e nozes.

Já os exames de imagem e análises químicas revelaram detalhes da estrutura do ouriço em diferentes níveis: do macroscópico ao molecular, passando pelo celular (microscópico) e pelo chamado nível fibrilar (nanoscópico). Foi no nível celular que Sonego encontrou a inspiração central para o material proposto ao final da pesquisa. “Todas as escalas têm as suas estratégias, que se conectam, e é essa organização hierárquica que explica como componentes relativamente fracos podem resultar em um sistema com propriedades excepcionais. Mas esta é uma complexidade difícil de reproduzir artificialmente, e eu precisei fazer escolhas”, revela a pesquisadora.

Os principais resultados encontrados podem ser resumidos em duas características. Uma é a combinação entre dois tipos de células presentes, as fibras, alongadas, e as esclereides, esféricas, ambas ocas e com grossas paredes celulares. A outra é o posicionamento das fibras em três camadas com orientações distintas, como um sanduíche com duas camadas na vertical e uma camada central na horizontal.

A combinação de fibras e esclereides pode ser comparada a uma treliça (formada pelas fibras) com espaços preenchidos por espuma (as esclereides ocas). Esta é uma estratégia que permite a presença de material mais resistente onde é necessário suportar maior carga, com o restante preenchido por elementos menos densos, o que reduz o peso final da estrutura.

Além disso, essa organização sugere um mecanismo dificultador da propagação de trincas análogo ao que vemos em paredes de tijolo aparente. Nelas, o posicionamento dos tijolos em fileiras deslocadas faz com que a trinca tenda a desviar dos tijolos, que exigem maior energia para serem quebrados. Assim, a trinca percorre um caminho mais longo, o que retarda a fratura. No ouriço, a trinca evitaria quebrar a parede celular de fibras e esclereides, se propagando pelas interfaces entre elas.

Já o posicionamento das fibras em diferentes orientações resulta em um efeito oposto ao que observamos em uma casca de banana. Na banana, as fibras estão posicionadas em um só sentido, de uma ponta a outra (longitudinal), o que dificulta o rompimento ao redor da fruta (latitudinal), mas permite que a descasquemos com facilidade, puxando a casca no sentido das fibras. No ouriço, como há fibras em todas as direções, há resistência em todas elas.

Considerando essas características, a pesquisadora propôs um material organizado em várias camadas de fibras de um polímero (PLA) reforçado por fibra de carbono. Essas camadas foram produzidas por impressão 3D, para chegar às diferentes orientações das fibras, verticais e horizontais. Os espaços entre as fibras foram preenchidos por uma espuma com esferas de vidro ocas imitando as esclereides, e todo o conjunto foi ligado com o uso de uma resina (epóxi).

O material resultante também foi submetido a testes para verificar seu desempenho mecânico, o que mostrou alguns bons resultados e evidenciou aprimoramentos necessários, como mudanças na quantidade e tamanho das bolinhas e a redução da diversidade de materiais aplicados.

“A etapa de caracterização foi longa. No primeiro ano inteiro, por exemplo, eu fiquei estudando biologia! Só cheguei à etapa de proposição do compósito no último ano, e minhas expectativas eram baixas devido à alta complexidade do ouriço. Mas obtivemos alguns bons resultados, e agora sei quais são os próximos passos a seguir. Eu só usei materiais comerciais, por exemplo, e uma possibilidade é desenvolver esses materiais aqui na universidade”, registra a pesquisadora.

A pesquisa de Sonego foi realizada em parceria com Luiz Antonio Pessan, seu orientador no doutorado, professor no Departamento de Engenharia de Materiais da UFSCar, e com Claudia Fleck, pesquisadora da Technische Universität Berlin, na Alemanha, onde a brasileira realizou alguns dos experimentos. O estudo recebeu financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

As diferentes etapas envolveram também outras colaborações, no Brasil e na Alemanha. Parte dos resultados já foram publicados em julho do ano passado na revista especializada Bioinspiration & Biomimetics, e um segundo artigo está aceito e deve sair em breve na Scientific Reports, do grupo Nature. O trabalho também foi apresentado em congressos na Alemanha, Austrália e no Canadá, além do Brasil.

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Jovens cientistas do Brasil destacam-se ligando teoria e experimentos https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/02/11/jovens-cientistas-do-brasil-destacam-se-ligando-teoria-e-experimentos/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/02/11/jovens-cientistas-do-brasil-destacam-se-ligando-teoria-e-experimentos/#respond Tue, 11 Feb 2020 19:25:24 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/02/holofote-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=59 Amanda Fernandes Gouveia é química, com mestrado e doutorado na área, atualmente realizando pós-doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A pesquisadora integra a equipe do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF), sediado na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Luiz Felipe Cavalcanti Pereira é físico, também mestre e doutor na mesma área,  iniciando sua trajetória como professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) depois de um período na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Em comum, os dois têm a condição de finalistas em premiação internacional na área de ciência computacional de materiais, junto com 24 outros jovens pesquisadores da China, França, Alemanha, Itália, Suíça, Reino Unido e Estados Unidos.

O Rising Stars in Computational Materials Science Prize (Prêmio Estrelas em Ascensão em Ciência Computacional de Materiais) reconhece o potencial de pesquisadores em início de carreira, até 10 anos depois de receberem o título de doutor. “Eles representam o futuro do campo, e buscamos atrair atenção internacional para seu trabalho para que possam, eventualmente, receber novos incentivos à carreira”, afirma Susan Sinnot, editora chefe do periódico Computational Materials Science, que promove a premiação.

Além da inclusão entre os finalistas, os dois pesquisadores brasileiros têm em comum a busca por novos materiais para a produção ou armazenamento de energia, ainda que por caminhos diferentes.

Amanda Gouveia, pesquisadora do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (Crédito: Divulgação)
Amanda Gouveia, pesquisadora do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (Crédito: Divulgação)

Amanda Gouveia utiliza a química teórica no estudo e modelagem de materiais chamados de fotocatalisadores, semicondutores com propriedades fotocatalíticas. Fotocatalisadores aceleram fotorreações, ou seja, reações químicas provocadas pela luz. “Eles são considerados uma tecnologia promissora para novos sistemas de armazenamento de energia, essenciais para processos que vão da purificação de água à esterilização de instrumentos cirúrgicos”, explica Gouveia.

Já as pesquisas de Pereira buscam descrever a condução de calor e eletricidade em materiais nanoestruturados, ou seja, com estrutura em dimensões nanométricas. Dentre esses materiais estão grafeno e similares, que em alguns casos têm espessura de um único átomo. Uma das potenciais aplicações é no controle da condutividade térmica de nanofitas formadas por grafeno e nitreto de boro, que podem ser utilizadas, por exemplo, na produção de energia elétrica a partir do calor dissipado em indústrias e automóveis.

Luiz Felipe Pereira, professor da UFRN
Luiz Felipe Pereira, professor do Departamento de Física da UFPE (Crédito: Arquivo pessoal)

Em ambos os casos, as simulações computacionais são ferramentas indispensáveis, que estabelecem pontes entre o conhecimento teórico e resultados experimentais.

Para entender essa relação, é importante primeiro lembrar que, na escala nanoscópica, o comportamento dos objetos não é descrito pela física clássica (newtoniana) que aprendemos na escola, mas sim pela mecânica quântica. Assim, em objetos com tamanho comparável ao dos átomos, são observados comportamentos –por exemplo, de condução de eletricidade– muito diferentes dos que vemos na escala do nosso cotidiano.

Para investigar e compreender esses comportamentos, a combinação entre estudos teóricos, analíticos, e experimentos, é imprescindível. “É possível descrever o comportamento de um átomo analiticamente –com papel e caneta– utilizando as leis da mecânica quântica de forma razoavelmente precisa, usando apenas pequenas aproximações. Para um pequeno conjunto de átomos, uma molécula, por exemplo, as equações se tornam muito complicadas e é necessário recorrer a aproximações maiores. Descrever analiticamente o comportamento quântico de um objeto, como um fio nanoscópico, por exemplo, é praticamente impossível”, explica Pereira. “Por outro lado, do ponto de vista experimental, é muito difícil construir de maneira controlada objetos que contenham apenas alguns átomos. E, mesmo quando eles podem ser construídos, não costumam ter muita utilidade no mundo real”, complementa.

No trabalho de Amanda Gouveia, examinar a atividade fotocatalítica em profundidade e aprimorar materiais para uma próxima geração de fotocatalisadores exige, justamente, resolução quase atômica (ou seja, em que é possível observar cada átomo individualmente). “Associo os resultados experimentais aos teóricos, uma vez que, nas últimas décadas, a modelagem molecular foi estabelecida como técnica valiosa para revelar conhecimentos fundamentais sobre os problemas no nível atomístico. Os estudos teóricos não só captam os efeitos geométricos e eletrônicos sobre a atividade fotocatalítica, mas também são capazes de explicar e racionalizar os dados experimentais”, conta a pesquisadora.

“Nosso objetivo é justamente construir uma ponte entre os modelos teóricos baseados nas leis fundamentais da mecânica quântica e os experimentos realizados em sistemas com milhões de átomos”, situa Pereira. “Em muitos casos, conseguimos utilizar simulações muito sofisticadas para fazer essa ponte entre modelos teóricos muito simplificados e medidas experimentais muito complexas. Isto ajuda a entender as propriedades e os fenômenos observados nos materiais estudados, o que não seria possível apenas com modelos teóricos ou experimentos”, reitera.

Os finalistas do Rising Stars, que está em sua segunda edição, são convidados a preparar artigo sobre sua pesquisa para publicação em edição especial da revista Computational Materials Science, prevista para o início de 2021. Neste momento, também serão anunciados os vencedores que, além de quantia em dinheiro, passam a integrar o conselho editorial da publicação.

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Previsões para a ciência em 2020 destacam materiais https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/01/29/previsoes-para-a-ciencia-em-2020-destacam-materiais/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/01/29/previsoes-para-a-ciencia-em-2020-destacam-materiais/#respond Wed, 29 Jan 2020 19:55:11 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/perovskita-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=48 Como nos restam alguns dias de janeiro, ainda cabe registrar que, dentre infindáveis retrospectivas e previsões na passagem do ano, a da Nature coloca em destaque a pesquisa em materiais. A revista indicou 10 tópicos nos quais prestar atenção em 2020, dois deles em materiais.

A busca por materiais supercondutores em temperatura ambiente –um sonho dos físicos, segundo a Nature– é uma das áreas com potencial de avanço significativo neste último ano da década.

A supercondutividade foi descoberta em 1911, rendendo ao holandês Heike Kamerlingh Onnes o prêmio Nobel de Física em 1913. Desde então, foram ao menos outros quatro Nobel para o fenômeno em que materiais transmitem corrente elétrica com resistência zero. No entanto, a supercondutividade só se manifesta abaixo de uma determinada temperatura crítica (Tc), específica de cada material.

Até 1986, a supercondutividade era considerada uma propriedade da matéria em baixíssimas temperaturas, e se supunha inclusive a existência de um limite natural à sua manifestação acima dos 30 graus Kelvin (-243,15ºC). Mas, naquele ano, este limite foi transposto e, desde então, a temperatura não parou de subir.

Se não estamos mais familiarizados com os supercondutores é justamente porque suas aplicações são restritas às baixíssimas temperaturas. Porém, em condições mais próximas àquelas em que vivemos, o potencial de uso cresce imensamente, com aplicações que vão da geração, transmissão e armazenamento de energia com grande eficiência à computação quântica.

Em 2018, um novo recorde foi quebrado, com o primeiro dos chamados super-hidretos, compostos com grande quantidade de hidrogênio. O pioneiro, com lantânio (LaH10), é supercondutor por volta dos -23ºC, e a busca agora é pelo super-hidreto de ítrio (YH10), cuja Tc, segundo previsões teóricas, chega aos 53ºC.

Todos esses resultados foram obtidos em condições extremas, em minúsculas quantidades e em pressão equivalente a cerca de dois milhões de vezes aquela à qual nós estamos submetidos. Mesmo assim, são superlativas as palavras usadas pelos pesquisadores para falar sobre sua busca.

Um pouco menos distante parece a aplicação de outra classe de materiais destacada pela Nature: as perovskitas.

Perovsquê?

O nome ainda soa estranho, mas devemos ouvi-lo cada vez mais no futuro próximo.

As perovskitas compreendem um conjunto de materiais com diferentes composições e um mesmo tipo de estrutura cristalina. Elas começaram a ser pesquisadas em 2009, como alternativa ao silício convencionalmente usado nos painéis fotovoltaicos. Além de mais baratas e fáceis de produzir, as perovskitas saltaram de 3,8% de eficiência na conversão de radiação solar em energia elétrica para 20% em menos de uma década, o que agitou a comunidade científica e, também, as indústrias do setor.

Restam, aqui também, alguns desafios. O primeiro é produzir células solares com perovskita em grande escala, já que os resultados obtidos em laboratório ainda não conseguem ser reproduzidos em formatos maiores. Outro obstáculo a ser superado é a presença de chumbo nas células que demonstraram maior eficiência até o momento, já que o elemento é tóxico. A estabilidade dos filmes de perovskita diante de fatores ambientais como umidade e temperatura também é uma questão importante.

Junto com a possibilidade de comercialização de painéis com perovskita, a Nature tem outra aposta na área de energia: as baterias de estado sólido, prometidas pela Toyota para julho, em lançamento de protótipo de carro elétrico previsto para acontecer nos Jogos Olímpicos de Tóquio.

As baterias de íons de lítio, criadas em 1970 —e premiadas com o Nobel de Química no ano passado–, ainda hoje figuram entre os principais dispositivos para armazenamento de energia. Mas sua capacidade precisa de um upgrade, diante das crescentes demandas não só de veículos elétricos, mas da transição para energia de fontes renováveis, como a solar, que precisa ser armazenada.

Aí também são os materiais a fronteira do desenvolvimento.

Baterias são, fundamentalmente, compostas por dois eletrodos –um configurando um polo positivo e outro o negativo– e o eletrólito –meio de propagação da corrente elétrica entre os eletrodos. Convencionalmente, o eletrólito é um meio líquido, mas eletrólitos sólidos prometem maior densidade energética (além de segurança), inclusive pela possibilidade de uso de novos materiais, mais eficientes, nos eletrodos.

Novos materiais supercondutores, células solares de perovskitas e baterias mais eficientes são todos constituintes da busca por um novo modelo energético e evidenciam, assim, a relevância da pesquisa em novos materiais no combate à emergência climática.

Dentre os 10 eventos destacados pela Nature, dois outros, além dos já mencionados, aparecem pela sua relação com o clima: a 26ª Conferência do Clima da ONU (COP-26) e o resultado das eleições presidenciais nos Estados Unidos, ambos previstos para novembro. E outros dois tangenciam a área de materiais: a série de missões espaciais com destino a Marte programadas para este ano e a definição orçamentária sobre um novo colisor de partículas europeu.

Por tudo isso, o ano, que está só começando, promete. Também aqui no Brasil, onde grupos de pesquisa atuam na fronteira do conhecimento nas diferentes linhas registradas: supercondutores, perovskitas e baterias. Sínteses acompanhará e compartilhará os avanços, principais resultados e, também, eventuais obstáculos ou reveses.

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Inventividade de Ricardo Rodrigues permanece na ciência brasileira https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/01/09/inventividade-de-ricardo-rodrigues-permanece-na-ciencia-brasileira/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/01/09/inventividade-de-ricardo-rodrigues-permanece-na-ciencia-brasileira/#respond Thu, 09 Jan 2020 23:32:39 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/lnls-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=24 O Brasil perdeu há uma semana (no dia 3) o engenheiro e físico Antonio Ricardo Droher Rodrigues, conhecido na comunidade científica apenas como Ricardo Rodrigues. O pesquisador liderou o projeto de dois dos maiores empreendimentos científicos que o País já teve: o UVX e o Sirius, fontes de luz síncrotron instaladas em Campinas (SP).

A luz síncrotron é uma radiação eletromagnética que permite observar a matéria no nível atômico, assim como a luz visível possibilita enxergarmos cor, forma e outras características dos objetos no nível macroscópico. Ela é produzida em aceleradores de partículas que, no Brasil, estão no Laboratório Nacional de Luz Síncroton (LNLS), no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM).

O UVX, primeira fonte de luz síncrotron do Hemisfério Sul, começou a ser projetado em 1987 e foi inaugurado 10 anos depois. O Sirius, fonte de maior brilho no mundo em sua faixa de energia, é um instrumento de pesquisa na fronteira da tecnologia que deve receber seus experimentos inaugurais nos próximos meses. Ambos foram projetados e construídos por equipes lideradas por Ricardo Rodrigues e, nas palavras de Antônio José Roque da Silva, diretor-geral do CNPEM, concretizaram sonhos que em algum momento pareceram impossíveis.

Bons perfis de Ricardo Rodrigues já foram publicados nos últimos dias, com destaque à homenagem feita por Cylon Gonçalves da Silva, que dirigiu a implantação do LNLS. Para ele, “o legado de Ricardo para o Brasil é o brilho intenso da luz síncrotron”. Aqui, destaco como esta luz permitiu a pesquisadores em várias áreas e, muito especialmente, de materiais, verem o que antes era invisível.

A estrutura de um material cristalino –cloreto de sódio, o sal de cozinha– foi observada pela primeira vez em 1913, por difração de raios-X. Desde então, buscam-se ferramentas que possam revelar mais detalhes, como olhos cada vez mais precisos para observar o mundo.

Conhecer a composição –quais átomos– e a estrutura –como se arranjam esses átomos– dos materiais é indispensável à compreensão das suas propriedades macroscópicas, como, por exemplo, dureza, magnetismo, comportamento em diferentes condições de temperatura e pressão, dentre outras. Cada nova alternativa instrumental significa um vasto campo de conhecimento e aplicações que se abre. O Sirius, por exemplo, terá uma resolução espacial que permitirá a observação de detalhes em escalas menores que as atuais. Além disso, trará uma resolução temporal capaz de mostrar a evolução de materiais submetidos a determinados processos -tensão, pressão, aquecimento, dentre outros- em intervalos de tempo muito pequenos, de milisegundos.

Luz síncrotron no Brasil

A emissão de radiação síncrotron foi prevista em 1944, e o primeiro experimento aconteceu em 1956. Inicialmente, eram usados aceleradores de colisão –como o famoso LHC–, projetados para outras finalidades. Em 1981, entra em operação o primeiro acelerador especializado na produção de luz síncrotron.

O Brasil foi rápido em identificar a relevância da área, já que o projeto do UVX é de 1987. No entanto, dificuldades financeiras e técnicas postergaram a inauguração para 1997, quando ele já não integrava o grupo dos equipamentos mais avançados em termos mundiais. Agora, o Sirius inverte essa situação.

“Ambos representaram grandes desafios, mas de naturezas distintas. Para a construção do UVX, era necessária a formação de pessoas que conseguissem reproduzir aqui o que já existia em outros países. Também foi preciso formar uma comunidade de usuários, já que, no momento da proposta, tínhamos apenas meia dúzia de pesquisadores com alguma experiência em radiação síncrotron no País”, conta José Roque. “No caso do Sirius, a demanda partiu dessa comunidade, hoje de mais de seis mil usuários, e precisamos inventar o que ainda não existia em lugar algum”, completa.

À frente de ambas as empreitadas esteve Ricardo Rodrigues, para quem, segundo José Roque, somente as leis da física eram aceitas como barreiras intransponíveis. Como características definidoras do colega, o diretor-geral do CNPEM destaca justamente este apreço pelo desafio, a criatividade, curiosidade, humildade e a “genuína vontade de formar pessoas”. Ressalta, também, como a trajetória de Rodrigues resultou em um perfil raro –e talvez único– em todo o mundo. “Ele se formou, originalmente, engenheiro civil, com o olhar prático da área. Além disso, sempre gostou de eletrônica. Depois estudou a teoria, a física de aceleradores, a utilização das linhas de luz. E, é claro, a produção da luz síncrotron, a engenharia dos aceleradores. Todo esse conhecimento facilitava muito o diálogo com todas as pessoas”, conclui.

Os frutos desse diálogo, na forma dos resultados já alcançados com o UVX e de tudo que está por vir no Sirius, são matéria que certamente comporá os textos deste blog com bastante frequência.

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