Sínteses https://sinteses.blogfolha.uol.com.br Da Idade da Pedra à 'febre do grafeno', um blog sobre tudo aquilo de que o mundo é feito Sun, 21 Mar 2021 19:10:18 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Espuma feita de materiais naturais remove óleo de águas contaminadas https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/12/02/espuma-feita-de-materiais-naturais-remove-oleo-de-aguas-contaminadas/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/12/02/espuma-feita-de-materiais-naturais-remove-oleo-de-aguas-contaminadas/#respond Wed, 02 Dec 2020 18:04:35 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/espuma-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=143 Que água e óleo não se misturam todo mundo sabe, de experiências cotidianas em casa ou na escola e das manchas no mar após grandes vazamentos. Menos conhecido é o uso, na remediação desses desastres e outros episódios de contaminação de corpos d’água, de espumas, materiais porosos e absorventes semelhantes às esponjas usadas na limpeza doméstica, capazes de conter os contaminantes separando-os da água.

Os materiais porosos –espumas, esponjas e aerogéis– geralmente usados como alternativa aos métodos convencionais de descontaminação têm a desvantagem de serem derivados do petróleo, dependendo de recursos não renováveis e não sendo biodegradáveis. Uma pesquisa realizada no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) resultou em inovação que pode substituir esses materiais, por uma nova espuma a base de celulose e látex altamente eficiente e produzida em um processo simples e limpo.

A nanocelulose já é utilizada em materiais porosos para diferentes aplicações. Algumas de suas vantagens são a abundância e o baixo custo, podendo ser obtida de biomassa como bagaço de cana ou resíduos da produção de papel. Além disso, apresenta propriedades muito adequadas à obtenção de estruturas porosas tridimensionais.

No entanto, a celulose é naturalmente hidrofílica –ou seja, tem afinidade com a água e não com os poluentes– e frágil quando molhada. Por isso, para uso na absorção de óleos e outros compostos hidrofóbicos (como tolueno e clorofórmio), geralmente são necessárias várias etapas na produção das espumas de celulose e, inclusive, o uso de solventes que podem causar danos ao ambiente.

A solução encontrada no CNPEM combinou a associação entre nanocelulose obtida do eucalipto e látex de borracha natural com um processo produtivo em etapa única. O látex confere ao material a robustez estrutural e a afinidade com os poluentes que faltam na celulose. O mais curioso, no entanto, é o caminho percorrido para obter a espuma. Os materiais sólidos –celulose e látex– representam apenas 2% de uma mistura com água que é congelada e, depois, liofilizada. Ou seja, a água passa do estado sólido (gelo) para o gasoso no processo de liofilização, deixando em seu lugar os poros que irão absorver os poluentes em uma proporção até 50 vezes maior que a massa da espuma de celulose.

As análises feitas nos laboratórios do CNPEM comprovaram a alta porosidade do material e outras características morfológicas, sua capacidade de absorção de óleo e outras substâncias e, também, sua durabilidade após vários ciclos de uso. O material desenvolvido já teve sua patente depositada e está disponível para licenciamento e aplicação como alternativa sustentável na remediação de águas contaminadas. Os resultados foram publicados em artigo de capa na edição de novembro do periódico científico internacional ACS Applied Nano Materials.

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Luz síncrotron permite rastrear impacto do desastre de Mariana no mar https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/11/04/luz-sincrotron-permite-rastrear-impacto-do-desastre-de-mariana-no-mar/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/11/04/luz-sincrotron-permite-rastrear-impacto-do-desastre-de-mariana-no-mar/#respond Wed, 04 Nov 2020 14:40:38 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/11/mar_ufes-300x215.jpeg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=124 Há cinco anos, na tarde de 5 de novembro de 2015, o rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, Minas Gerais, matou 19 pessoas e deixou um rastro de lama com resíduos do processamento de minério de ferro que rapidamente chegou até a foz do Rio Doce, no litoral do Espírito Santo. Sete meses depois, em 16 de junho de 2016, a mancha marrom chegou a Abrolhos, importante –e sensível– ecossistema marinho brasileiro. Agora, já não é mais tão fácil ver os rejeitos, o que não significa que eles não estejam lá.

Pesquisa realizada por cientistas das universidades federais do Espírito Santo (UFES), Sul da Bahia (UFSB) e da Universidade de São Paulo (USP), usando equipamentos do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas, permitiu estabelecer um marcador para rastreamento desse material em sedimentos de ambientes aquáticos –no leito do Rio Doce e no oceano– ao longo do tempo. Esse marcador –chamado de conjunto de minerais de ferro (IMS, do Inglês iron mineralogical set)– é uma espécie de assinatura, ou impressão digital, dos resíduos armazenados na barragem do Fundão antes do desastre.

“Eu não consigo saber a origem de um sedimento só de olhar para ele. Não são a cor, a textura ou a granulometria desse sedimento que me dão esta resposta. Mas outras análises sim. Na ciência forense, por exemplo, a análise do sedimento encontrado nas roupas de uma pessoa assassinada permite saber onde aquela pessoa foi morta, porque o sedimento tem a assinatura de um determinado local”, explica Marcos Tadeu Orlando, da UFES, um dos coordenadores da pesquisa. No CNPEM, os pesquisadores utilizam as chamadas linhas de luz síncrotron, em que este tipo de onda eletromagnética permite investigar a estrutura, a composição e as propriedades da matéria com muito mais precisão que o olho humano.

A composição elementar de sedimentos –isto é, a participação de diferentes elementos químicos no material analisado– pode ser feita em equipamentos relativamente simples, usando técnicas convencionais. No caso, nos rejeitos da chamada barragem do Fundão foram detectados majoritariamente ferro e silício, com níveis mais baixos de alumínio e traços de uma série de outros elementos.

No entanto, a chamada composição cristalográfica, relativa à estrutura que configura o marcador do minério processado pela Samarco em Mariana, só pôde ser determinada com precisão usando os equipamentos do CNPEM. Essa composição deriva da rocha de onde os minérios eram retirados pela Samarco –o itabirito, típico daquela região–, dos fluidos usados no processamento, da eficiência desse processamento e, também, do intemperismo sofrido pelo material durante o armazenamento na própria barragem.

Para caracterizar essa composição, os pesquisadores analisaram no CNPEM amostras de sedimentos coletados na área próxima à barragem logo após o rompimento e em diferentes pontos ao longo do Rio Doce, na sua foz e no oceano em diferentes momentos, desde antes do desastre até 2019. Com isso, puderam estabelecer o IMS, cujas fases cristalográficas majoritárias são os minérios de ferro hematita e magnetita, além de quartzo. Fases minoritárias contêm goethita e grennalita (também minérios de ferro) e um aluminossilicato.

“Nosso desafio era imenso justamente porque era muito difícil distinguir o sedimento coletado depois do rompimento daquele que estava no rio antes, já que havia características muito semelhantes. Por dois anos, a gente tentava separar e não conseguia. Quando a lama chega todo mundo vê, mas depois, quando assenta no solo, você não consegue mais distinguir com clareza o que já estava lá e o que chegou com o rejeito”, explica Orlando. “E esta é uma questão importante inclusive porque está envolvida em indenizações milionárias”, exemplifica o pesquisador.

A obtenção do marcador facilita, a partir de agora, o monitoramento em campo, permitindo a identificação inequívoca e o acompanhamento dos rejeitos em locais a centenas de quilômetros de Mariana, e mesmo depois de cinco anos. Outra conclusão importante da pesquisa é que, neste momento, ainda não é possível prever por quantos anos os resíduos continuarão presentes nesses ambientes e, assim, impactando a flora e a fauna.

A melhor compreensão deste impacto é, inclusive, o principal objetivo dos pesquisadores na continuidade do estudo, com a utilização do Sirius, novo acelerador do CNPEM. “Antes, nós não tínhamos o marcador, que agora permite o acompanhamento da presença dos resíduos nos sedimentos usando apenas as técnicas convencionais. Mas já temos outra questão. O marcador vai ficando mais diluído com o tempo e, também, é incorporado nos organismos, incluindo a microfauna e a microflora. Por isso, neste momento, o que a continuidade da pesquisa mais precisa é de novas análises que serão possibilitadas pelo Sirius”, conta Orlando.

“Os marcadores minerais não são, necessariamente, tóxicos, embora esta ainda seja uma questão em aberto. Mas, junto com esses minerais são arrastados elementos mais pesados e muito mais tóxicos, como mercúrio, arsênio, bromo e outros. Estes se acumulam ao longo da cadeia alimentar e causam danos celulares. Conseguir enxergar, junto aos minerais, a presença desses elementos, é o próximo passo que queremos dar”, afirma Douglas Galante, coordenador da estação experimental Carnaúba no Sirius.

“A Carnaúba é, basicamente, um gigantesco microscópio de raios X, que permite ver o que o olho humano não enxerga, com a luz visível. Por exemplo, a presença de metais pesados, de elementos tóxicos, no interior dos tecidos e das células. Será possível, em breve, produzir imagens 2D ou 3D da presença desses elementos tóxicos dentro dos organismos, mas também nas rochas e no sedimento, fazer mapas para entender exatamente onde está cada um desses elementos”, explica Galante. “Em alguns microrganismos que acumulam esses elementos na sua carapaça, por exemplo, será possível acompanhar a saúde do oceano ao longo do tempo, como quando analisamos a idade de uma árvore por seus anéis. A resolução espacial à qual estamos chegando na Carnaúba é uma das mais altas em todo o mundo, e esperamos bater vários recordes mundiais aqui no Sirius”, conclui o pesquisador.

Os resultados da pesquisa que estabeleceu o marcador estão no artigo “Tracing iron ore tailings in the marine environment: An investigation of the Fundão dam failure” (Rastreando rejeitos de minério de ferro no ambiente marinho: uma investigação da falha da barragem do Fundão), publicado em outubro na revista científica Chemosphere.

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Pesquisa desvenda como nanopartículas de ferro descontaminam aquíferos https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/06/30/pesquisa-desvenda-como-nanoparticulas-de-ferro-descontaminam-aquiferos/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/06/30/pesquisa-desvenda-como-nanoparticulas-de-ferro-descontaminam-aquiferos/#respond Tue, 30 Jun 2020 18:41:42 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/06/aquifero.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=117 Hidrocarbonetos clorados estão entre os contaminantes mais persistentes em reservas de águas subterrâneas – aquíferos – em todo o mundo. Quantidades muito pequenas destes poluentes são suficientes para tornar a água imprópria para consumo humano, por causarem danos aos rins, fígado e, também, câncer.

O problema é característico de regiões industrializadas, pois as substâncias foram muito usadas como solventes, desengraxantes, em esmaltes para pintura de automóveis e na lavagem a seco, dentre outras aplicações. “Há, na cidade de São Paulo, por exemplo, áreas em que a subsuperfície inteira está contaminada”, relata Nathaly Lopes Archilha, do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), que estuda a nanorremediação da contaminação por hidrocarbonetos clorados.

Embora o uso hoje seja rigidamente controlado, vazamentos aconteceram no passado pelo manuseio e armazenamento incorretos e, também, pela destinação inadequada de resíduos. As tecnologias usuais de remediação envolvem o tratamento da água depois de ser trazida à superfície, o que, além do custo, não resolve totalmente o problema. “Por serem mais densos que a água, os hidrocarbonetos clorados, se descartados em solo permeável, afundam até chegar em um leito menos permeável, geralmente o leito de um aquífero”, explica Archilha. “Como eles persistem na subsuperfície por muitos anos, nos poros das rochas, e vão sendo lentamente carregados pelas águas, estamos pagando até hoje o preço de um problema gerado há 50 anos”, situa.

A nanorremediação aparece, assim, como possibilidade de tratamento no próprio aquífero e, também, de atingir estas fontes secundárias de contaminação, os resíduos “capturados” nos poros dos leitos dos aquíferos. Por exemplo, nanopartículas de ferro, um elemento muito reativo, são injetadas no aquífero justamente para reagirem com os poluentes, provocando sua degradação. Embora este efeito já seja conhecido, ainda não se sabia como a reação ocorre em condições similares às de um aquífero real, ou seja, o que acontece nos poros durante a interação entre nanopartículas e contaminantes.

Para descobrir, foi desenvolvida pesquisa usando a tecnologia de tomografia de raios X disponível no Laboratório Nacional de Luz Sincrotron (LNLS), vinculado ao CNPEM. O conhecimento produzido viabilizará, por sua vez, o desenho de estratégias otimizadas de nanorremediação, além de subsidiar a regulamentação dessas técnicas. “Alguns países ainda não usam a tecnologia e um dos motivos é justamente não saberem o que acontece nessas condições. Se vão injetar nanopartículas de ferro, super reativas, precisam saber o que vai acontecer, entender os mecanismos de ação”, ilustra a pesquisadora.

Os pesquisadores simularam os grãos e poros das rochas com uso de pequenas esferas de vidro e, utilizando o acelerador de partículas do LNLS, em Campinas (SP), produziram imagens em quatro dimensões (4D) com resolução suficiente para enxergar os diferentes líquidos dentro dos poros. Em outras palavras, produziram imagens com altura, profundidade e largura (3D) ao longo de um intervalo de tempo (a quarta dimensão). Obtiveram, assim, uma espécie de “filmagem” da interação entre as nanopartículas de ferro e o tricloroetileno (TCE) – membro da família dos hidrocarbonetos clorados adotado no estudo –, em ambiente simulando processos de remediação já empregados em águas subterrâneas.

Analisando as imagens, a equipe identificou dois processos distintos. O primeiro foi a verificação do que já se sabia sobre a reação química entre as nanopartículas e o TCE, que produz um gás. “Nós verificamos a degradação, observando que, ao mesmo tempo que a quantidade de TCE diminuía, gás era formado ao redor”, explica Archilha. “Mas, às vezes, o volume inteiro de TCE desaparecia da imagem, o que não é condizente com o processo de degradação, mais lento. Neste caso, o TCE estava sendo arrastado, e não degradado”, conta a pesquisadora.

A conclusão do estudo é que o uso das nanopartículas é eficiente na remediação de fontes persistentes de contaminantes em subsuperfície. Além disso, a pesquisa revelou que o gás formado, ao se movimentar em direção a regiões de menor pressão, carrega com ele quantidades de TCE, o que não necessariamente é bom para o processo de remediação. “Se muito TCE for arrastado, o resultado pode ser a chegada da substância a uma área que antes não estava contaminada. Por isso, conhecendo esse mecanismo, é possível, por exemplo, otimizar a velocidade de injeção ou a concentração de nanopartículas para controlar a produção do gás”, explica Archilha.

Na pesquisa já realizada, a linha de luz então disponível no LNLS permitiu a observação de poros micrométricos. Para o futuro, com a inauguração do novo acelerador, o Sirius, o grupo pretende investigar o que acontece também na escala nanométrica. “Um dos problemas desses contaminantes é que eles chegam até poros muito pequenos, e nós queremos verificar o que acontece nesta escala”, conta a pesquisadora do CNPEM. “O Sirius também trará maior resolução temporal, além da espacial. O máximo que nós conseguíamos com o antigo acelerador era uma imagem a cada seis minutos. No Sirius, será possível produzir uma imagem por segundo”, complementa. “No caso do arraste do TCE pelo gás, por exemplo. Na pesquisa que fizemos, em uma imagem o TCE estava lá e, na outra, tinha sumido. Agora nós devemos conseguir ver o que aconteceu entre esses dois pontos”, conclui.

Os resultados obtidos estão no artigo intitulado “Pore-scale investigation of the use of reactive nanoparticles for in situ remediation of contaminated groundwater source”, publicado no dia 16 de junho no periódico PNAS. Além de Archilha, assinam o artigo outros dois pesquisadores do CNPEM e parceiros da Teesside University, no Reino Unido, do Politecnico di Torino, Itália, e da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

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Inventividade de Ricardo Rodrigues permanece na ciência brasileira https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/01/09/inventividade-de-ricardo-rodrigues-permanece-na-ciencia-brasileira/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/01/09/inventividade-de-ricardo-rodrigues-permanece-na-ciencia-brasileira/#respond Thu, 09 Jan 2020 23:32:39 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/lnls-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=24 O Brasil perdeu há uma semana (no dia 3) o engenheiro e físico Antonio Ricardo Droher Rodrigues, conhecido na comunidade científica apenas como Ricardo Rodrigues. O pesquisador liderou o projeto de dois dos maiores empreendimentos científicos que o País já teve: o UVX e o Sirius, fontes de luz síncrotron instaladas em Campinas (SP).

A luz síncrotron é uma radiação eletromagnética que permite observar a matéria no nível atômico, assim como a luz visível possibilita enxergarmos cor, forma e outras características dos objetos no nível macroscópico. Ela é produzida em aceleradores de partículas que, no Brasil, estão no Laboratório Nacional de Luz Síncroton (LNLS), no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM).

O UVX, primeira fonte de luz síncrotron do Hemisfério Sul, começou a ser projetado em 1987 e foi inaugurado 10 anos depois. O Sirius, fonte de maior brilho no mundo em sua faixa de energia, é um instrumento de pesquisa na fronteira da tecnologia que deve receber seus experimentos inaugurais nos próximos meses. Ambos foram projetados e construídos por equipes lideradas por Ricardo Rodrigues e, nas palavras de Antônio José Roque da Silva, diretor-geral do CNPEM, concretizaram sonhos que em algum momento pareceram impossíveis.

Bons perfis de Ricardo Rodrigues já foram publicados nos últimos dias, com destaque à homenagem feita por Cylon Gonçalves da Silva, que dirigiu a implantação do LNLS. Para ele, “o legado de Ricardo para o Brasil é o brilho intenso da luz síncrotron”. Aqui, destaco como esta luz permitiu a pesquisadores em várias áreas e, muito especialmente, de materiais, verem o que antes era invisível.

A estrutura de um material cristalino –cloreto de sódio, o sal de cozinha– foi observada pela primeira vez em 1913, por difração de raios-X. Desde então, buscam-se ferramentas que possam revelar mais detalhes, como olhos cada vez mais precisos para observar o mundo.

Conhecer a composição –quais átomos– e a estrutura –como se arranjam esses átomos– dos materiais é indispensável à compreensão das suas propriedades macroscópicas, como, por exemplo, dureza, magnetismo, comportamento em diferentes condições de temperatura e pressão, dentre outras. Cada nova alternativa instrumental significa um vasto campo de conhecimento e aplicações que se abre. O Sirius, por exemplo, terá uma resolução espacial que permitirá a observação de detalhes em escalas menores que as atuais. Além disso, trará uma resolução temporal capaz de mostrar a evolução de materiais submetidos a determinados processos -tensão, pressão, aquecimento, dentre outros- em intervalos de tempo muito pequenos, de milisegundos.

Luz síncrotron no Brasil

A emissão de radiação síncrotron foi prevista em 1944, e o primeiro experimento aconteceu em 1956. Inicialmente, eram usados aceleradores de colisão –como o famoso LHC–, projetados para outras finalidades. Em 1981, entra em operação o primeiro acelerador especializado na produção de luz síncrotron.

O Brasil foi rápido em identificar a relevância da área, já que o projeto do UVX é de 1987. No entanto, dificuldades financeiras e técnicas postergaram a inauguração para 1997, quando ele já não integrava o grupo dos equipamentos mais avançados em termos mundiais. Agora, o Sirius inverte essa situação.

“Ambos representaram grandes desafios, mas de naturezas distintas. Para a construção do UVX, era necessária a formação de pessoas que conseguissem reproduzir aqui o que já existia em outros países. Também foi preciso formar uma comunidade de usuários, já que, no momento da proposta, tínhamos apenas meia dúzia de pesquisadores com alguma experiência em radiação síncrotron no País”, conta José Roque. “No caso do Sirius, a demanda partiu dessa comunidade, hoje de mais de seis mil usuários, e precisamos inventar o que ainda não existia em lugar algum”, completa.

À frente de ambas as empreitadas esteve Ricardo Rodrigues, para quem, segundo José Roque, somente as leis da física eram aceitas como barreiras intransponíveis. Como características definidoras do colega, o diretor-geral do CNPEM destaca justamente este apreço pelo desafio, a criatividade, curiosidade, humildade e a “genuína vontade de formar pessoas”. Ressalta, também, como a trajetória de Rodrigues resultou em um perfil raro –e talvez único– em todo o mundo. “Ele se formou, originalmente, engenheiro civil, com o olhar prático da área. Além disso, sempre gostou de eletrônica. Depois estudou a teoria, a física de aceleradores, a utilização das linhas de luz. E, é claro, a produção da luz síncrotron, a engenharia dos aceleradores. Todo esse conhecimento facilitava muito o diálogo com todas as pessoas”, conclui.

Os frutos desse diálogo, na forma dos resultados já alcançados com o UVX e de tudo que está por vir no Sirius, são matéria que certamente comporá os textos deste blog com bastante frequência.

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