Sínteses https://sinteses.blogfolha.uol.com.br Da Idade da Pedra à 'febre do grafeno', um blog sobre tudo aquilo de que o mundo é feito Sun, 21 Mar 2021 19:10:18 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Nanobastões de ouro podem ajudar diagnóstico de doenças como Alzheimer https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2021/02/25/nanobastoes-de-ouro-podem-ajudar-diagnostico-de-doencas-como-alzheimer/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2021/02/25/nanobastoes-de-ouro-podem-ajudar-diagnostico-de-doencas-como-alzheimer/#respond Thu, 25 Feb 2021 19:31:36 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2021/02/nanobastoes-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=166 Nanobastões de ouro são um material conhecido, com propriedades ópticas úteis à aplicação no tratamento de doenças como alguns tipos de câncer, na chamada terapia fotodinâmica. Cientistas do Brasil, Estados Unidos e China mostraram que, combinadas a moléculas análogas a proteínas existentes no nosso corpo, essas nanoestruturas podem ajudar ainda mais a compreender, diagnosticar e buscar novos tratamentos para uma variedade importante de doenças.

Os pesquisadores combinaram os nanobastões a peptídeos sintéticos –pequenas proteínas, identificados pela sigla hIAPP– muito semelhantes a peptídeos presentes no corpo humano saudável mas que, alterados, estão na origem de condições tão diversas quanto câncer de pâncreas, diabetes tipo 2, Alzheimer e Parkinson. A alteração se dá pela mudança na conformação dessas moléculas e sua consequente agregação, formando as chamadas placas amiloides que, em pessoas com Alzheimer ou Parkinson, impedem o bom funcionamento de neurônios, por exemplo.

Em humanos e, também, em modelos animais usados nos testes para desenvolvimento de novas drogas, a formação dessas placas pode levar meses ou anos. A interação entre os nanobastões de ouro e os peptídeos acelerou este processo, agora mimetizado no laboratório em poucas horas. Com isso, fica mais rápido também testar quais drogas podem inibir a formação das placas e, assim, potencialmente serem úteis no tratamento das doenças.

Outro resultado foi a identificação de que a interação com os peptídeos modifica a forma como o material absorve e emite luz, levando a uma propriedade chamada dicroísmo, que é a capacidade de interagir com uma forma especial de luz, circularmente polarizada. O peptídeo sintético tem afinidade com os peptídeos presentes no nosso corpo, e a interação com a luz é diferente dependendo se o material sintetizado encontra peptídeos isolados (com estrutura de hélice), típicos de um tecido saudável, ou moléculas agregadas na forma de fibras ou placas (cuja estrutura é chamada de folha plana, associada ao desenvolvimento das doenças).

“O estudo mostrou a possibilidade de identificar justamente se os peptídeos estão na forma de hélice ou folha plana, e isto abre a perspectiva de um diagnóstico precoce, antes da doença se instalar, inclusive porque a detecção se dá também em concentrações muito baixas”, explica André Farias de Moura, professor do Departamento de Química da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) responsável pela parte brasileira da pesquisa. Outras vantagens, explica o pesquisador, são que a luz emitida é tão intensa que pode ser medida por um equipamento tão simples quanto a câmera de um telefone celular e, também, que as nanoestruturas sintetizadas interagem com a luz na região do infravermelho, o que permite observar o que acontece dentro de tecidos ou, até mesmo, dos organismos, com o mínimo de interferência de outras moléculas.

“O artigo mostra que poderemos desenvolver plataformas de busca e triagem de novas drogas não apenas com velocidade maior, mas também mais precisas, pela possibilidade de estudo diretamente nos tecidos afetados, e não em culturas de células em tubos de ensaio, por exemplo”, explica Moura.

Ele também situa que o modelo de síntese do material desenvolvido poderá servir a aplicações em cenários sequer imaginados neste momento. “É como as vacinas contra o novo coronavírus. Se a ciência básica desenvolvida muito antes de imaginarmos a ocorrência da pandemia não estivesse pronta para ser rapidamente adaptada, não chegaríamos às vacinas em menos de um ano”, compara. “No caso da nossa plataforma, se pudermos modificá-la para detectar não o peptídeo, mas as proteínas spike ou anticorpos contra o Sars-CoV-2, por exemplo, é possível testar novos fármacos, acelerar e aumentar a precisão de diagnósticos e, inclusive, inativar o vírus”, prevê.

O artigo com os resultados da pesquisa, intitulado “Enhancement of optical asymmetry in supramolecular chiroplasmonic assemblies with long-range order”, foi publicado hoje na Science. A pesquisa teve financiamento, no Brasil, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), além de utilizar os recursos do supercomputador Santos Dumont. Os parceiros nos outros países são da Universidade de Michigan, nos EUA, e da Universidade Jilin, na China.

Confira vídeo em que André de Moura apresenta seu trabalho.

]]>
0
Carimbo do vírus em polímero permite teste rápido de Covid na saliva https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/12/10/carimbo-do-virus-em-polimero-permite-teste-rapido-de-covid-na-saliva/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/12/10/carimbo-do-virus-em-polimero-permite-teste-rapido-de-covid-na-saliva/#respond Thu, 10 Dec 2020 18:53:30 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/imagemdosensor-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=148 Pesquisadores vinculados ao Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI), sediado em Campinas, desenvolveram dois tipos de testes rápidos portáteis para detecção do vírus causador da Covid-19 na saliva. Os testes utilizam uma base sensora eletroquímica, na qual um material semicondutor –uma nanoestrutura de óxido de zinco– capta pequenas variações em sinais elétricos causadas pela presença do Sars-CoV-2.

No início da pandemia, o grupo liderado por Talita Mazon, pesquisadora no CTI, logo pensou em adaptar o teste originalmente desenvolvido para zika, dengue e outras doenças. “Nós trabalhamos com o óxido de zinco em biossensores há cerca de cinco anos. Estávamos na fase de validação do teste de zika e pensamos que bastava uma adaptação. Mas não tínhamos dinheiro para adquirir o antígeno e os anticorpos, e leva um tempo para as empresas conseguirem produzir um anticorpo monoclonal que resulte em teste com a especificidade desejada”, explica a pesquisadora.

Na plataforma utilizada, chamada de imunossensor, anticorpos são imobilizados na nanoestrutura e, quando entram em contato com proteínas do vírus (antígeno), a ligação química entre anticorpo e antígeno produz alterações características em sinais elétricos, que são captadas pelo material semicondutor e registradas em um gráfico no computador ou em dispositivos móveis como telefones celulares.

No entanto, anticorpos monoclonais (produzidos em laboratório) precisam ser importados e têm custo elevado, fora do alcance dos pesquisadores naquele primeiro momento. Em vez de desistir, ou ficar esperando os anticorpos chegarem, o grupo seguiu por outro caminho, que levou a uma solução ainda mais interessante, inteiramente nacional e que pode ser armazenada em temperatura ambiente, por não conter materiais biológicos.

O grupo desenvolveu um teste em que o vírus Sars-CoV-2 é impresso em uma base de polipropileno, um polímero depositado como uma camada sobre o sensor de óxido de zinco. Forma e tamanho do coronavírus são carimbados no polímero, e o material passa então por uma lavagem que elimina o vírus. Quando partículas virais presentes na saliva contaminada encaixam neste molde, também acontecem as alterações nos sinais elétricos, captadas pelo óxido de zinco. Simples assim, como nos brinquedos para crianças pequenas em que triângulos, quadrados e círculos precisam ser encaixados nos lugares correspondentes em uma base de plástico.

“O que nós medimos, com um potenciostato acoplado ao celular, ou a um laptop, é uma variação no sinal elétrico, que pode ser maior ou menor que o esperado na ausência da proteína ou do vírus. Em algumas doenças, a ligação entre anticorpo e antígeno gera uma corrente elétrica maior. No caso dos testes de Covid, essa ligação, bem como o encaixe do vírus no polímero, têm característica isolante, gerando uma corrente menor”, situa Mazon.

A impressão do polímero foi realizada a partir de vírus isolados pela equipe do Laboratório de Estudos de Vírus Emergentes da Universidade Estadual de Campinas (LEVE), coordenado por José Luiz Proença Módena. “Eu conheci o professor Módena porque as amostras de pacientes com zika foram doados pelo LEVE. Vi em uma reportagem que ele havia isolado o novo coronavírus e pedi as amostras, para tentar a impressão do vírus na camada polimérica”, relembra Mazon, explicando que, mais comumente, o que tem sido buscado é a impressão de anticorpos.

Eficácia, especificidade e sensibilidade do teste já foram comprovadas com o uso de vírus inativados, mas agora análises com vírus ativos devem ser realizadas nas instalações do LEVE, com os níveis de biossegurança necessários. “Embora o desenvolvimento deste teste esteja em uma etapa inicial, em longo prazo considero a solução muito promissora. Além de não precisar de refrigeração e da importação de anticorpos e antígenos, eles podem ser muito úteis em viroses futuras. Geralmente, uma das primeiras coisas que é feita é isolar o vírus. Assim, uma vez estabelecida a metodologia, fica fácil adaptar no caso de um novo vírus”, avalia a líder do grupo de pesquisa.

O grupo também deu continuidade ao desenvolvimento do imunossensor, a partir de parceria com startup que importou antígenos e anticorpos. Neste caso, o processo está mais adiantado, em etapa de validação pela verificação frente ao exame RT-PCR, considerado padrão-ouro na detecção do vírus. Essa verificação será feita em pacientes, no Hospital das Clínicas de Botucatu, com previsão de término até o final de janeiro e encaminhamento para aprovação e início da produção em escala.

O custo estimado para o imunossensor é de cerca de R$ 10 por teste, valor que deve ser ainda menor para o dispositivo com a camada polimérica. Os estudos são realizados em parceria também com o Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais, apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

]]>
0
Aditivo potencializa e prolonga ação desinfetante do álcool 70% https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/11/28/aditivo-potencializa-e-prolonga-acao-desinfetante-do-alcool-70/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/11/28/aditivo-potencializa-e-prolonga-acao-desinfetante-do-alcool-70/#respond Sat, 28 Nov 2020 19:37:37 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/11/alcool-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=135 O álcool 70% é um dos principais produtos usados para desinfecção, assim como uma classe menos conhecida de substâncias, os quaternários de amônio, comuns nos desinfetantes de uso doméstico. Na pandemia de Covid-19, álcool 70% e desinfetantes com quaternários de amônio estão entre as principais recomendações para limpeza de superfícies, dentre outros processos de desinfecção.

Um projeto desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) combinou os dois materiais, para obter efeito mais duradouro de higienização e desinfecção de mãos, superfícies e máscaras.

A UFGD já estava recebendo doações de álcool de usinas da região para preparar álcool 70% destinado a hospitais, postos de saúde e outras instituições no Mato Grosso do Sul. Integrando-se aos esforços institucionais no enfrentamento da pandemia, um grupo coordenado pelo pesquisador Eduardo José Arruda propôs a solução adicional para potencializar o uso desse álcool e estender os efeitos de desinfecção.

“O álcool tem seu efeito enquanto está líquido, mas evapora rapidamente com o calor das superfícies, perdendo sua atividade biológica. O que se buscou foi uma solução simples, a partir de materiais disponíveis no mercado, para prolongar o efeito de desinfecção”, conta Arruda. O trabalho contou com parceria do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF), sediado na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Os quaternários de amônio têm ação conhecida sobre microrganismos como bactérias, fungos e vírus, provocando o rompimento da membrana celular ou de camadas protetoras dos vírus, dentre outros processos danosos a esses organismos. Suas moléculas podem se auto-organizar em diferentes formas, como micelas, no caso dos detergentes domésticos, por exemplo. Na combinação com álcool 70% formulada pelo grupo da UFGD, eles formam um filme bioativo que permanece na pele das nossas mãos e em outras superfícies depois da evaporação do álcool.

Uma vantagem adicional é a possibilidade do filme ser transferido entre superfícies, como, por exemplo, da mão para barras de apoio em veículos de transporte coletivo.

O desafio do grupo de pesquisa foi encontrar a concentração mais adequada de aditivos, segura para a saúde humana e eficaz contra os microrganismos. Depois de chegar a uma primeira formulação, destinada à limpeza das mãos e de superfícies, os pesquisadores identificaram outras aplicações possíveis, na desinfecção de máscaras de pano e outros materiais. Essa desinfecção pode ser feita pelo mergulho das máscaras no produto, com secagem rápida devido à evaporação do álcool 70%. Para esta finalidade, houve adição de umectantes e outras substâncias cosméticas, para proteção da pele no contato prolongado com o material.

O grupo segue realizando testes complementares, para análise de eficiência não só contra o Sars-CoV-2, mas também outros microrganismos.

]]>
0
Tecido desenvolvido no Brasil tem ação contra Sars-CoV-2 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/06/16/tecido-desenvolvido-no-brasil-tem-acao-contra-sars-cov-2/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/06/16/tecido-desenvolvido-no-brasil-tem-acao-contra-sars-cov-2/#respond Tue, 16 Jun 2020 22:15:04 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/06/tecido_prata.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=112 Há quem diga que coincidências não existem. Mas é curioso que, exatamente dois meses depois de sumir daqui, tragada por esforços de divulgação relacionados à Covid-19 (dentre eles um podcast publicado diariamente sem interrupção há exatos 93 dias!), retorne justamente complementando o texto com o qual me despedi.

Em 16 de abril, contei como uma empresa de base tecnológica brasileira e um fabricante de brinquedos se juntaram para produzir máscaras reutilizáveis com ação comprovada contra fungos e bactérias. Agora, a mesma empresa, a Nanox, comprovou também a ação dos materiais que desenvolve contra o Sars-CoV-2, vírus causador da Covid-19.

O resultado foi submetido nesta terça-feira (16), em “preprint”, ao repositório bioRxiv, ainda sem revisão por pares, em uma colaboração da Nanox com pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF) e do Laboratório de Química Teórica e Computacional da Universidade Jaume I, na Espanha.

Partículas de prata foram adicionadas a tecidos comuns – o chamado poli-algodão, mistura de algodão e poliéster, recomendado pela Organização Mundial da Saúde para a confecção de máscaras. Experimentos verificaram a integridade estrutural do tecido após a aplicação e, também, a segurança dermatológica do material, que não causou alergias ou irritação na pele nos testes realizados com seres humanos.

E, claro, o mais importante: foi verificada a capacidade do tecido de inativar até 99,99% das partículas virais de Sars-CoV-2 cultivadas em células humanas, em apenas dois minutos. O material também elimina bactérias e fungos, o que evita, por exemplo, a contaminação cruzada.

Os responsáveis pelo estudo vislumbram diferentes possibilidades de aplicação, que vão das máscaras de tecido e roupas hospitalares até artefatos de cama, mesa e banho usados em nossas residências. Negociações já estão em andamento com fabricantes desses produtos, conta Gustavo Simões, CEO da Nanox.

As pesquisas continuarão com testes em outras superfícies, como plásticos. Elson Longo da Silva, Diretor do CDMF, destaca a relevância de uma trajetória de mais de 30 anos na obtenção do resultado em tão curto espaço de tempo no contexto da pandemia. “É a pesquisa básica que resulta na compreensão e no conhecimento a partir dos quais é possível desenvolver um produto. Esta tecnologia só existe agora porque, ao longo do tempo, fomos compreendendo como funcionam os semicondutores”, afirma o pesquisador. “E, neste caso, tivemos a coroação da pesquisa. As máscaras reutilizáveis que já estão sendo comercializadas têm os mesmos aditivos agora testados contra o Sars-Cov-2. Ou seja, fizemos o produto, comprovadamente bactericida e antifúngico, antes mesmo de comprovar também a ação antiviral”, comemora.

As pesquisas realizadas pelo CDMF têm apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), financiadora também de projetos de desenvolvimento e inovação da Nanox. A empresa também recebe recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

]]>
0
Máscara com função bactericida e antiviral é fabricada no Brasil https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/04/16/mascara-com-funcao-bactericida-e-antiviral-e-fabricada-no-brasil/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/04/16/mascara-com-funcao-bactericida-e-antiviral-e-fabricada-no-brasil/#respond Thu, 16 Apr 2020 13:42:31 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/04/mascara.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=108 Uma fabricante de brinquedos e uma empresa de base tecnológica nascida em laboratórios universitários anunciaram na manhã desta quinta-feira (16) o início do desenvolvimento, em parceria, de máscaras respiratórias reutilizáveis, produzidas com materiais com propriedades bactericidas, antifúngicas e antivirais.

A Elka, fabricante de brinquedos, buscava uma forma de empregar seu parque fabril ocioso devido à pandemia de Covid-19 no combate à própria pandemia. Por meio de um parceiro em comum, encontrou a Nanox, especializada em aditivos nanoestruturados a base de prata com ações antimicrobianas comprovadas — bactericidas, antifúngicas e antivirais.

As duas empresas desenvolveram, então, o projeto de uma máscara de proteção reutilizável equivalente às hoje famosas N95 (que são descartáveis), com uma vantagem adicional: superfícies ativas que podem ajudar no combate a infecções bacterianas responsáveis pelo agravamento de quadros de Covid-19.

“As micropartículas que produzimos têm ação comprovada contra alguns tipos de vírus. Ainda não houve tempo para os testes com o SARS-CoV-2, mas o potencial existe”, esclarece Gustavo Simões, CEO da Nanox. “Mas, além da produção nacional e do fato de serem reutilizáveis, a ação bactericida pode contribuir na prevenção de outras infecções, especialmente a pneumonia bacteriana, frequentemente associada ao agravamento dos quadros de Covid-19”, complementa.

As máscaras — que receberam a marca Oto — são produzidas com materiais plásticos (poliméricos) associados aos aditivos da Nanox, com espaço para filtros PFF2 descartáveis. Nesta primeira etapa, os aditivos estão apenas na estrutura das máscaras, mas já está prevista a adição aos filtros. Para a higienização, é necessário usar apenas água e sabão. “O protocolo para substituição dos filtros precisará ser estabelecido pelos serviços de saúde. De qualquer forma, sejam eles quais forem, a quantidade de material necessário para a confecção das máscaras é muito inferior ao que é usado nas máscaras descartáveis”, explica Simões.

A fase de pré-reserva foi iniciada hoje, e as primeiras unidades serão entregues a partir de 12 de maio. Inicialmente, a capacidade de produção é de 200 mil unidades por mês, mas a quantidade pode ser facilmente aumentada diante da demanda, para até um milhão de unidades mensais, segundo os responsáveis pela iniciativa. A expectativa é fornecer principalmente para serviços hospitalares, e uma parte será destinada a doações. “Já está definido que até 10% da produção será doada, e estamos construindo os mecanismos para essa possibilidade”, afirma Simões.

Eduardo Kapáz Jr, da Elka, destaca o fato da máscara ter sido desenhada e ser produzida totalmente no Brasil, e de servir, segundo ele, não só aos agentes de saúde na linha de frente no combate à pandemia, mas também à população em geral.

A Nanox é uma spin-off do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) apoiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Em 2004, a partir de demanda apresentada por uma fabricante de eletrodomésticos, estudantes que realizavam pesquisas de iniciação científica e mestrado no Centro vislumbraram a oportunidade de empreender na área de materiais baseados em nanotecnologia, à época quase inexistente no Brasil.

Na sua consolidação, a empresa recebeu recursos da própria Fapesp e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). “Nada disso seria possível sem o conhecimento acumulado ao longo da minha formação e das outras pessoas envolvidas, e bem antes disso, com recursos públicos. É essa experiência acumulada que agora pode ser rapidamente redirecionada para este objetivo emergencial, para um problema real. É a concretização de investimentos na promoção do relacionamento entre universidade e empresas, por exemplo”, avalia o CEO da Nanox.

]]>
0
Vírus complexo: partículas sintéticas ajudam a entender o Sars-CoV-2 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/04/09/virus-complexo-particulas-sinteticas-ajudam-a-entender-o-sars-cov-2/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/04/09/virus-complexo-particulas-sinteticas-ajudam-a-entender-o-sars-cov-2/#respond Thu, 09 Apr 2020 18:04:47 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/04/quiralcf.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=104 Pouco mais de três meses após as primeiras notícias sobre o Sars-CoV-2, a imagem do vírus com sua “coroa de espinhos” — responsável pelo nome de coronavírus — é familiar. Essa geometria complexa é parte importante da interação do vírus com nossas membranas celulares no momento da infecção, e compreendê-la pode ajudar no combate à Covid-19 e a outras doenças.

As mesmas leis naturais regem o surgimento da complexidade em sistemas artificiais ou biológicos, e obter partículas sintéticas análogas àquelas encontradas em seres vivos é importante no estudo desses organismos. Isso porque os materiais artificiais são menos frágeis que suas contrapartidas biológicas. Mas, enquanto na natureza a complexidade é comum, nos laboratórios a história é um pouco mais complicada.

A complexidade estrutural de materiais biológicos está relacionada à ordenação hierárquica de “blocos de construção” em múltiplas escalas, da nanométrica à macroscópica — como já vimos, aqui em Sínteses, no estudo da castanha do Pará. No entanto, é muito difícil obter esse ordenamento em várias escalas para sistemas artificiais.

Um grupo de pesquisadores do Brasil, Estados Unidos e China acaba de dar um passo importante neste sentido, não só produzindo partículas sintéticas com complexidade superior às biológicas, mas também avançando na compreensão dos fatores envolvidos nessa produção e propondo formas de medir a complexidade.

Em estudo publicado hoje (9) na revista científica Science, os pesquisadores relatam como, a partir de nanoplaquetas formadas por sais de ouro e aminoácidos, conseguiram montar partículas hierarquicamente organizadas com espinhos torcidos e outras morfologias complexas. O truque foi balancear diferentes forças atuantes no processo de construção dessas partículas e, muito especialmente, aplicar a quiralidade do aminoácido empregado — a cisteína — no controle desse processo.

A quiralidade é uma característica de algumas moléculas — e de grande parte daquelas que compõem sistemas biológicos — relacionada à sua forma. A principal analogia utilizada para explicar o conceito é com as nossas mãos: direita e esquerda, praticamente iguais, mas impossíveis de serem sobrepostas com exatidão por serem uma a imagem no espelho da outra. Além de conferir propriedades distintas às versões “direita” e “esquerda” de uma mesma molécula em algumas situações, a quiralidade interfere na interação dessas moléculas com outras partículas e campos que também sejam quirais.

“Nós temos trabalhado com quiralidade de nanomateriais há pelo menos seis anos, e já sabíamos que mudar o aminoácido resultava em estruturas com a mesma complexidade, mas que eram imagens especulares umas das outras. O trabalho publicado agora focou na compreensão de como a informação quiral codificada na molécula de aminoácido menor que um nanômetro poderia ser amplificada e propagada para escalas de tamanho muito maiores”, explica André Farias de Moura, um dos autores da pesquisa, professor do Departamento de Química da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e pesquisador do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais. “Estamos vendo que o fato de haver quiralidade leva nossos sistemas de estudo a terem propriedades antes presentes apenas nos organismos vivos”, complementa.

O pesquisador reitera que é difícil transferir a informação quiral — mão esquerda, mão direita, ou rotação no sentido horário ou anti-horário — ao longo de várias ordens de grandeza. “Neste caso, partimos de moléculas muito pequenas, cuja informação quiral está codificada em um único átomo de carbono, e essa informação foi transmitida para a próxima escala, gerando folhas torcidas inicialmente com tamanhos da ordem de cinco nanômetros, que cresceram até a ordem de micrômetros e se agregaram em estruturas ainda maiores e mais complexas”, relata.

Entender esse processo de codificação e transferência de informação entre escalas é um dos pontos centrais do estudo. Isto justamente porque o sistema produzido na pesquisa é mais simples e robusto que os equivalente naturais, permitindo maior controle das variáveis e, assim, a ajuda na compreensão de como os sistemas biológicos formam suas estruturas hierárquicas complexas, de onde tiram suas funcionalidades.

“Esses materiais não são específicos para aplicações biológicas, mas, além das aplicações usuais em optoeletrônica, catálise e outras, sempre existe uma aplicação biológica potencial. Como todo e qualquer sistema biológico é por definição quiral, nanomateriais quirais podem agir de maneira mais seletiva se ajustarmos o tipo e o grau de quiralidade para um alvo molecular biológico”, explica Moura. Ou seja, além do melhor entendimento de organismos vivos, outra consequência é o potencial de desenvolvimento de moléculas para tratamento de doenças e, também, produção de vacinas.

“Não podemos usar sabão ou hipoclorito de sódio para matar vírus, bactérias ou fungos quando já estão dentro do nosso corpo, pois não são seletivos e atacariam nossas células também. Mas, com base neste trabalho, podemos afirmar com firmeza que, uma vez compreendidas as interações entre nanopartículas e partículas complexas como os vírus, deveremos ser capazes de vislumbrar nanopartículas sob medida cujo alvo sejam essas entidades microscópicas ameaçadoras”, registra Moura.

“Infelizmente, não existe uma panaceia: este é um empreendimento científico mundial em longo prazo, e nossa contribuição deve abrir novos caminhos de investigação. Mesmo que não ofereçam alívio no presente, esta e outras pesquisas inovadoras vão contribuir para aprimorar nossa prontidão para enfrentar situações como esta no futuro”, conclui.

O artigo intitulado “Emergence of Complexity in Hierarchically Organized Chiral Particles” está disponível no site da Science. Outras informações também podem ser conferidas no texto que preparei para divulgação pela UFSCar.

Dentre os autores brasileiros, além de Moura e ex-alunos seus, também está Sérgio Ricardo Muniz, professor do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP).

O financiamento da pesquisa no Brasil teve recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

]]>
0
O que aprendi com as máscaras respiratórias (além de não usar) https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/03/11/o-que-aprendi-com-as-mascaras-respiratorias-alem-de-nao-usar/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/03/11/o-que-aprendi-com-as-mascaras-respiratorias-alem-de-nao-usar/#respond Wed, 11 Mar 2020 15:01:49 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/03/corona-4912807_640-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=94 Há dois meses, durmo e acordo com máscaras faciais.

Não fui infectada pelo novo coronavírus, tampouco tenho qualquer outra condição de saúde que me obrigue a usá-las, felizmente. A condição que levou meu pensamento às máscaras durante tantos dias e noites desde as primeiras notícias sobre o vírus foi a persistência –talvez teimosia– em descobrir de que material são feitas.

O início da epidemia coincidiu com os primeiros dias deste Sínteses, em janeiro. Logo surgiram as primeiras notícias sobre escassez de máscaras no mercado e, também, guias sobre a pertinência de usá-las para proteção contra covid-19 –nome que a doença viria a receber só depois, em fevereiro. Entusiasmada com a missão de descobrir e relatar de que o mundo é feito, embarquei na empreitada para produzir uma nota sobre o material das máscaras. Mas foi muito mais difícil do que eu imaginava descobrir.

Até agora, não sou capaz de registrar aqui informações tão precisas e detalhadas quanto gostaria. Falhas minhas podem ter contribuído, mas me parece que segredos industriais e a especialização da prática científica foram mais importantes. O que consigo contar é que as máscaras em geral são produzidas com tecidos não tecidos (já explico!) que têm polímeros como matéria-prima (frequentemente polipropileno), em várias camadas (três ou quatro, comumente).

Mas aprendi muitas outras coisas interessantes durante minha busca. A primeira é que existe toda uma área de pesquisa dedicada à filtração e aos chamados meios, ou elementos, filtrantes. Porque é disto que se trata: de filtração do ar, ou seja, da passagem do fluxo de ar através de um material poroso no qual ficam retidas as partículas que não atravessam os poros.

O tamanho desses poros –junto com outras variáveis– define um outro aspecto relevante da nossa pesquisa: a diversidade de máscaras existentes. Dentre elas, temos as máscaras cirúrgicas, que se distinguem de respiradores –ou peças faciais filtrantes (PFF)– essencialmente por não estarem sujeitas às mesmas normas rigorosas e não passarem pelos testes que garantem a certificação em diferentes níveis de proteção. Além disso, as máscaras não se ajustam perfeitamente ao rosto, permitindo assim a passagem do ar pelas bordas.

No caso dos respiradores, dentre os diferentes níveis de segurança, o PFF2 –ou N95 segundo a legislação dos Estados Unidos ou P2 para filtros de respiradores reutilizáveis– é o mais indicado para agentes biológicos com características como as do coronavírus.

No entanto, nunca é demais reforçar que as máscaras não são a principal medida de proteção e podem, inclusive, gerar uma falsa sensação de segurança. O mais importante é lavar as mãos e outras medidas de higiene, deixando as máscaras, especialmente em caso de escassez, para as pessoas infectadas e os profissionais de saúde.

Voltando aos materiais, falemos dos tecidos não tecidos, ou TNT, aquele que todos já usamos como toalha de mesa, fantasia ou em alguma outra incursão em atividades de decoração, artesanato ou trabalhos escolares.

A definição é feita em oposição aos tecidos. Nestes, fios estão entrelaçados em ângulos de 90 graus, posicionados longitudinal (no sentido do comprimento do tecido) e transversalmente (largura). Já os não tecidos são véus ou mantas de fibras ou filamentos que podem estar orientados direcionalmente ou posicionados ao acaso, mas que são consolidados por métodos mecânicos, químicos ou térmicos, e não, justamente, por tecelagem. A fabricação usa diferentes rotas e matérias-primas.

O uso de tecidos não tecidos nos dispositivos de proteção respiratória está relacionado ao seu baixo custo –o que justifica a aplicação sobretudo no caso de descartáveis–, mas eles também apresentam resultados superiores em termos de filtração de bactérias e outros microrganismos e de permeabilidade.

No caso das máscaras e respiradores, polímeros são a matéria-prima mais comum dos tecidos não tecidos, ou polímeros associados a fibras de celulose.

Nos respiradores –e algumas vezes é isto que os difere das máscaras cirúrgicas–, há a associação de não tecidos obtidos por diferentes processos de produção. Entre duas camadas externas obtidas por fiação contínua (método conhecido como “spunpond”) está um meio filtrante produzido por sopro (“meltblown”), o que resulta em poros menores e, assim, na maior capacidade de filtração. Outros materiais utilizados como filtro são papel e carvão ativado, por exemplo.

As nanofibras são a tecnologia emergente no campo dos meios filtrantes fibrosos. Por suas dimensões reduzidas, dentre outras características, elas diminuem também o tamanho das partículas que podem ser retidas, chegando justamente à escala nanométrica. Além disso, permitem a associação de materiais ativos, que vão além da barreira física dos dispositivos comuns.

Ana Cláudia Canalli Bortolassi buscou, durante seu doutorado, concluído no ano passado, a obtenção de meios filtrantes mais eficientes, com efeito bactericida e capazes de reter partículas nanométricas. Para tanto, adicionou a um substrato de tecido não tecido macroscópico nanofibras produzidas pelo método de eletrofiação (“electrospinning”). Os filtros desenvolvidos têm, como aplicação almejada, justamente máscaras e sistemas de purificação de ar.

Além da obtenção de fibras com superfície de contato muito maior que as produzidas por outros métodos, a eletrofiação permite a adição de agentes bactericidas ao polímero usado como matéria-prima. Na pesquisa de Bortolassi, os aditivos usados foram dióxido de titânio, óxido de zinco e nitrato de prata. Hoje pesquisadora visitante na Deakin University, Austrália, a brasileira registra que o desenvolvimento de meios filtrantes com múltiplas funcionalidades e aplicações é um dos focos da pesquisa na área, junto à obtenção de maior eficiência e menor queda de pressão.

]]>
0