Sínteses https://sinteses.blogfolha.uol.com.br Da Idade da Pedra à 'febre do grafeno', um blog sobre tudo aquilo de que o mundo é feito Sun, 21 Mar 2021 19:10:18 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Super e semicondutor são destaques do ano, com desafios para aplicação https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/12/29/super-e-semicondutor-sao-destaques-do-ano-com-desafios-para-aplicacao/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/12/29/super-e-semicondutor-sao-destaques-do-ano-com-desafios-para-aplicacao/#respond Tue, 29 Dec 2020 19:31:36 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/cpu-3061923_1280-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=155 A pandemia de Covid-19 transformou completamente as listas de principais conquistas científicas em 2020, como todo o resto.

Em 2020, foram finalmente desvendadas as estruturas tridimensionais das proteínas, foram enviadas três missões a Marte e outras para buscar material na Lua e no asteroide Ryugu, e tivemos avanços importantes em estratégias para enfrentar diferentes doenças, incluindo o HIV. Mas ficou difícil competir com vacinas desenvolvidas em um décimo do tempo normalmente empregado e com todo o conhecimento produzido sobre um vírus e uma doença absolutamente desconhecidos há apenas um ano.

Mesmo com toda esta disrupção, não há entre as tradicionais listas do tipo –como nas publicadas pelas revistas Nature e Science— uma que não registre a produção do primeiro material supercondutor em temperatura ambiente, ainda que fora do topo e sem a alcunha de “descoberta científica do ano”.

Assim como a emergência de uma pandemia a partir de uma zoonose, a obtenção do novo material não foi exatamente uma surpresa. Outras listas, do final de 2019, sobre o que esperar da ciência em 2020, registravam a expectativa. E, neste caso, a mudança de foco para a Covid-19 parece não ter afetado o trabalho na área.

Juntando hidrogênio, carbono e enxofre, os cientistas observaram a supercondutividade em temperaturas de até cerca de 14ºC. A supercondutividade foi compreendida como propriedade exclusiva das baixíssimas temperaturas desde 1911, quando descoberta, até 1986, ano de início da escalada até as primeiras temperaturas acima dos 0ºC reportadas em outubro deste ano.

Além de ser um avanço incremental e esperado, construído ao longo de décadas, há um outro motivo para a conquista parecer um pouco morna (sem intenção de trocadilho!): o material foi obtido a uma pressão mais de 2,5 milhões vezes maior que a do ambiente em que vivemos, produzida entre as garras de uma espécie de pinça de diamante. Ainda longe, portanto, das fantásticas aplicações previstas para supercondutores em temperatura ambiente, que vão de equipamentos médicos e trens ultrarrápidos de levitação magnética à extrema eficiência energética de modo geral, pela ausência de resistência à passagem da corrente nesses materiais e, assim, redução das perdas energéticas.

Fora das listas gerais, mas vencedor em concurso mais especializada promovido pela revista Physics World, um outro material obtido em 2020 compartilha com o supercondutor em temperatura ambiente não apenas os desafios até a aplicação, mas também o apelido de Santo Graal (neste caso, da indústria microeletrônica, ou melhor, optoeletrônica).

Trata-se de um nanofio de silício sintetizado com uma estrutura cristalina hexagonal (padrão de ordenamento espacial dos átomos no material), e não com estrutura do tipo diamante, como normalmente o material se apresenta.

O silício é a base de toda a indústria de microcomputadores, por suas propriedades eletrônicas (de semicondutor) associadas ao fato de ser abundante e barato. No entanto, está próximo um limite operacional importante. O crescimento do poder de processamento dos chips implica aumento no consumo de energia e, também, no calor gerado pela resistência do material, em um cenário que só poderá ser ultrapassado com a integração da fotônica –transmissão de informação pela luz, ou seja, fótons, no lugar de elétrons– à eletrônica.

E o rei da eletrônica tem um desempenho pífio quando se trata das suas propriedades ópticas. Alguns semicondutores emitem luz quando submetidos a uma corrente elétrica, como nos LEDs, mas este não é o caso do silício comum, devido a uma propriedade inerente ao material (chamada de gap indireto ou de estrutura de bandas indireta). Assim, até agora, o caminho para a incorporação da luz passa pela integração de outros materiais aos chips de silício, o que é possível, mas difícil e caro.

Com o novo material, este obstáculo pode ser superado, com aplicações potenciais também nas telecomunicações e em sensores químicos. No entanto, ainda é preciso produzir o silício hexagonal em uma superfície plana –no lugar do nanofio–, o que, segundo os pesquisadores, é só uma questão de tempo.

A virada de um ano para outro traz justamente a sensação de termos um novo tempo para superar desafios, resolver problemas e alcançar as metas estabelecidas na véspera de 1º de janeiro. Neste fim de 2020, para todo o mundo e, felizmente, para grande parte da comunidade científica, o controle da pandemia sem dúvida é a prioridade. Mas, para muitos cientistas e engenheiros de materiais, produzir supercondutores em temperatura e pressão próximas às do ambiente e lasers a base de silício deve vir logo abaixo na lista.

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De que são feitas as luzes do Natal https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/12/23/de-que-sao-feitas-as-luzes-do-natal/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/12/23/de-que-sao-feitas-as-luzes-do-natal/#respond Wed, 23 Dec 2020 16:41:15 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/natal-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=152 Quem teve a sorte de céus limpos nos últimos dias assistiu a um fenômeno astronômico raro e com especial simbolismo: a conjunção entre Júpiter e Saturno. Os planetas estiveram tão próximos no céu, vistos aqui da Terra, que chegaram a parecer um único astro. Uma conjunção como esta, para alguns especialistas, está na origem da lenda da estrela de Belém, guia dos Reis Magos até Jesus Cristo recém-nascido.

Mas, mesmo que não seja esta a estrela de Natal –e ainda que nunca tenha existido uma estrela concreta–, é fato que a lenda, junto à concepção de Jesus como luz que teria vindo iluminar a humanidade, está na origem da tradição natalina de iluminarmos árvores, casas e ruas.

As luzes de Natal antecedem em muito a descoberta da eletricidade. Foi em 1882 que Edward Hibberd Johnson substituiu as velas usadas até então por lâmpadas incandescentes, buscando assim publicidade para o mais recente invento de seu amigo e sócio Thomas Edison. As lâmpadas de Edison resolveram o risco de incêndios e, desde os anos 2000, fios com centenas de LEDs vêm substituindo a iluminação incandescente, com economia de energia e maior durabilidade.

LED é sigla do Inglês para diodo emissor de luz. São materiais semicondutores que emitem luz quando submetidos a uma corrente elétrica, uma propriedade chamada de eletroluminescência. Por isso, o marco de início da história dos LEDs é colocado em 1907, quando a eletroluminescência foi demonstrada pelo inglês Henry Joseph Round. Mas foi só em 1962 que o americano Nick Holonyak Jr., trabalhando nos laboratórios da General Eletric, produziu o primeiro LED emissor de luz visível com um brilho passível de alguma aplicação. Estes primeiros LEDs emitiam luz vermelha, assinatura do semicondutor formado basicamente pela combinação entre gálio e arsênio.

A emissão de luz nos LEDs –no infravermelho e no ultravioleta, além do espectro visível– acontece pela interação entre elétrons e buracos, uma parte da Física que, ao menos na minha época, passava longe das aulas de ciências. Mas, para termos alguma ideia do que se trata, podemos recorrer a uma analogia mais familiar, do átomo como sistema planetário.

Neste modelo, os elétrons orbitam um núcleo formado por prótons e nêutrons, em níveis de energia definidos, os orbitais, e entre eles temos níveis proibidos, onde o elétron não pode estar. Há um número restrito de elétrons que podem ocupar um determinado nível de energia, e eles sempre ocupam primeiro os menores níveis possíveis, mais próximos do núcleo.

Quando passamos de átomos isolados para sólidos compostos por vários átomos organizados –indo da Física de Partículas para a chamada Física do Estado Sólido, ou da Matéria Condensada–, os níveis de energia desses átomos interagem, formando bandas de energia. Novamente, os elétrons podem circular por diferentes bandas, mas existem bandas proibidas. Outra classificação importante é entre banda de valência –a banda mais alta inteiramente preenchida com os elétrons correspondentes, inerte– e banda de condução– que é a banda logo acima, onde há elétrons livres.

A diferença fundamental entre materiais condutores e isolantes é a energia necessária para os elétrons fazerem a transposição desta barreira entre as bandas de valência e de condução, ou seja, atravessarem a banda proibida (chamada de gap, novamente do Inglês).

Os materiais semicondutores, por sua vez, ficam no meio do caminho, se comportando como condutores ou isolantes dependendo das condições. Neles, os elétrons, ao passarem de uma banda a outra, deixam na banda de valência a sua ausência, e é ela que é chamada de buraco. Buracos comportam-se como uma partícula carregada positivamente e, como o elétron, também se movimentam, contribuindo com a corrente.

Os LEDs são um tipo específico de material semicondutor, chamado de diodo. Nos diodos, semicondutores misturados com outros elementos (a palavra usada para esta mistura é dopagem) são combinados, o que resulta em um lado cheio de elétrons livres e outro com os buracos correspondentes. Quando uma corrente elétrica é aplicada, é a interação entre elétrons e buracos que resulta na emissão de luz, e cor e brilho dessa luz dependem da energia necessária para que os elétrons superem a banda proibida.

Essa energia, por sua vez, depende do material empregado. Assim, depois do primeiro LED, vermelho e pouco brilhante, nos anos seguintes novos materiais e combinações entre eles foram sendo testados na busca por mais cores e brilho.

Apesar da alegria proporcionada pelas luzes de Natal, não foi esta a aplicação que rendeu o Prêmio Nobel de Física de 2014 aos inventores do primeiro LED azul. As aplicações dos LEDs vão muito além e, hoje, eles substituem as lâmpadas incandescentes em residências e, até mesmo, na iluminação pública de cidades inteiras.

Para que pudéssemos chegar até este momento, era necessária a luz branca, obtida pela combinação de LEDs emissores de luz vermelha, verde e azul. Os LEDs vermelhos e verdes existiam desde a década de 1960, mas foi só em 1990 que os japoneses Isamu Akasaki, Hiroshi Amano e Shiji Nakamuro sintetizaram um diodo a base de nitreto de gálio emissor de luz azul.

Dali para a frente, os piscas de Natal tornaram-se mais coloridos e as cidades mais iluminadas com menor gasto de energia, mas também há um agravamento na poluição luminosa. Por isso, neste momento, desejo aos leitores e às leitoras de Sínteses não um Natal com muita luz, mas sim o equilíbrio entre a alegria da iluminação natalina e a escuridão necessária para que vejamos as estrelas sobre nós.

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Processos que mantêm a vida podem apoiar matriz energética sustentável https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/11/23/processos-que-mantem-a-vida-podem-apoiar-matriz-energetica-sustentavel/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/11/23/processos-que-mantem-a-vida-podem-apoiar-matriz-energetica-sustentavel/#respond Mon, 23 Nov 2020 21:34:40 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/11/capa_autoorganizacao-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=131 A natureza é inspiração de desenvolvimentos tecnológicos em todas as áreas e, com muita frequência, de novos materiais. Em Sínteses, já vimos como a transpiração humana e de outros animais inspirou o uso de hidrogel para resfriamento de robôs flexíveis e conhecemos a busca por um material tão resistente quanto o ouriço da castanha do Pará.

Nestes exemplos, embora se busque reproduzir soluções presentes em organismos vivos, o caminho para tentar chegar aos mesmos resultados é completamente diferente dos processos naturais.

No nosso Universo, tudo tende ao equilíbrio ou, como registra a chamada Segunda Lei da Termodinâmica, ao nível máximo de entropia (frequentemente descrita como grau de desordem, ou desorganização, de um sistema) e, por consequência, mínimo de energia. No entanto, para um ser vivo, o equilíbrio significa a morte. Como ninguém quer atingir este equilíbrio, ou seja, o momento em que a energia chega ao seu nível mínimo, nós e os animais, por exemplo, nos alimentamos, recebendo assim matéria com alto teor energético.

Na síntese convencional de materiais ou outras substâncias, o processo quase sempre é feito de forma consecutiva, passo a passo, objetivando a chegada ao equilíbrio. Juntamos A e B para produzir C, em uma reação que segue até que as três espécies químicas (A, B e C) estejam em equilíbrio. Depois, pegamos C, já mais complexo, e misturamos com D, para chegar a E, novamente em equilíbrio. E assim por diante, até termos o hidrogel para resfriamento do robô ou um material de construção tão resistente quanto a castanha do Pará.

Porém, em condições fora do equilíbrio, a síntese pode acontecer com todas as reações simultaneamente. Por exemplo, a interação entre A e B pode resultar no dobro de B, em um fenômeno conhecido como autocatálise, que descreve um aumento da concentração de B pela sua própria formação. Se também estiver presente uma etapa de inibição –a reação de B com C, por exemplo–, o crescimento de B pode ser freado, com escalas de tempo diferentes e, assim, oscilação na concentração de B, com momentos de maior ou menor produção. Essas oscilações levam, dentre outras consequências, a padrões e estruturas na matéria –como espirais, poros, dendritos e organizações multicamadas– muito mais complexos que os obtidos na síntese convencional.

Na natureza, este tipo de estruturação auto-organizada é onipresente, indicando que oscilações em processos naturais são muito comuns. Como estrutura e propriedades de diferentes materiais estão intimamente relacionadas, os pesquisadores têm buscado compreender melhor esses mecanismos, com o objetivo de empregá-los na obtenção de novos materiais com composição e estrutura complexas e, assim, propriedades físicas e químicas que atendam às necessidades tecnológicas mais urgentes.

No Brasil, o Laboratório de Dinâmica Eletroquímica e Conversão de Energia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) estuda há cerca de quatro anos a síntese eletroquímica auto-organizada com o objetivo de obter, no futuro, materiais para transformações na nossa matriz energética rumo a configurações mais sustentáveis. Materiais para aplicação, por exemplo, em dispositivos como células a combustível, baterias e sensores.

“A termodinâmica clássica foi muito estudada, as coisas funcionam, temos capacidade de previsão, mas só em condições de equilíbrio. E o equilíbrio é um pouco sem graça”, resume Raphael Nagao, professor do Instituto de Química da Unicamp. “É natural que façamos primeiro a parte mais simples. Mas um universo de possibilidades existentes entre o começo da reação e o equilíbrio fica de fora, e é nessas possibilidades que estamos interessados”, complementa, ao comentar as pesquisas que o grupo realiza com dispositivos eletroquímicos.

Dispositivos eletroquímicos muito conhecidos são as pilhas e baterias, nos quais o interesse maior está na corrente elétrica gerada pelo transporte de cargas (elétrons) entre os polos negativo e positivo (eletrodos) através de uma solução (eletrólito). Porém, além da corrente, as reações de redução (ganho de elétrons) e oxidação (perda) que acontecem nestes dispositivos levam à deposição ou à dissolução de materiais sobre os eletrodos. A deposição eletroquímica está, por exemplo, por trás dos processos que conhecemos como niquelação, galvanização e cromagem, comuns na indústria automobilística.

Comumente, a obtenção de materiais por deposição ou dissolução eletroquímica é feita em uma abordagem mais convencional, em que oscilações nas variáveis principais, como corrente e potencial, são indesejadas e, portanto, evitadas.

O objetivo dos pesquisadores que têm trabalhado com auto-organização é compreender melhor o que acontece fora do equilíbrio e verificar como controlar com precisão e racionalizar o crescimento de padrões e estruturas. Nagao cita o exemplo de materiais a base de cobre, essenciais à redução do CO2 (a reação química, não a diminuição da quantidade, embora uma coisa leve à outra). Essa reação de redução visa a transformação do gás causador de efeito estufa em combustíveis e produtos químicos de alto valor agregado.

“Nós conhecemos alguns sistemas eletroquímicos que permitem a manipulação da estruturação de cobre e óxido de cobre. Nossa ideia é fazer a síntese destes materiais de forma auto-organizada, controlando a estruturação, e, então, verificar se há um diferencial no que diz respeito à eficiência da conversão de CO2, na comparação com a deposição em condições nas quais não há oscilações”, explica.

O campo, no entanto, ainda é novo, e demanda muita pesquisa básica junto às indagações sobre possíveis efeitos tecnológicos. “Embora existam bases matemáticas para o estudo de sistemas fora do equilíbrio, ainda estamos muito longe de conseguir entender profundamente o que acontece. Mas não podemos deixar de investigar, por causa disso, se é possível usar, nas nossas sínteses, esses mecanismos que encontramos em seres vivos e que são tão bem sucedidos”, conclui Nagao.

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Como transformar tijolos em baterias e a sua parede em um carregador https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/08/20/como-transformar-tijolos-em-baterias-e-a-sua-parede-em-um-carregador/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/08/20/como-transformar-tijolos-em-baterias-e-a-sua-parede-em-um-carregador/#respond Thu, 20 Aug 2020 20:13:11 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/08/brick-wall-pixabay-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=120 Tijolos de barro são usados para construção há milhares de anos, e raramente tiveram outras finalidades. Agora, cientistas propuseram uma aplicação que une dois dos maiores desafios tecnológicos da atualidade: materiais de construção inteligentes e, principalmente, dispositivos de armazenamento adequados à transição energética para modelos mais sustentáveis.

Os pesquisadores, da Universidade de Washington em St. Louis, nos Estados Unidos, aproveitaram três características dos tijolos: porosidade, resistência mecânica e a presença de hematita (Fe2O3, óxido de ferro, ou a popular ferrugem). A partir delas, testaram uma rota de síntese para transformar pares de tijolos em eletrodos e, assim, armazenar energia, como em uma bateria.

Mais precisamente, a transformação resulta em um supercapacitor, mas quem sabe o que é um supercapacitor (eu, ao menos, desconhecia até bem pouco tempo atrás)?

Supercapacitores, como as baterias, são dispositivos para armazenar energia. No entanto, cada um tem suas propriedades e, assim, diferentes aplicações. Baterias armazenam maiores quantidades de energia, e supercapacitores são mais rápidos na carga e descarga. Em um veículo elétrico, por exemplo, supercapacitores são responsáveis pela entrega rápida da energia necessária ao início do movimento, mas quem mantém o carro andando é a energia armazenada nas baterias.

Outra vantagem dos supercapacitores é a sua durabilidade, já que suportam mais ciclos de carga e descarga. No caso dos tijolos, os pesquisadores estimaram essa capacidade em até 10 mil ciclos.

Embora chame a atenção o produto final, ou seja, o tijolo-supercapacitor, o principal resultado do estudo, publicado recentemente no periódico Nature Communications, é mostrar a viabilidade da rota de síntese. A rota adotada resulta na deposição de nanofibras de um polímero condutor de energia na superfície do tijolo e, assim, em um revestimento plástico que possibilita o armazenamento dessa energia.

Nesse processo – chamado de síntese em fase de vapor –, ácido clorídrico (HCl) vaporizado passa pelos poros do tijolo e interage com a hematita liberando um íon de ferro (Fe3+). Assim, é desencadeada a polimerização de monômeros (chamados de EDOT e disponíveis também como vapor) por uma rota que leva à deposição de um polímero (PEDOT, com o P acrescentado vindo justamente de polímero) com as características desejadas: baixa resistência elétrica e estabilidade química e física.

Polimerização é o nome dado justamente à reação química que leva moléculas menores, os monômeros, a formarem cadeias maiores, os polímeros. São várias as formas de polimerização e, neste caso, o controle da reação para que se obtivesse o material condutor e estável foi o grande avanço da pesquisa.

Novos materiais – e novas rotas de síntese para materiais já existentes – são centrais no desenvolvimento de dispositivos de armazenamento que concretizem todo o potencial de fontes mais limpas de energia, como a solar e a eólica. A pesquisa da Universidade de Washington é um avanço nesta direção, embora seja o que se chama, em ciência, de prova de conceito, uma vez que o supercapacitor testado acendeu apenas uma pequena lâmpada de LED.

No entanto, segundo os autores, o método é escalonável, viável economicamente e versátil. Algumas das aplicações já sugeridas são na alimentação de sensores, etiquetas (tags) de sistemas de comunicação RFID (identificação por rádio frequência), microrrobôs e outros microdispositivos embutidos em edifícios e cidades inteligentes.

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Canudos reciclados agregam segurança e economia à produção de concreto https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/03/04/canudos-reciclados-agregam-seguranca-e-economia-a-producao-de-concreto/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/03/04/canudos-reciclados-agregam-seguranca-e-economia-a-producao-de-concreto/#respond Wed, 04 Mar 2020 17:43:27 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/03/fibras-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=87 Como milhões de outras pessoas, Rafael Salomão assistiu e se impressionou com o vídeo de biólogos retirando um canudo de plástico da narina de uma tartaruga marinha na Costa Rica. Publicadas em agosto de 2015, as imagens desencadearam um movimento mundial pelo banimento dos canudinhos e de combate à poluição plástica. Salomão pôde dar a sua contribuição à solução do problema, ao propor um uso nobre para os canudos descartados: como aditivo para diminuir riscos de explosão e promover economia de energia no processo de fabricação de concretos refratários para a indústria siderúrgica.

Como muitos certamente já viram em canteiros de obras, a preparação do concreto envolve a adição de água para homogeneização das matérias-primas e, também, para ativar a reação química que leva o cimento a unir as partículas do concreto e consolidar todo o sistema. Na indústria siderúrgica, a hidratação também permite que o concreto flua e seja moldado em formatos complexos, para revestir equipamentos que suportam temperaturas de até 1.800ºC.

Após o cimento endurecer, a água utilizada na mistura permanece na estrutura do concreto. Na siderurgia, isto gera problemas durante o aquecimento inicial do revestimento de concreto refratário, da temperatura ambiente à temperatura de uso. Na primeira etapa, chamada de secagem –com temperaturas de 100 a 200ºC–, a baixa permeabilidade do concreto impede que o vapor de água saia da estrutura, e a pressão exercida pode gerar explosões. Na construção civil, o mesmo problema aparece no caso de incêndios, em que vigas e pilastras de concreto podem explodir e, com isso, enfraquecer toda a estrutura de um edifício.

Fibras poliméricas são usadas como aditivos para acelerar o processo de secagem do concreto e evitar explosões desde o final da década de 1980. Durante o seu doutorado, realizado de 2002 a 2005 junto ao Grupo de Engenharia de Microestrutura de Materiais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Salomão pesquisou justamente os melhores materiais e parâmetros de fabricação para essas fibras. Dentre outros resultados, os pesquisadores desenvolveram um equipamento para produzir as fibras em escala de laboratório e, assim, facilitar o teste de diferentes materiais.

Uma conclusão importante foi que, quanto menor a temperatura de fusão da fibra, melhor seu desempenho no concreto. A ação do aditivo se dá pela formação de canais nos lugares onde a fibra derrete e, com o aumento ainda maior da temperatura, se decompõe, deixando espaço para a saída do vapor de água. “Quanto menor a temperatura de fusão da fibra, menor a temperatura necessária para a saída do vapor e, assim, menores a pressurização e o risco de explosão”, explica Salomão.

“Um bom paralelo com o risco de explosão caso a pressão do vapor de água não seja aliviada é uma panela de pressão. Uma panela com válvula entupida é como o concreto sem fibras: se continuar a aquecer, explode. As fibras atuam como a válvula de segurança que derrete e se abre antes da panela explodir. Se a válvula for feita de um polímero com alto ponto de fusão, a panela explodirá antes dela derreter”, compara o pesquisador.

Os materiais dos canudos plásticos apresentam propriedades que dificultam sua reciclagem e a utilização na maior parte das aplicações, o que leva à necessidade de uma destinação especial para o material descartado, junto com a redução do consumo. Foi este o desafio que levou Salomão, desde 2010 professor do Departamento de Engenharia de Materiais da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da Universidade de São Paulo (USP), a pensar em testá-los na produção de fibras para a secagem do concreto, utilizando o equipamento construído durante o seu doutorado. “Percebemos que havia uma fantástica oportunidade para gerar um duplo benefício ambiental, eliminando um resíduo do ambiente e economizando energia no processamento dos concretos”, relata o pesquisador.

Obter fibras com a resistência mecânica e o diâmetro necessários foi o maior desafio, durante os experimentos que aconteceram entre 2018 e 2019. A dificuldade vem justamente da degradação térmica que os canudos sofrem durante a reciclagem, que dificulta os processos de fiação e estiramento das fibras.

Mas os resultados não poderiam ser melhores: as fibras de material reciclado apresentaram desempenho significativamente superior às convencionais, derretendo a 140ºC, quando as demais fundem ao atingir 170ºC. Além disso, uma das propriedades que caracteriza o material dos canudos como inferior –o chamado índice de fluidez, MFI, do inglês “melting flow index”–, por ser menos rígido e resistente, nesta aplicação faz com que as fibras fundidas resultem em um líquido pouco viscoso e, assim, facilmente deformado pelo vapor pressurizado em seu caminho até a superfície do concreto. “O que, na enorme maioria dos casos, é uma desvantagem, nesta aplicação é uma importante vantagem técnica”, destaca Salomão.

Devido ao tamanho elevado das peças de concreto refratário utilizadas na indústria siderúrgica, o aquecimento inicial leva alguns dias, em que se queima combustível sem produzir aço. Com o baixo ponto de fusão das fibras de material reciclado e consequente saída de vapor em temperaturas mais baixas, o processo torna-se, além de mais seguro, mais rápido e, assim, mais econômico.

Os resultados da pesquisa acabam de ser publicados no periódico científico Ceramics International, em artigo assinado também por Victor Carlos Pandolfelli, professor no Departamento de Engenharia de Materiais da UFSCar e orientador de Salomão no doutorado. Apesar das fibras terem sido testadas apenas em concretos refratários, os resultados obtidos indicam a possibilidade de uso na construção civil. Assim, a quantidade de fibras necessária seria suficiente para empregar o volume total de canudos consumido mundialmente a cada ano e, segundo os autores, outros tipos de polímero também poderiam ser reciclados para essa aplicação.

Para o futuro, Rafael Salomão conta que as fibras serão testadas em outros tipos de concretos refratários e em combinação com outros aditivos de secagem. Há também planos para testar os efeitos antes do aquecimento, para checar se as fibras contribuem para o aumento da resistência do concreto ao impacto e à fratura. No entanto, há desafios anteriores a serem superados. “Como em qualquer processo baseado em reciclagem de materiais, o grande desafio é a coleta seletiva dos canudos e seu tratamento para evitar a contaminação com outros tipos de polímeros, que pode inviabilizar o reprocessamento”, registra o pesquisador.

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Inteligência artificial promete futuro com materiais sob medida https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/02/26/inteligencia-artificial-promete-futuro-com-materiais-sob-medida/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/02/26/inteligencia-artificial-promete-futuro-com-materiais-sob-medida/#respond Wed, 26 Feb 2020 22:56:19 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/02/hal9000-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=79 O ser humano sempre procurou materiais que pudessem satisfazer seus desejos e necessidades, mas a forma como essa busca se dá mudou ao longo do tempo.

Nas idades pré-históricas identificadas com diferentes materiais (pedra, bronze, ferro), partia-se de propriedades evidentes desses materiais –a dureza, por exemplo– para o uso em aplicações como caça e guerra.

Depois, e até muito recentemente, passamos a criar novos materiais por um processo empírico de tentativa e erro, ainda que informado pelo conhecimento experimental e teórico acumulado e, depois, também por simulações computacionais. Esses novos materiais, sintetizados com participação significativa do acaso –tanta que o processo é apelidado por pesquisadores de “tente e tenha sorte”–, são então caracterizados para conhecimento profundo de suas propriedades e, a partir desse conhecimento, sugestão de novas aplicações.

Agora, o que a ciência de dados e a inteligência artificial prometem é o processo inverso, em que imaginamos uma aplicação e perguntamos à máquina qual material mais provavelmente terá as propriedades necessárias.

O Materials Genome Initiative, programa do governo Obama lançado em 2011 para dobrar a velocidade e, concomitantemente, reduzir o custo da descoberta de novos materiais, é considerado um marco no desenvolvimento da área. A iniciativa destaca a existência de um intervalo que vai de 10 a 20 anos para um novo material chegar ao mercado e atribui esse tempo à dependência da intuição científica associada ao processo de tentativa e erro. Para diminui-lo, propõe, sobretudo, o investimento em ferramentas da ciência de dados.

“Os métodos de inteligência artificial são estudados desde os anos 1980. A mudança que temos agora é uma quantidade muito grande de dados disponíveis”, situa Gustavo Martini Dalpian, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) que tem usado essas ferramentas na busca de novos materiais para aplicações em energia. “Hoje, há ações envolvendo big data para quase todas as vertentes de materiais para energia. Há pessoas procurando materiais para células solares de perovskitas, para baterias de lítio mais eficientes, novos materiais termoelétricos”, exemplifica.

Em 2019, Dalpian e o estudante de doutorado Douglas José Baquião Ribeiro publicaram artigo relatando a busca por materiais para as chamadas células solares de banda intermediária, que prometem eficiência superior às células fotovoltaicas convencionais. Com o apoio da técnica de screening, os pesquisadores partiram de um conjunto de quase 50 mil possibilidades para chegar em uma lista com apenas três materiais.

“Os bancos disponibilizam volumes imensos de informações sobre propriedades de materiais já sintetizados e hipotéticos. Se queremos, por exemplo, encontrar um material com dureza próxima à do diamante, a ideia é procurar nos bancos de dados aqueles que possuem um módulo de compressibilidade volumétrica grande, e estes potencialmente serão bons candidatos. O desafio passa a ser, portanto, definir quais propriedades precisam ser buscadas, as quais chamamos de descritores”, explica Dalpian.

O que o screening e outros métodos permitem, portanto, é o melhor aproveitamento de dados acumulados sobre materiais, resultantes de décadas de trabalho experimental e simulações computacionais. Esses dados tornam possível prever propriedades de novos materiais, com o uso de técnicas de inteligência artificial. Dentre essas técnicas, destaca-se a aprendizagem de máquina (machine learning), cujos algoritmos são capazes de identificar correlações complexas entre composição, estrutura e propriedades dos materiais, muito difíceis de serem detectadas pelos métodos tradicionais. Com isso, detectam padrões e aprendem tendências mesmo sem compreender os mecanismos físicos por trás de um determinado resultado.

Universo inexplorado

A revista Science, em nota sobre o tema publicada recentemente, registra que pode chegar à casa dos bilhões o número de materiais ainda desconhecidos. Destes, a grande maioria é irrelevante, o que transforma a procura por materiais de interesse, nas palavras do periódico, em uma busca por agulhas no palheiro.

Os vidros são uma classe de materiais que ilustra bem este desafio. Das 1052 composições vítreas estimadas como possíveis –a partir de combinações entre os elementos da tabela periódica–, apenas 105 vidros já foram sintetizados. Este universo inexplorado traz grandes oportunidades e, vislumbrando esse potencial, Edgar Dutra Zanotto, professor do Departamento de Engenharia de Materiais (DEMa) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Diretor do Centro de Pesquisa, Tecnologia e Educação em Materiais Vítreos (Certev), iniciou há pouco mais de dois anos o trabalho com ferramentas de ciência de dados. Para tanto, buscou a parceria de André Carlos Ponce de Leon Ferreira de Carvalho, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da Universidade de São Paulo (USP).

Em um primeiro artigo, publicado em outubro de 2018, os pesquisadores treinaram um algoritmo para previsão de uma propriedade fundamental na produção de vidros, a temperatura de transição vítrea (Tg). O treinamento foi realizado a partir de dados com a Tg de 55.000 composições vítreas.

Agora, o grupo acaba de publicar um segundo artigo que compara a performance de seis algoritmos diferentes na previsão da mesma propriedade e, para os próximos meses, está previsto o primeiro trabalho que insere outras propriedades nos cálculos realizados. A meta é chegar em softwares de design inverso de vidros, ou seja, nos quais são inseridas as propriedades desejadas para obter um pequeno conjunto de composições a serem testadas empiricamente.

Neste caso, além da economia de tempo e dinheiro, há o potencial de obter materiais com propriedades e aplicações exóticas. Isto porque vidros com até 10 elementos químicos em sua composição são comuns, mas acima disso é muito mais difícil experimentar sem o apoio da inteligência artificial.

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Jovens cientistas do Brasil destacam-se ligando teoria e experimentos https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/02/11/jovens-cientistas-do-brasil-destacam-se-ligando-teoria-e-experimentos/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/02/11/jovens-cientistas-do-brasil-destacam-se-ligando-teoria-e-experimentos/#respond Tue, 11 Feb 2020 19:25:24 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/02/holofote-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=59 Amanda Fernandes Gouveia é química, com mestrado e doutorado na área, atualmente realizando pós-doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A pesquisadora integra a equipe do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF), sediado na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Luiz Felipe Cavalcanti Pereira é físico, também mestre e doutor na mesma área,  iniciando sua trajetória como professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) depois de um período na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Em comum, os dois têm a condição de finalistas em premiação internacional na área de ciência computacional de materiais, junto com 24 outros jovens pesquisadores da China, França, Alemanha, Itália, Suíça, Reino Unido e Estados Unidos.

O Rising Stars in Computational Materials Science Prize (Prêmio Estrelas em Ascensão em Ciência Computacional de Materiais) reconhece o potencial de pesquisadores em início de carreira, até 10 anos depois de receberem o título de doutor. “Eles representam o futuro do campo, e buscamos atrair atenção internacional para seu trabalho para que possam, eventualmente, receber novos incentivos à carreira”, afirma Susan Sinnot, editora chefe do periódico Computational Materials Science, que promove a premiação.

Além da inclusão entre os finalistas, os dois pesquisadores brasileiros têm em comum a busca por novos materiais para a produção ou armazenamento de energia, ainda que por caminhos diferentes.

Amanda Gouveia, pesquisadora do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (Crédito: Divulgação)
Amanda Gouveia, pesquisadora do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (Crédito: Divulgação)

Amanda Gouveia utiliza a química teórica no estudo e modelagem de materiais chamados de fotocatalisadores, semicondutores com propriedades fotocatalíticas. Fotocatalisadores aceleram fotorreações, ou seja, reações químicas provocadas pela luz. “Eles são considerados uma tecnologia promissora para novos sistemas de armazenamento de energia, essenciais para processos que vão da purificação de água à esterilização de instrumentos cirúrgicos”, explica Gouveia.

Já as pesquisas de Pereira buscam descrever a condução de calor e eletricidade em materiais nanoestruturados, ou seja, com estrutura em dimensões nanométricas. Dentre esses materiais estão grafeno e similares, que em alguns casos têm espessura de um único átomo. Uma das potenciais aplicações é no controle da condutividade térmica de nanofitas formadas por grafeno e nitreto de boro, que podem ser utilizadas, por exemplo, na produção de energia elétrica a partir do calor dissipado em indústrias e automóveis.

Luiz Felipe Pereira, professor da UFRN
Luiz Felipe Pereira, professor do Departamento de Física da UFPE (Crédito: Arquivo pessoal)

Em ambos os casos, as simulações computacionais são ferramentas indispensáveis, que estabelecem pontes entre o conhecimento teórico e resultados experimentais.

Para entender essa relação, é importante primeiro lembrar que, na escala nanoscópica, o comportamento dos objetos não é descrito pela física clássica (newtoniana) que aprendemos na escola, mas sim pela mecânica quântica. Assim, em objetos com tamanho comparável ao dos átomos, são observados comportamentos –por exemplo, de condução de eletricidade– muito diferentes dos que vemos na escala do nosso cotidiano.

Para investigar e compreender esses comportamentos, a combinação entre estudos teóricos, analíticos, e experimentos, é imprescindível. “É possível descrever o comportamento de um átomo analiticamente –com papel e caneta– utilizando as leis da mecânica quântica de forma razoavelmente precisa, usando apenas pequenas aproximações. Para um pequeno conjunto de átomos, uma molécula, por exemplo, as equações se tornam muito complicadas e é necessário recorrer a aproximações maiores. Descrever analiticamente o comportamento quântico de um objeto, como um fio nanoscópico, por exemplo, é praticamente impossível”, explica Pereira. “Por outro lado, do ponto de vista experimental, é muito difícil construir de maneira controlada objetos que contenham apenas alguns átomos. E, mesmo quando eles podem ser construídos, não costumam ter muita utilidade no mundo real”, complementa.

No trabalho de Amanda Gouveia, examinar a atividade fotocatalítica em profundidade e aprimorar materiais para uma próxima geração de fotocatalisadores exige, justamente, resolução quase atômica (ou seja, em que é possível observar cada átomo individualmente). “Associo os resultados experimentais aos teóricos, uma vez que, nas últimas décadas, a modelagem molecular foi estabelecida como técnica valiosa para revelar conhecimentos fundamentais sobre os problemas no nível atomístico. Os estudos teóricos não só captam os efeitos geométricos e eletrônicos sobre a atividade fotocatalítica, mas também são capazes de explicar e racionalizar os dados experimentais”, conta a pesquisadora.

“Nosso objetivo é justamente construir uma ponte entre os modelos teóricos baseados nas leis fundamentais da mecânica quântica e os experimentos realizados em sistemas com milhões de átomos”, situa Pereira. “Em muitos casos, conseguimos utilizar simulações muito sofisticadas para fazer essa ponte entre modelos teóricos muito simplificados e medidas experimentais muito complexas. Isto ajuda a entender as propriedades e os fenômenos observados nos materiais estudados, o que não seria possível apenas com modelos teóricos ou experimentos”, reitera.

Os finalistas do Rising Stars, que está em sua segunda edição, são convidados a preparar artigo sobre sua pesquisa para publicação em edição especial da revista Computational Materials Science, prevista para o início de 2021. Neste momento, também serão anunciados os vencedores que, além de quantia em dinheiro, passam a integrar o conselho editorial da publicação.

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Previsões para a ciência em 2020 destacam materiais https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/01/29/previsoes-para-a-ciencia-em-2020-destacam-materiais/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/01/29/previsoes-para-a-ciencia-em-2020-destacam-materiais/#respond Wed, 29 Jan 2020 19:55:11 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/perovskita-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=48 Como nos restam alguns dias de janeiro, ainda cabe registrar que, dentre infindáveis retrospectivas e previsões na passagem do ano, a da Nature coloca em destaque a pesquisa em materiais. A revista indicou 10 tópicos nos quais prestar atenção em 2020, dois deles em materiais.

A busca por materiais supercondutores em temperatura ambiente –um sonho dos físicos, segundo a Nature– é uma das áreas com potencial de avanço significativo neste último ano da década.

A supercondutividade foi descoberta em 1911, rendendo ao holandês Heike Kamerlingh Onnes o prêmio Nobel de Física em 1913. Desde então, foram ao menos outros quatro Nobel para o fenômeno em que materiais transmitem corrente elétrica com resistência zero. No entanto, a supercondutividade só se manifesta abaixo de uma determinada temperatura crítica (Tc), específica de cada material.

Até 1986, a supercondutividade era considerada uma propriedade da matéria em baixíssimas temperaturas, e se supunha inclusive a existência de um limite natural à sua manifestação acima dos 30 graus Kelvin (-243,15ºC). Mas, naquele ano, este limite foi transposto e, desde então, a temperatura não parou de subir.

Se não estamos mais familiarizados com os supercondutores é justamente porque suas aplicações são restritas às baixíssimas temperaturas. Porém, em condições mais próximas àquelas em que vivemos, o potencial de uso cresce imensamente, com aplicações que vão da geração, transmissão e armazenamento de energia com grande eficiência à computação quântica.

Em 2018, um novo recorde foi quebrado, com o primeiro dos chamados super-hidretos, compostos com grande quantidade de hidrogênio. O pioneiro, com lantânio (LaH10), é supercondutor por volta dos -23ºC, e a busca agora é pelo super-hidreto de ítrio (YH10), cuja Tc, segundo previsões teóricas, chega aos 53ºC.

Todos esses resultados foram obtidos em condições extremas, em minúsculas quantidades e em pressão equivalente a cerca de dois milhões de vezes aquela à qual nós estamos submetidos. Mesmo assim, são superlativas as palavras usadas pelos pesquisadores para falar sobre sua busca.

Um pouco menos distante parece a aplicação de outra classe de materiais destacada pela Nature: as perovskitas.

Perovsquê?

O nome ainda soa estranho, mas devemos ouvi-lo cada vez mais no futuro próximo.

As perovskitas compreendem um conjunto de materiais com diferentes composições e um mesmo tipo de estrutura cristalina. Elas começaram a ser pesquisadas em 2009, como alternativa ao silício convencionalmente usado nos painéis fotovoltaicos. Além de mais baratas e fáceis de produzir, as perovskitas saltaram de 3,8% de eficiência na conversão de radiação solar em energia elétrica para 20% em menos de uma década, o que agitou a comunidade científica e, também, as indústrias do setor.

Restam, aqui também, alguns desafios. O primeiro é produzir células solares com perovskita em grande escala, já que os resultados obtidos em laboratório ainda não conseguem ser reproduzidos em formatos maiores. Outro obstáculo a ser superado é a presença de chumbo nas células que demonstraram maior eficiência até o momento, já que o elemento é tóxico. A estabilidade dos filmes de perovskita diante de fatores ambientais como umidade e temperatura também é uma questão importante.

Junto com a possibilidade de comercialização de painéis com perovskita, a Nature tem outra aposta na área de energia: as baterias de estado sólido, prometidas pela Toyota para julho, em lançamento de protótipo de carro elétrico previsto para acontecer nos Jogos Olímpicos de Tóquio.

As baterias de íons de lítio, criadas em 1970 —e premiadas com o Nobel de Química no ano passado–, ainda hoje figuram entre os principais dispositivos para armazenamento de energia. Mas sua capacidade precisa de um upgrade, diante das crescentes demandas não só de veículos elétricos, mas da transição para energia de fontes renováveis, como a solar, que precisa ser armazenada.

Aí também são os materiais a fronteira do desenvolvimento.

Baterias são, fundamentalmente, compostas por dois eletrodos –um configurando um polo positivo e outro o negativo– e o eletrólito –meio de propagação da corrente elétrica entre os eletrodos. Convencionalmente, o eletrólito é um meio líquido, mas eletrólitos sólidos prometem maior densidade energética (além de segurança), inclusive pela possibilidade de uso de novos materiais, mais eficientes, nos eletrodos.

Novos materiais supercondutores, células solares de perovskitas e baterias mais eficientes são todos constituintes da busca por um novo modelo energético e evidenciam, assim, a relevância da pesquisa em novos materiais no combate à emergência climática.

Dentre os 10 eventos destacados pela Nature, dois outros, além dos já mencionados, aparecem pela sua relação com o clima: a 26ª Conferência do Clima da ONU (COP-26) e o resultado das eleições presidenciais nos Estados Unidos, ambos previstos para novembro. E outros dois tangenciam a área de materiais: a série de missões espaciais com destino a Marte programadas para este ano e a definição orçamentária sobre um novo colisor de partículas europeu.

Por tudo isso, o ano, que está só começando, promete. Também aqui no Brasil, onde grupos de pesquisa atuam na fronteira do conhecimento nas diferentes linhas registradas: supercondutores, perovskitas e baterias. Sínteses acompanhará e compartilhará os avanços, principais resultados e, também, eventuais obstáculos ou reveses.

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Materiais, ilustres desconhecidos https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/01/07/materiais-ilustres-desconhecidos/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/01/07/materiais-ilustres-desconhecidos/#respond Tue, 07 Jan 2020 05:00:24 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/diamante-300x215.png https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=17 A descoberta e o aprimoramento de materiais são centrais nos principais desafios enfrentados pela humanidade.

Um exemplo é a questão energética. O desenvolvimento de materiais é o limite –e, também, a grande esperança– para o uso em larga escala de fontes mais sustentáveis e ambientalmente adequadas de energia.

Sobre materiais se debruça a pesquisa de dispositivos que possam converter energia solar em elétrica com maior eficiência. Novos modos de armazenamento e transporte da energia limpa também dependem de novos materiais, assim como alguns processos de redução do CO2 na atmosfera.

Outros exemplos não faltam, nas áreas da saúde, de ciência e tecnologia de informação, ambiental, de produção de alimentos… Mesmo assim, a maioria de nós conhece muito pouco sobre materiais.

Imagino que boa parte das pessoas ainda não tenha gasto algum tempo para pensar em materiais além daquilo que eles significam em nossa vida e na linguagem cotidiana. Pensamos em materiais como os itens que precisamos para iniciar o ano escolar ou um novo projeto de artesanato ou bricolagem. Na comparação entre dois objetos – duas peças de roupa, por exemplo –, pensamos naquilo de que são feitos ao analisamos as diferentes características que apresentam.

No meu caso, hoje percebo, havia um pensamento mágico. Os materiais simplesmente estavam lá, desempenhando suas funções. Alguns sustentando uma casa em pé, outros ajudando um avião a voar, transportando informações, participando do conserto de um osso quebrado, protegendo do fogo ou do frio, dentre tantas outras necessidades do passado, atuais ou que ainda nem sonhamos que um dia teremos.

Essa relação começou a mudar depois de alguns anos atuando na área da divulgação do conhecimento científico, junto a importantes centros de pesquisa e ensino na área de materiais. Não foi rápido nem fácil, mas um dia compreendi que a maior parte dos materiais não estão prontinhos por aí dando sopa.

Materiais nascem de uma necessidade – por exemplo, de produção de carros cada vez mais econômicos e seguros. Diferentes necessidades estão relacionadas à demanda por diferentes propriedades desses materiais (mecânicas, ópticas, magnéticas, biológicas, dentre várias outras). Tais propriedades, por sua vez, são alcançadas pelo conhecimento profundo de um material, até o menor nível da matéria, atômico, nanométrico. E, a partir desse conhecimento, vem a possibilidade de alterações na direção que se deseja.

A descoberta dessas associações também foi mágica. É prazeroso aprender um pouco mais a cada dia sobre a relação entre estrutura, propriedades e aplicações. Saber, por exemplo, que muitas vezes é da natureza que vem a inspiração para uma nova solução. Entender que várias descobertas acontecem quase por acaso, na busca por algo diferente, ou que há propriedades descobertas antes de existir aplicação para elas.

O blog Sínteses surge da vontade de compartilhar o conhecimento e o prazer das pequenas e grandes descobertas. Os textos abordarão aspectos fundamentais dos materiais, associando conceitos de física, química e outras áreas aos objetos do nosso dia a dia. Também teremos histórias das pesquisas mais recentes realizadas em todo o mundo e, sobretudo, no Brasil, cuja produção científica na área alcança relevância internacional.

Não sou cientista, mas, sim, jornalista de ciência, curiosa e com o conhecimento exigido para a formulação das perguntas necessárias e a organização das respostas de forma a tornar mais interessante e inteligível o que às vezes parece distante ou complicado demais.

Que seja uma boa jornada, para a qual conto com a participação do público na proposição de temas e questões. Conto, também, com a comunidade brasileira de ciência e de engenharia de materiais na sugestão de pesquisas e outros assuntos a serem abordados.

Ao trabalho!

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