Sínteses https://sinteses.blogfolha.uol.com.br Da Idade da Pedra à 'febre do grafeno', um blog sobre tudo aquilo de que o mundo é feito Sun, 21 Mar 2021 19:10:18 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Forte como um ouriço https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/02/13/forte-como-um-ourico/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/02/13/forte-como-um-ourico/#respond Thu, 13 Feb 2020 11:00:42 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/02/ourico-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=66 Você já viu a casca da castanha do Pará?

Não o invólucro marrom de três faces que envolve cada castanha, em formato de esfiha (ou alguém me ajuda com uma analogia melhor?).

Muito menos os restos de película escura que sobram nas castanhas, alimento tão brasileiro e, ao mesmo tempo, pouco familiar na sua aparência original.

Alguém conhece o ouriço, fruto esférico da castanheira, que abriga uma ou duas dezenas de sementes (as castanhas), não se quebra na queda de árvores que podem chegar aos 50 metros de altura e, normalmente, é rompido pelos dentes de um único animal, a cotia?

Marília Sonego não o conhecia. Até que um tio trouxe um exemplar para casa, de Porto Velho, e, com o pai da pesquisadora, embarcou em uma saga para serrá-lo em duas partes com vistas à produção de um cinzeiro. “Eu estava no mestrado, buscando um tema para a minha pesquisa de doutorado, já com interesse em materiais biológicos. Fiquei intrigada com toda aquela dificuldade para abrir o ouriço”, conta a hoje quase doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência e Engenharia de Materiais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com defesa da tese marcada para o próximo mês de março.

Quatro anos depois, Marília Sonego tem grande chance de ser a maior conhecedora do mesocarpo do fruto da castanheira em todo o mundo. Seu doutorado buscou, primeiramente, caracterizar a camada responsável pela notável resistência mecânica do ouriço –o tal mesocarpo, situado entre uma camada mais externa que apodrece no amadurecimento e um endocarpo muito fino para sustentar qualquer coisa. Geralmente, este é um trabalho realizado por especialistas na área da botânica, mas, como não achou a descrição na literatura já existente, a engenheira de materiais arregaçou as próprias mangas.

Além disso, o trabalho buscou estratégias para utilizar as estruturas encontradas em novos materiais, em um processo conhecido como bioinspiração ou biomimetismo. “Na natureza, os materiais estão sujeitos às mesmas leis e enfrentam os mesmos problemas que nós no laboratório, na indústria, na arquitetura… Enfrentam, por exemplo, a gravidade, o atrito, a degradação pela luz do sol… A diferença é que a natureza teve bilhões de anos para ir encontrando as soluções, por tentativa e erro, e entender as estratégias que ela desenvolveu pode ajudar muito”, situa a pesquisadora.

No esforço de caracterização do ouriço, Sonego utilizou equipamentos de microscopia e tomografia e, também, experimentos para verificar a composição química e ensaios mecânicos para mensurar a performance do mesocarpo sob compressão e tração e outras propriedades relacionadas à tenacidade do material. Em compressão, o ouriço da castanha do Pará se mostrou mais difícil de quebrar que as cascas de todas as outras castanhas estudadas, dentre as quais a macadâmia, segunda colocada; amêndoas, avelãs e nozes.

Já os exames de imagem e análises químicas revelaram detalhes da estrutura do ouriço em diferentes níveis: do macroscópico ao molecular, passando pelo celular (microscópico) e pelo chamado nível fibrilar (nanoscópico). Foi no nível celular que Sonego encontrou a inspiração central para o material proposto ao final da pesquisa. “Todas as escalas têm as suas estratégias, que se conectam, e é essa organização hierárquica que explica como componentes relativamente fracos podem resultar em um sistema com propriedades excepcionais. Mas esta é uma complexidade difícil de reproduzir artificialmente, e eu precisei fazer escolhas”, revela a pesquisadora.

Os principais resultados encontrados podem ser resumidos em duas características. Uma é a combinação entre dois tipos de células presentes, as fibras, alongadas, e as esclereides, esféricas, ambas ocas e com grossas paredes celulares. A outra é o posicionamento das fibras em três camadas com orientações distintas, como um sanduíche com duas camadas na vertical e uma camada central na horizontal.

A combinação de fibras e esclereides pode ser comparada a uma treliça (formada pelas fibras) com espaços preenchidos por espuma (as esclereides ocas). Esta é uma estratégia que permite a presença de material mais resistente onde é necessário suportar maior carga, com o restante preenchido por elementos menos densos, o que reduz o peso final da estrutura.

Além disso, essa organização sugere um mecanismo dificultador da propagação de trincas análogo ao que vemos em paredes de tijolo aparente. Nelas, o posicionamento dos tijolos em fileiras deslocadas faz com que a trinca tenda a desviar dos tijolos, que exigem maior energia para serem quebrados. Assim, a trinca percorre um caminho mais longo, o que retarda a fratura. No ouriço, a trinca evitaria quebrar a parede celular de fibras e esclereides, se propagando pelas interfaces entre elas.

Já o posicionamento das fibras em diferentes orientações resulta em um efeito oposto ao que observamos em uma casca de banana. Na banana, as fibras estão posicionadas em um só sentido, de uma ponta a outra (longitudinal), o que dificulta o rompimento ao redor da fruta (latitudinal), mas permite que a descasquemos com facilidade, puxando a casca no sentido das fibras. No ouriço, como há fibras em todas as direções, há resistência em todas elas.

Considerando essas características, a pesquisadora propôs um material organizado em várias camadas de fibras de um polímero (PLA) reforçado por fibra de carbono. Essas camadas foram produzidas por impressão 3D, para chegar às diferentes orientações das fibras, verticais e horizontais. Os espaços entre as fibras foram preenchidos por uma espuma com esferas de vidro ocas imitando as esclereides, e todo o conjunto foi ligado com o uso de uma resina (epóxi).

O material resultante também foi submetido a testes para verificar seu desempenho mecânico, o que mostrou alguns bons resultados e evidenciou aprimoramentos necessários, como mudanças na quantidade e tamanho das bolinhas e a redução da diversidade de materiais aplicados.

“A etapa de caracterização foi longa. No primeiro ano inteiro, por exemplo, eu fiquei estudando biologia! Só cheguei à etapa de proposição do compósito no último ano, e minhas expectativas eram baixas devido à alta complexidade do ouriço. Mas obtivemos alguns bons resultados, e agora sei quais são os próximos passos a seguir. Eu só usei materiais comerciais, por exemplo, e uma possibilidade é desenvolver esses materiais aqui na universidade”, registra a pesquisadora.

A pesquisa de Sonego foi realizada em parceria com Luiz Antonio Pessan, seu orientador no doutorado, professor no Departamento de Engenharia de Materiais da UFSCar, e com Claudia Fleck, pesquisadora da Technische Universität Berlin, na Alemanha, onde a brasileira realizou alguns dos experimentos. O estudo recebeu financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

As diferentes etapas envolveram também outras colaborações, no Brasil e na Alemanha. Parte dos resultados já foram publicados em julho do ano passado na revista especializada Bioinspiration & Biomimetics, e um segundo artigo está aceito e deve sair em breve na Scientific Reports, do grupo Nature. O trabalho também foi apresentado em congressos na Alemanha, Austrália e no Canadá, além do Brasil.

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Previsões para a ciência em 2020 destacam materiais https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/01/29/previsoes-para-a-ciencia-em-2020-destacam-materiais/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/01/29/previsoes-para-a-ciencia-em-2020-destacam-materiais/#respond Wed, 29 Jan 2020 19:55:11 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/perovskita-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=48 Como nos restam alguns dias de janeiro, ainda cabe registrar que, dentre infindáveis retrospectivas e previsões na passagem do ano, a da Nature coloca em destaque a pesquisa em materiais. A revista indicou 10 tópicos nos quais prestar atenção em 2020, dois deles em materiais.

A busca por materiais supercondutores em temperatura ambiente –um sonho dos físicos, segundo a Nature– é uma das áreas com potencial de avanço significativo neste último ano da década.

A supercondutividade foi descoberta em 1911, rendendo ao holandês Heike Kamerlingh Onnes o prêmio Nobel de Física em 1913. Desde então, foram ao menos outros quatro Nobel para o fenômeno em que materiais transmitem corrente elétrica com resistência zero. No entanto, a supercondutividade só se manifesta abaixo de uma determinada temperatura crítica (Tc), específica de cada material.

Até 1986, a supercondutividade era considerada uma propriedade da matéria em baixíssimas temperaturas, e se supunha inclusive a existência de um limite natural à sua manifestação acima dos 30 graus Kelvin (-243,15ºC). Mas, naquele ano, este limite foi transposto e, desde então, a temperatura não parou de subir.

Se não estamos mais familiarizados com os supercondutores é justamente porque suas aplicações são restritas às baixíssimas temperaturas. Porém, em condições mais próximas àquelas em que vivemos, o potencial de uso cresce imensamente, com aplicações que vão da geração, transmissão e armazenamento de energia com grande eficiência à computação quântica.

Em 2018, um novo recorde foi quebrado, com o primeiro dos chamados super-hidretos, compostos com grande quantidade de hidrogênio. O pioneiro, com lantânio (LaH10), é supercondutor por volta dos -23ºC, e a busca agora é pelo super-hidreto de ítrio (YH10), cuja Tc, segundo previsões teóricas, chega aos 53ºC.

Todos esses resultados foram obtidos em condições extremas, em minúsculas quantidades e em pressão equivalente a cerca de dois milhões de vezes aquela à qual nós estamos submetidos. Mesmo assim, são superlativas as palavras usadas pelos pesquisadores para falar sobre sua busca.

Um pouco menos distante parece a aplicação de outra classe de materiais destacada pela Nature: as perovskitas.

Perovsquê?

O nome ainda soa estranho, mas devemos ouvi-lo cada vez mais no futuro próximo.

As perovskitas compreendem um conjunto de materiais com diferentes composições e um mesmo tipo de estrutura cristalina. Elas começaram a ser pesquisadas em 2009, como alternativa ao silício convencionalmente usado nos painéis fotovoltaicos. Além de mais baratas e fáceis de produzir, as perovskitas saltaram de 3,8% de eficiência na conversão de radiação solar em energia elétrica para 20% em menos de uma década, o que agitou a comunidade científica e, também, as indústrias do setor.

Restam, aqui também, alguns desafios. O primeiro é produzir células solares com perovskita em grande escala, já que os resultados obtidos em laboratório ainda não conseguem ser reproduzidos em formatos maiores. Outro obstáculo a ser superado é a presença de chumbo nas células que demonstraram maior eficiência até o momento, já que o elemento é tóxico. A estabilidade dos filmes de perovskita diante de fatores ambientais como umidade e temperatura também é uma questão importante.

Junto com a possibilidade de comercialização de painéis com perovskita, a Nature tem outra aposta na área de energia: as baterias de estado sólido, prometidas pela Toyota para julho, em lançamento de protótipo de carro elétrico previsto para acontecer nos Jogos Olímpicos de Tóquio.

As baterias de íons de lítio, criadas em 1970 —e premiadas com o Nobel de Química no ano passado–, ainda hoje figuram entre os principais dispositivos para armazenamento de energia. Mas sua capacidade precisa de um upgrade, diante das crescentes demandas não só de veículos elétricos, mas da transição para energia de fontes renováveis, como a solar, que precisa ser armazenada.

Aí também são os materiais a fronteira do desenvolvimento.

Baterias são, fundamentalmente, compostas por dois eletrodos –um configurando um polo positivo e outro o negativo– e o eletrólito –meio de propagação da corrente elétrica entre os eletrodos. Convencionalmente, o eletrólito é um meio líquido, mas eletrólitos sólidos prometem maior densidade energética (além de segurança), inclusive pela possibilidade de uso de novos materiais, mais eficientes, nos eletrodos.

Novos materiais supercondutores, células solares de perovskitas e baterias mais eficientes são todos constituintes da busca por um novo modelo energético e evidenciam, assim, a relevância da pesquisa em novos materiais no combate à emergência climática.

Dentre os 10 eventos destacados pela Nature, dois outros, além dos já mencionados, aparecem pela sua relação com o clima: a 26ª Conferência do Clima da ONU (COP-26) e o resultado das eleições presidenciais nos Estados Unidos, ambos previstos para novembro. E outros dois tangenciam a área de materiais: a série de missões espaciais com destino a Marte programadas para este ano e a definição orçamentária sobre um novo colisor de partículas europeu.

Por tudo isso, o ano, que está só começando, promete. Também aqui no Brasil, onde grupos de pesquisa atuam na fronteira do conhecimento nas diferentes linhas registradas: supercondutores, perovskitas e baterias. Sínteses acompanhará e compartilhará os avanços, principais resultados e, também, eventuais obstáculos ou reveses.

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De piscina de íons a bebedouro de bactérias, o potencial do hidrogel https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/01/23/de-piscina-de-ions-a-bebedouro-de-bacterias-o-potencial-do-hidrogel/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/01/23/de-piscina-de-ions-a-bebedouro-de-bacterias-o-potencial-do-hidrogel/#respond Thu, 23 Jan 2020 21:52:07 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/sensor-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=43 Hidrogel é um termo relativamente conhecido quando designa o produto usado em intervenções para aumento de coxas e nádegas. Infelizmente, a fama vem principalmente das complicações, que já resultaram inclusive na morte de pacientes. Também é um hidrogel o responsável pelo poder absorvente das fraldas descartáveis, e são feitas de hidrogel as bolinhas usadas para manter vasos sempre com água. Outro hidrogel familiar é a gelatina.

Além desses usos mais comuns, esta classe de materiais tem um campo de aplicações na fronteira do conhecimento que vai de pele artificial a tijolo, como ilustram pesquisas divulgadas recentemente.

Hidrogéis são redes tridimensionais de polímeros –naturais ou sintéticos– capazes de reter grande quantidade de água em sua estrutura. Outra característica importante é a elasticidade desses compostos.

Uma das novas aplicações, desenvolvida no Canadá, é um sensor que, grudado à pele, transforma estímulos mecânicos, como tensão e deformação, e outros sinais, como umidade, em sinais elétricos. O dispositivo foi batizado de AISkin (de pele iônica artificial em inglês), e os primeiros resultados foram publicados na revista Materials Horizons.

A previsão é que o sensor possa incrementar tecnologias vestíveis em áreas diversas. No artigo, os cientistas relatam testes bem-sucedidos com a detecção do movimento de um dedo da mão, o que poderia ajudar, na área da saúde, o acompanhamento de processos de reabilitação, por exemplo. Outro teste foi feito com um touch pad (painel sensível ao toque) grudado à mão de uma pessoa, no qual foi possível controlar ações em um jogo eletrônico no computador.

A inspiração para o novo sensor veio diretamente da pele humana, uma rede polimérica com presença de uma variedade de sensores neurais. Esses sensores transformam os estímulos recebidos –como um aperto de mão ou a aproximação do fogo– em sinais elétricos pelo transporte de íons (átomos eletricamente carregados, positiva ou negativamente, por terem perdido ou ganhado elétrons). Essa capacidade é chamada de transdução –a transformação de estímulo ou sinal de um tipo em outro.

As peles artificiais mais comuns são eletrônicas, fazendo essa transmissão de informações com base em elétrons, e não íons. Isto, segundo os criadores da AISkin, resulta em uma lacuna entre a pele humana e a alternativa artificial, e é para diminuir essa distância que o novo dispositivo foi pensado. Nele, o meio aquoso do hidrogel é que garante a movimentação dos íons entre duas camadas, uma com carga negativa e outra positiva, e consequentemente viabiliza a transdução dos estímulos recebidos em sinais elétricos.

Neste primeiro caso, portanto, o hidrogel é a estrutura que sustenta um sistema complexo junto à nossa pele. Em uma segunda aplicação, também divulgada nos últimos dias, ele hidrata e alimenta bactérias responsáveis pela produção de tijolos de concreto!

A pesquisa foi realizada na University of Colorado Boulder, Estados Unidos, e publicada na revista Matter. Os cientistas colocaram em um molde areia e bactérias que, após um processo chamado de biomineralização, resultaram em um cimento vivo.

Molde preenchido com areia, bactérias e hidrogel
Molde preenchido com areia, bactérias e hidrogel (Crédito: College of Engineering and Applied Science at University of Colorado Boulder)

O material é mais sustentável que o concreto convencional, cuja produção emite gases de efeito estufa (CO2). Além disso, ele tem potencial de aplicação em materiais inteligentes, que detectem, por exemplo, níveis de toxinas no ambiente.

Na biomineralização, carbonato de cálcio (CaCO3) é precipitado pelas bactérias, conferindo ao material maior resistência à fratura. É um processo análogo ao que acontece na produção das conchas dos moluscos, dentre outros seres vivos que produzem minerais. Para a fabricação de concreto, também está na mistura o hidrogel, que fornece a água e os nutrientes necessários à manutenção da vida das bactérias.

Dentre possíveis desenvolvimentos para o novo material, os pesquisadores propõem o uso em ambientes com recursos limitados e, até mesmo, em outro planeta: Marte, para onde poderia ser necessário transportar apenas as bactérias. E hidrogel.

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Solução fácil para resíduos plásticos é miragem https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/01/14/solucao-facil-para-residuos-plasticos-e-miragem/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/01/14/solucao-facil-para-residuos-plasticos-e-miragem/#respond Wed, 15 Jan 2020 00:38:47 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/plastico-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=32 A lei que proíbe o fornecimento de objetos plásticos descartáveis em estabelecimentos comerciais da cidade de São Paulo ganhou visibilidade nesta terça (13), ao ser sancionada pelo prefeito Bruno Covas.

As notícias destacam como a lei divide especialistas, ambientalistas, representantes da indústria e comerciantes. Um aspecto que precisa de atenção especial é o risco de algumas alternativas serem tão ou mais danosas que os pratos, copos, talheres e canudos originais.

Antes, é necessário precisar algumas denominações. Plásticos convencionais têm origem em recursos não renováveis –derivados do petróleo– e não são biodegradáveis, ou seja, não são decompostos por agentes biológicos vivos. Os compostáveis, além de biodegradáveis, não podem deixar resíduos tóxicos, dentre outras exigências. Bioplásticos vêm de fontes renováveis, como a mandioca e outras plantas, mas não são necessariamente biodegradáveis. Este é o caso do chamado plástico verde, derivado da cana-de-açúcar, um bioplástico não biodegradável.

Há plásticos produzidos a partir do petróleo que recebem aditivos para serem degradados mais facilmente, os oxibiodegradáveis. Estes também estão proibidos em São Paulo. Apesar de cada vez mais presentes em vários produtos –como sacolas de supermercado–, são questionados em todo o mundo devido ao risco de acúmulo de microplásticos e outros resíduos potencialmente tóxicos.

Mas outros materiais rotulados como biodegradáveis também podem causar danos ao ambiente, fauna e à saúde humana similares aos plásticos convencionais. Isto porque, na maior parte dos casos, esses materiais se degradam em condições muito específicas –temperatura elevada, por exemplo–, encontradas apenas em plantas industriais.

Ou seja, a garrafa de plástico biodegradável descartada de forma inadequada vai parar no estômago das baleias e nas narinas das tartarugas do mesmo jeito.

Uma pesquisa publicada em abril do ano passado concretizou esses riscos. Os britânicos Imogen Napper e Richard Thompson testaram, por três anos, as reais condições de degradação de cinco tipos de sacolas plásticas: duas rotuladas como oxibiodegradáveis, uma biodegradável, uma compostável e uma última de plástico convencional. Eles colocaram amostras das sacolas em quatro ambientes: enterradas no solo, submersas na água do mar, expostas ao ar e, para controle, em uma caixa preta no laboratório.

O resultado? Materiais com mudanças quase imperceptíveis após o período de testes, ou transformados em microplásticos. Nas palavras dos autores, intactos do ponto de vista do lixo gerado e da interação com o ecossistema.

O engenheiro químico José Carlos Pinto, professor titular na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é um dos defensores de que a solução para os resíduos plásticos passa, impreterivelmente, por infraestrutura adequada de coleta e reciclagem e pela educação ambiental. Em artigo publicado já em 2007, o pesquisador elenca o que vê como uma série de equívocos.

O primeiro deles é tratar plástico como lixo. Para ele, por ser altamente reciclável, todo plástico deve ser tratado como matéria-prima. E, neste cenário, a biodegradabilidade pode ser um problema também por diminuir essa possibilidade de reciclagem.

Outro dos equívocos fundamentais listados pelo pesquisador é justamente a crença de que ser ecologicamente correto é ser biodegradável. Para ele, a busca não deve ser por dissolver plástico nos oceanos, e sim por evitar que ele chegue até lá.

Em julho do ano passado, a revista Pesquisa Fapesp entrevistou o professor da UFRJ, junto com vários outros especialistas, para matéria sobre a poluição causada pelos plásticos. A conclusão foi que não existe solução fácil, e é preciso adotar estratégias múltiplas.

O problema, no entanto, é que algumas medidas, além de mais simples, têm muito mais plateia. E, ainda que haja benefícios, o risco é que sejam adotadas em detrimento de outras, mais relevantes.

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Materiais, ilustres desconhecidos https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/01/07/materiais-ilustres-desconhecidos/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/01/07/materiais-ilustres-desconhecidos/#respond Tue, 07 Jan 2020 05:00:24 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/diamante-300x215.png https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=17 A descoberta e o aprimoramento de materiais são centrais nos principais desafios enfrentados pela humanidade.

Um exemplo é a questão energética. O desenvolvimento de materiais é o limite –e, também, a grande esperança– para o uso em larga escala de fontes mais sustentáveis e ambientalmente adequadas de energia.

Sobre materiais se debruça a pesquisa de dispositivos que possam converter energia solar em elétrica com maior eficiência. Novos modos de armazenamento e transporte da energia limpa também dependem de novos materiais, assim como alguns processos de redução do CO2 na atmosfera.

Outros exemplos não faltam, nas áreas da saúde, de ciência e tecnologia de informação, ambiental, de produção de alimentos… Mesmo assim, a maioria de nós conhece muito pouco sobre materiais.

Imagino que boa parte das pessoas ainda não tenha gasto algum tempo para pensar em materiais além daquilo que eles significam em nossa vida e na linguagem cotidiana. Pensamos em materiais como os itens que precisamos para iniciar o ano escolar ou um novo projeto de artesanato ou bricolagem. Na comparação entre dois objetos – duas peças de roupa, por exemplo –, pensamos naquilo de que são feitos ao analisamos as diferentes características que apresentam.

No meu caso, hoje percebo, havia um pensamento mágico. Os materiais simplesmente estavam lá, desempenhando suas funções. Alguns sustentando uma casa em pé, outros ajudando um avião a voar, transportando informações, participando do conserto de um osso quebrado, protegendo do fogo ou do frio, dentre tantas outras necessidades do passado, atuais ou que ainda nem sonhamos que um dia teremos.

Essa relação começou a mudar depois de alguns anos atuando na área da divulgação do conhecimento científico, junto a importantes centros de pesquisa e ensino na área de materiais. Não foi rápido nem fácil, mas um dia compreendi que a maior parte dos materiais não estão prontinhos por aí dando sopa.

Materiais nascem de uma necessidade – por exemplo, de produção de carros cada vez mais econômicos e seguros. Diferentes necessidades estão relacionadas à demanda por diferentes propriedades desses materiais (mecânicas, ópticas, magnéticas, biológicas, dentre várias outras). Tais propriedades, por sua vez, são alcançadas pelo conhecimento profundo de um material, até o menor nível da matéria, atômico, nanométrico. E, a partir desse conhecimento, vem a possibilidade de alterações na direção que se deseja.

A descoberta dessas associações também foi mágica. É prazeroso aprender um pouco mais a cada dia sobre a relação entre estrutura, propriedades e aplicações. Saber, por exemplo, que muitas vezes é da natureza que vem a inspiração para uma nova solução. Entender que várias descobertas acontecem quase por acaso, na busca por algo diferente, ou que há propriedades descobertas antes de existir aplicação para elas.

O blog Sínteses surge da vontade de compartilhar o conhecimento e o prazer das pequenas e grandes descobertas. Os textos abordarão aspectos fundamentais dos materiais, associando conceitos de física, química e outras áreas aos objetos do nosso dia a dia. Também teremos histórias das pesquisas mais recentes realizadas em todo o mundo e, sobretudo, no Brasil, cuja produção científica na área alcança relevância internacional.

Não sou cientista, mas, sim, jornalista de ciência, curiosa e com o conhecimento exigido para a formulação das perguntas necessárias e a organização das respostas de forma a tornar mais interessante e inteligível o que às vezes parece distante ou complicado demais.

Que seja uma boa jornada, para a qual conto com a participação do público na proposição de temas e questões. Conto, também, com a comunidade brasileira de ciência e de engenharia de materiais na sugestão de pesquisas e outros assuntos a serem abordados.

Ao trabalho!

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