Sínteses https://sinteses.blogfolha.uol.com.br Da Idade da Pedra à 'febre do grafeno', um blog sobre tudo aquilo de que o mundo é feito Sun, 21 Mar 2021 19:10:18 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Nanomateriais apoiam tratamento de água com resíduos industriais https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2021/03/21/nanomateriais-apoiam-tratamento-de-agua-com-residuos-industriais/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2021/03/21/nanomateriais-apoiam-tratamento-de-agua-com-residuos-industriais/#respond Sun, 21 Mar 2021 19:10:18 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/eta-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=174 O acesso a água de qualidade é um dos maiores problemas globais, com mais de dois bilhões de pessoas expostas à escassez hídrica e à falta de acesso a água potável. Além da demanda crescente e da escassez agravada pelas mudanças climáticas, a poluição das fontes de água doce disponíveis, crescente nas duas últimas décadas, é um dos grandes desafios a serem enfrentados. Segundo as Nações Unidas, cerca de 400 milhões de toneladas de metais pesados, solventes, lodo tóxico e outros resíduos industriais chegam às águas do nosso planeta anualmente.

Novos poluentes, classificados como emergentes, não são removidos pelas tecnologias de tratamento de água existentes. Por isso, pesquisadores em todo o mundo têm buscado alternativas mais eficientes, envolvendo novos materiais. No Brasil, diferentes grupos de pesquisa trabalham com uma variedade de técnicas e, neste Dia Mundial da Água (22/3), destaco dois trabalhos que, apesar de muito diferentes, têm em comum o processo de adsorção (adesão de moléculas de um fluido a uma superfície sólida).

Elias Paiva Ferreira Neto busca nanomateriais capazes de degradar poluentes por fotocatálise (fotocatalisadores) desde o doutorado, realizado junto ao Grupo de Materiais Híbridos e Inorgânicos do Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP). Na fotocatálise, a luz de uma fonte natural (luz do Sol) ou artificial, ao ser absorvida pelo material catalisador, desencadeia reações químicas que podem transformar poluentes orgânicos –como o corante azul de metileno, testado por Ferreira Neto em sua pesquisa mais recente— e inorgânicos –como metais pesados– em substâncias inócuas ou, pelo menos, muito menos tóxicas ao organismo humano.

O pesquisador estudou o fotocatalisador dissulfeto de molibdênio (MoS2). Para a aplicação em situações reais, no entanto, era necessária a possibilidade de construir objetos macroscópicos com as propriedades do nanomaterial. Já no pós-doutorado, no Laboratório de Materiais Fotônicos do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Ferreira Neto encontrou a solução em uma das especialidades do grupo de pesquisa, a celulose bacteriana.

Juntando as duas abordagens – ao revestir a celulose bacteriana com uma camada do fotocatalisador –, o pesquisador chegou a uma membrana capaz de descontaminar a água que passa por ela, removendo, por filtragem e degradação, poluentes orgânicos e inorgânicos. Uma das principais vantagens do novo material é a possibilidade de reutilização, já que muitas das alternativas existentes precisam ser aplicadas como pó ou suspensão, o que inviabiliza sua recuperação após o uso.

Produzida por alguns tipos de bactérias, a celulose bacteriana forma um hidrogel composto por 99% de água que, ao passar por um processo de secagem controlada, se transforma em um aerogel. No aerogel, a água é substituída por ar, resultando uma estrutura muito porosa que, ao mesmo tempo, permitem a passagem da água e retém – por adsorção – os poluentes. Conforme ficam retidos na membrana, os poluentes são então degradados pelo fotocatalisador.

Nos testes já realizados, a membrana removeu da água, durante um experimento de duas horas, 96% do azul de metileno e 88% do metal cancerígeno crômio VI (crômio no estado de oxidação VI, referente à sua carga elétrica), ambos comuns em efluentes industriais da produção têxtil e de couro, por exemplo. O trabalho segue na busca de maior eficiência – inclusive com o uso de outros fotocatalisadores e testando outros contaminantes – e, também, da caracterização dos produtos resultantes da degradação.

“Nosso resultados evidenciam a importância da colaboração científica, já que não teriam surgido se não tivéssemos combinado as especialidades de dois grupos diferentes, o trabalho com fotocatalisadores, no caso da USP, e celulose bacteriana, na Unesp”, destaca Ferreira Neto.

A segunda pesquisa também foi realizada em parceria, entre o Laboratório de Materiais Poliméricos e Biossorventes da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e o Laboratório de Ciências Integradas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Nela, o material adsorvente usado foi o bagaço de cana, um dos principais resíduos da agroindústria brasileira, resultante da atividade nas usinas de etanol e açúcar. O bagaço – um biossorvente, adsorvente de origem biológica – foi usado em um compósito com nanopartículas de magnetita sintética, combinando as propriedades adsorventes do bagaço às propriedades magnéticas das nanopartículas.

Com isso, o bagaço retém, por adsorção, os poluentes – no caso deste estudo, foram testados cobre e o mesmo cromo VI – e, depois, é retirado da água pela ação de um imã que atrai as nanopartículas magnéticas do compósito. Também neste caso o grupo de pesquisa segue testando este e outros compósitos biossorventes em relação à capacidade de retenção de outras moléculas orgânicas e inorgânicas. As pesquisas já mostraram, também, potencial para remoção de óleos da superfície das águas em caso de derramamento.

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Super e semicondutor são destaques do ano, com desafios para aplicação https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/12/29/super-e-semicondutor-sao-destaques-do-ano-com-desafios-para-aplicacao/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/12/29/super-e-semicondutor-sao-destaques-do-ano-com-desafios-para-aplicacao/#respond Tue, 29 Dec 2020 19:31:36 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/cpu-3061923_1280-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=155 A pandemia de Covid-19 transformou completamente as listas de principais conquistas científicas em 2020, como todo o resto.

Em 2020, foram finalmente desvendadas as estruturas tridimensionais das proteínas, foram enviadas três missões a Marte e outras para buscar material na Lua e no asteroide Ryugu, e tivemos avanços importantes em estratégias para enfrentar diferentes doenças, incluindo o HIV. Mas ficou difícil competir com vacinas desenvolvidas em um décimo do tempo normalmente empregado e com todo o conhecimento produzido sobre um vírus e uma doença absolutamente desconhecidos há apenas um ano.

Mesmo com toda esta disrupção, não há entre as tradicionais listas do tipo –como nas publicadas pelas revistas Nature e Science— uma que não registre a produção do primeiro material supercondutor em temperatura ambiente, ainda que fora do topo e sem a alcunha de “descoberta científica do ano”.

Assim como a emergência de uma pandemia a partir de uma zoonose, a obtenção do novo material não foi exatamente uma surpresa. Outras listas, do final de 2019, sobre o que esperar da ciência em 2020, registravam a expectativa. E, neste caso, a mudança de foco para a Covid-19 parece não ter afetado o trabalho na área.

Juntando hidrogênio, carbono e enxofre, os cientistas observaram a supercondutividade em temperaturas de até cerca de 14ºC. A supercondutividade foi compreendida como propriedade exclusiva das baixíssimas temperaturas desde 1911, quando descoberta, até 1986, ano de início da escalada até as primeiras temperaturas acima dos 0ºC reportadas em outubro deste ano.

Além de ser um avanço incremental e esperado, construído ao longo de décadas, há um outro motivo para a conquista parecer um pouco morna (sem intenção de trocadilho!): o material foi obtido a uma pressão mais de 2,5 milhões vezes maior que a do ambiente em que vivemos, produzida entre as garras de uma espécie de pinça de diamante. Ainda longe, portanto, das fantásticas aplicações previstas para supercondutores em temperatura ambiente, que vão de equipamentos médicos e trens ultrarrápidos de levitação magnética à extrema eficiência energética de modo geral, pela ausência de resistência à passagem da corrente nesses materiais e, assim, redução das perdas energéticas.

Fora das listas gerais, mas vencedor em concurso mais especializada promovido pela revista Physics World, um outro material obtido em 2020 compartilha com o supercondutor em temperatura ambiente não apenas os desafios até a aplicação, mas também o apelido de Santo Graal (neste caso, da indústria microeletrônica, ou melhor, optoeletrônica).

Trata-se de um nanofio de silício sintetizado com uma estrutura cristalina hexagonal (padrão de ordenamento espacial dos átomos no material), e não com estrutura do tipo diamante, como normalmente o material se apresenta.

O silício é a base de toda a indústria de microcomputadores, por suas propriedades eletrônicas (de semicondutor) associadas ao fato de ser abundante e barato. No entanto, está próximo um limite operacional importante. O crescimento do poder de processamento dos chips implica aumento no consumo de energia e, também, no calor gerado pela resistência do material, em um cenário que só poderá ser ultrapassado com a integração da fotônica –transmissão de informação pela luz, ou seja, fótons, no lugar de elétrons– à eletrônica.

E o rei da eletrônica tem um desempenho pífio quando se trata das suas propriedades ópticas. Alguns semicondutores emitem luz quando submetidos a uma corrente elétrica, como nos LEDs, mas este não é o caso do silício comum, devido a uma propriedade inerente ao material (chamada de gap indireto ou de estrutura de bandas indireta). Assim, até agora, o caminho para a incorporação da luz passa pela integração de outros materiais aos chips de silício, o que é possível, mas difícil e caro.

Com o novo material, este obstáculo pode ser superado, com aplicações potenciais também nas telecomunicações e em sensores químicos. No entanto, ainda é preciso produzir o silício hexagonal em uma superfície plana –no lugar do nanofio–, o que, segundo os pesquisadores, é só uma questão de tempo.

A virada de um ano para outro traz justamente a sensação de termos um novo tempo para superar desafios, resolver problemas e alcançar as metas estabelecidas na véspera de 1º de janeiro. Neste fim de 2020, para todo o mundo e, felizmente, para grande parte da comunidade científica, o controle da pandemia sem dúvida é a prioridade. Mas, para muitos cientistas e engenheiros de materiais, produzir supercondutores em temperatura e pressão próximas às do ambiente e lasers a base de silício deve vir logo abaixo na lista.

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De que são feitas as luzes do Natal https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/12/23/de-que-sao-feitas-as-luzes-do-natal/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/12/23/de-que-sao-feitas-as-luzes-do-natal/#respond Wed, 23 Dec 2020 16:41:15 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/natal-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=152 Quem teve a sorte de céus limpos nos últimos dias assistiu a um fenômeno astronômico raro e com especial simbolismo: a conjunção entre Júpiter e Saturno. Os planetas estiveram tão próximos no céu, vistos aqui da Terra, que chegaram a parecer um único astro. Uma conjunção como esta, para alguns especialistas, está na origem da lenda da estrela de Belém, guia dos Reis Magos até Jesus Cristo recém-nascido.

Mas, mesmo que não seja esta a estrela de Natal –e ainda que nunca tenha existido uma estrela concreta–, é fato que a lenda, junto à concepção de Jesus como luz que teria vindo iluminar a humanidade, está na origem da tradição natalina de iluminarmos árvores, casas e ruas.

As luzes de Natal antecedem em muito a descoberta da eletricidade. Foi em 1882 que Edward Hibberd Johnson substituiu as velas usadas até então por lâmpadas incandescentes, buscando assim publicidade para o mais recente invento de seu amigo e sócio Thomas Edison. As lâmpadas de Edison resolveram o risco de incêndios e, desde os anos 2000, fios com centenas de LEDs vêm substituindo a iluminação incandescente, com economia de energia e maior durabilidade.

LED é sigla do Inglês para diodo emissor de luz. São materiais semicondutores que emitem luz quando submetidos a uma corrente elétrica, uma propriedade chamada de eletroluminescência. Por isso, o marco de início da história dos LEDs é colocado em 1907, quando a eletroluminescência foi demonstrada pelo inglês Henry Joseph Round. Mas foi só em 1962 que o americano Nick Holonyak Jr., trabalhando nos laboratórios da General Eletric, produziu o primeiro LED emissor de luz visível com um brilho passível de alguma aplicação. Estes primeiros LEDs emitiam luz vermelha, assinatura do semicondutor formado basicamente pela combinação entre gálio e arsênio.

A emissão de luz nos LEDs –no infravermelho e no ultravioleta, além do espectro visível– acontece pela interação entre elétrons e buracos, uma parte da Física que, ao menos na minha época, passava longe das aulas de ciências. Mas, para termos alguma ideia do que se trata, podemos recorrer a uma analogia mais familiar, do átomo como sistema planetário.

Neste modelo, os elétrons orbitam um núcleo formado por prótons e nêutrons, em níveis de energia definidos, os orbitais, e entre eles temos níveis proibidos, onde o elétron não pode estar. Há um número restrito de elétrons que podem ocupar um determinado nível de energia, e eles sempre ocupam primeiro os menores níveis possíveis, mais próximos do núcleo.

Quando passamos de átomos isolados para sólidos compostos por vários átomos organizados –indo da Física de Partículas para a chamada Física do Estado Sólido, ou da Matéria Condensada–, os níveis de energia desses átomos interagem, formando bandas de energia. Novamente, os elétrons podem circular por diferentes bandas, mas existem bandas proibidas. Outra classificação importante é entre banda de valência –a banda mais alta inteiramente preenchida com os elétrons correspondentes, inerte– e banda de condução– que é a banda logo acima, onde há elétrons livres.

A diferença fundamental entre materiais condutores e isolantes é a energia necessária para os elétrons fazerem a transposição desta barreira entre as bandas de valência e de condução, ou seja, atravessarem a banda proibida (chamada de gap, novamente do Inglês).

Os materiais semicondutores, por sua vez, ficam no meio do caminho, se comportando como condutores ou isolantes dependendo das condições. Neles, os elétrons, ao passarem de uma banda a outra, deixam na banda de valência a sua ausência, e é ela que é chamada de buraco. Buracos comportam-se como uma partícula carregada positivamente e, como o elétron, também se movimentam, contribuindo com a corrente.

Os LEDs são um tipo específico de material semicondutor, chamado de diodo. Nos diodos, semicondutores misturados com outros elementos (a palavra usada para esta mistura é dopagem) são combinados, o que resulta em um lado cheio de elétrons livres e outro com os buracos correspondentes. Quando uma corrente elétrica é aplicada, é a interação entre elétrons e buracos que resulta na emissão de luz, e cor e brilho dessa luz dependem da energia necessária para que os elétrons superem a banda proibida.

Essa energia, por sua vez, depende do material empregado. Assim, depois do primeiro LED, vermelho e pouco brilhante, nos anos seguintes novos materiais e combinações entre eles foram sendo testados na busca por mais cores e brilho.

Apesar da alegria proporcionada pelas luzes de Natal, não foi esta a aplicação que rendeu o Prêmio Nobel de Física de 2014 aos inventores do primeiro LED azul. As aplicações dos LEDs vão muito além e, hoje, eles substituem as lâmpadas incandescentes em residências e, até mesmo, na iluminação pública de cidades inteiras.

Para que pudéssemos chegar até este momento, era necessária a luz branca, obtida pela combinação de LEDs emissores de luz vermelha, verde e azul. Os LEDs vermelhos e verdes existiam desde a década de 1960, mas foi só em 1990 que os japoneses Isamu Akasaki, Hiroshi Amano e Shiji Nakamuro sintetizaram um diodo a base de nitreto de gálio emissor de luz azul.

Dali para a frente, os piscas de Natal tornaram-se mais coloridos e as cidades mais iluminadas com menor gasto de energia, mas também há um agravamento na poluição luminosa. Por isso, neste momento, desejo aos leitores e às leitoras de Sínteses não um Natal com muita luz, mas sim o equilíbrio entre a alegria da iluminação natalina e a escuridão necessária para que vejamos as estrelas sobre nós.

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Carimbo do vírus em polímero permite teste rápido de Covid na saliva https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/12/10/carimbo-do-virus-em-polimero-permite-teste-rapido-de-covid-na-saliva/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/12/10/carimbo-do-virus-em-polimero-permite-teste-rapido-de-covid-na-saliva/#respond Thu, 10 Dec 2020 18:53:30 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/imagemdosensor-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=148 Pesquisadores vinculados ao Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI), sediado em Campinas, desenvolveram dois tipos de testes rápidos portáteis para detecção do vírus causador da Covid-19 na saliva. Os testes utilizam uma base sensora eletroquímica, na qual um material semicondutor –uma nanoestrutura de óxido de zinco– capta pequenas variações em sinais elétricos causadas pela presença do Sars-CoV-2.

No início da pandemia, o grupo liderado por Talita Mazon, pesquisadora no CTI, logo pensou em adaptar o teste originalmente desenvolvido para zika, dengue e outras doenças. “Nós trabalhamos com o óxido de zinco em biossensores há cerca de cinco anos. Estávamos na fase de validação do teste de zika e pensamos que bastava uma adaptação. Mas não tínhamos dinheiro para adquirir o antígeno e os anticorpos, e leva um tempo para as empresas conseguirem produzir um anticorpo monoclonal que resulte em teste com a especificidade desejada”, explica a pesquisadora.

Na plataforma utilizada, chamada de imunossensor, anticorpos são imobilizados na nanoestrutura e, quando entram em contato com proteínas do vírus (antígeno), a ligação química entre anticorpo e antígeno produz alterações características em sinais elétricos, que são captadas pelo material semicondutor e registradas em um gráfico no computador ou em dispositivos móveis como telefones celulares.

No entanto, anticorpos monoclonais (produzidos em laboratório) precisam ser importados e têm custo elevado, fora do alcance dos pesquisadores naquele primeiro momento. Em vez de desistir, ou ficar esperando os anticorpos chegarem, o grupo seguiu por outro caminho, que levou a uma solução ainda mais interessante, inteiramente nacional e que pode ser armazenada em temperatura ambiente, por não conter materiais biológicos.

O grupo desenvolveu um teste em que o vírus Sars-CoV-2 é impresso em uma base de polipropileno, um polímero depositado como uma camada sobre o sensor de óxido de zinco. Forma e tamanho do coronavírus são carimbados no polímero, e o material passa então por uma lavagem que elimina o vírus. Quando partículas virais presentes na saliva contaminada encaixam neste molde, também acontecem as alterações nos sinais elétricos, captadas pelo óxido de zinco. Simples assim, como nos brinquedos para crianças pequenas em que triângulos, quadrados e círculos precisam ser encaixados nos lugares correspondentes em uma base de plástico.

“O que nós medimos, com um potenciostato acoplado ao celular, ou a um laptop, é uma variação no sinal elétrico, que pode ser maior ou menor que o esperado na ausência da proteína ou do vírus. Em algumas doenças, a ligação entre anticorpo e antígeno gera uma corrente elétrica maior. No caso dos testes de Covid, essa ligação, bem como o encaixe do vírus no polímero, têm característica isolante, gerando uma corrente menor”, situa Mazon.

A impressão do polímero foi realizada a partir de vírus isolados pela equipe do Laboratório de Estudos de Vírus Emergentes da Universidade Estadual de Campinas (LEVE), coordenado por José Luiz Proença Módena. “Eu conheci o professor Módena porque as amostras de pacientes com zika foram doados pelo LEVE. Vi em uma reportagem que ele havia isolado o novo coronavírus e pedi as amostras, para tentar a impressão do vírus na camada polimérica”, relembra Mazon, explicando que, mais comumente, o que tem sido buscado é a impressão de anticorpos.

Eficácia, especificidade e sensibilidade do teste já foram comprovadas com o uso de vírus inativados, mas agora análises com vírus ativos devem ser realizadas nas instalações do LEVE, com os níveis de biossegurança necessários. “Embora o desenvolvimento deste teste esteja em uma etapa inicial, em longo prazo considero a solução muito promissora. Além de não precisar de refrigeração e da importação de anticorpos e antígenos, eles podem ser muito úteis em viroses futuras. Geralmente, uma das primeiras coisas que é feita é isolar o vírus. Assim, uma vez estabelecida a metodologia, fica fácil adaptar no caso de um novo vírus”, avalia a líder do grupo de pesquisa.

O grupo também deu continuidade ao desenvolvimento do imunossensor, a partir de parceria com startup que importou antígenos e anticorpos. Neste caso, o processo está mais adiantado, em etapa de validação pela verificação frente ao exame RT-PCR, considerado padrão-ouro na detecção do vírus. Essa verificação será feita em pacientes, no Hospital das Clínicas de Botucatu, com previsão de término até o final de janeiro e encaminhamento para aprovação e início da produção em escala.

O custo estimado para o imunossensor é de cerca de R$ 10 por teste, valor que deve ser ainda menor para o dispositivo com a camada polimérica. Os estudos são realizados em parceria também com o Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais, apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

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Jovens cientistas do Brasil destacam-se ligando teoria e experimentos https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/02/11/jovens-cientistas-do-brasil-destacam-se-ligando-teoria-e-experimentos/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/02/11/jovens-cientistas-do-brasil-destacam-se-ligando-teoria-e-experimentos/#respond Tue, 11 Feb 2020 19:25:24 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/02/holofote-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=59 Amanda Fernandes Gouveia é química, com mestrado e doutorado na área, atualmente realizando pós-doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A pesquisadora integra a equipe do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF), sediado na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Luiz Felipe Cavalcanti Pereira é físico, também mestre e doutor na mesma área,  iniciando sua trajetória como professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) depois de um período na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Em comum, os dois têm a condição de finalistas em premiação internacional na área de ciência computacional de materiais, junto com 24 outros jovens pesquisadores da China, França, Alemanha, Itália, Suíça, Reino Unido e Estados Unidos.

O Rising Stars in Computational Materials Science Prize (Prêmio Estrelas em Ascensão em Ciência Computacional de Materiais) reconhece o potencial de pesquisadores em início de carreira, até 10 anos depois de receberem o título de doutor. “Eles representam o futuro do campo, e buscamos atrair atenção internacional para seu trabalho para que possam, eventualmente, receber novos incentivos à carreira”, afirma Susan Sinnot, editora chefe do periódico Computational Materials Science, que promove a premiação.

Além da inclusão entre os finalistas, os dois pesquisadores brasileiros têm em comum a busca por novos materiais para a produção ou armazenamento de energia, ainda que por caminhos diferentes.

Amanda Gouveia, pesquisadora do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (Crédito: Divulgação)
Amanda Gouveia, pesquisadora do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (Crédito: Divulgação)

Amanda Gouveia utiliza a química teórica no estudo e modelagem de materiais chamados de fotocatalisadores, semicondutores com propriedades fotocatalíticas. Fotocatalisadores aceleram fotorreações, ou seja, reações químicas provocadas pela luz. “Eles são considerados uma tecnologia promissora para novos sistemas de armazenamento de energia, essenciais para processos que vão da purificação de água à esterilização de instrumentos cirúrgicos”, explica Gouveia.

Já as pesquisas de Pereira buscam descrever a condução de calor e eletricidade em materiais nanoestruturados, ou seja, com estrutura em dimensões nanométricas. Dentre esses materiais estão grafeno e similares, que em alguns casos têm espessura de um único átomo. Uma das potenciais aplicações é no controle da condutividade térmica de nanofitas formadas por grafeno e nitreto de boro, que podem ser utilizadas, por exemplo, na produção de energia elétrica a partir do calor dissipado em indústrias e automóveis.

Luiz Felipe Pereira, professor da UFRN
Luiz Felipe Pereira, professor do Departamento de Física da UFPE (Crédito: Arquivo pessoal)

Em ambos os casos, as simulações computacionais são ferramentas indispensáveis, que estabelecem pontes entre o conhecimento teórico e resultados experimentais.

Para entender essa relação, é importante primeiro lembrar que, na escala nanoscópica, o comportamento dos objetos não é descrito pela física clássica (newtoniana) que aprendemos na escola, mas sim pela mecânica quântica. Assim, em objetos com tamanho comparável ao dos átomos, são observados comportamentos –por exemplo, de condução de eletricidade– muito diferentes dos que vemos na escala do nosso cotidiano.

Para investigar e compreender esses comportamentos, a combinação entre estudos teóricos, analíticos, e experimentos, é imprescindível. “É possível descrever o comportamento de um átomo analiticamente –com papel e caneta– utilizando as leis da mecânica quântica de forma razoavelmente precisa, usando apenas pequenas aproximações. Para um pequeno conjunto de átomos, uma molécula, por exemplo, as equações se tornam muito complicadas e é necessário recorrer a aproximações maiores. Descrever analiticamente o comportamento quântico de um objeto, como um fio nanoscópico, por exemplo, é praticamente impossível”, explica Pereira. “Por outro lado, do ponto de vista experimental, é muito difícil construir de maneira controlada objetos que contenham apenas alguns átomos. E, mesmo quando eles podem ser construídos, não costumam ter muita utilidade no mundo real”, complementa.

No trabalho de Amanda Gouveia, examinar a atividade fotocatalítica em profundidade e aprimorar materiais para uma próxima geração de fotocatalisadores exige, justamente, resolução quase atômica (ou seja, em que é possível observar cada átomo individualmente). “Associo os resultados experimentais aos teóricos, uma vez que, nas últimas décadas, a modelagem molecular foi estabelecida como técnica valiosa para revelar conhecimentos fundamentais sobre os problemas no nível atomístico. Os estudos teóricos não só captam os efeitos geométricos e eletrônicos sobre a atividade fotocatalítica, mas também são capazes de explicar e racionalizar os dados experimentais”, conta a pesquisadora.

“Nosso objetivo é justamente construir uma ponte entre os modelos teóricos baseados nas leis fundamentais da mecânica quântica e os experimentos realizados em sistemas com milhões de átomos”, situa Pereira. “Em muitos casos, conseguimos utilizar simulações muito sofisticadas para fazer essa ponte entre modelos teóricos muito simplificados e medidas experimentais muito complexas. Isto ajuda a entender as propriedades e os fenômenos observados nos materiais estudados, o que não seria possível apenas com modelos teóricos ou experimentos”, reitera.

Os finalistas do Rising Stars, que está em sua segunda edição, são convidados a preparar artigo sobre sua pesquisa para publicação em edição especial da revista Computational Materials Science, prevista para o início de 2021. Neste momento, também serão anunciados os vencedores que, além de quantia em dinheiro, passam a integrar o conselho editorial da publicação.

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