Sínteses https://sinteses.blogfolha.uol.com.br Da Idade da Pedra à 'febre do grafeno', um blog sobre tudo aquilo de que o mundo é feito Sun, 21 Mar 2021 19:10:18 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 De que são feitas as luzes do Natal https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/12/23/de-que-sao-feitas-as-luzes-do-natal/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/12/23/de-que-sao-feitas-as-luzes-do-natal/#respond Wed, 23 Dec 2020 16:41:15 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/natal-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=152 Quem teve a sorte de céus limpos nos últimos dias assistiu a um fenômeno astronômico raro e com especial simbolismo: a conjunção entre Júpiter e Saturno. Os planetas estiveram tão próximos no céu, vistos aqui da Terra, que chegaram a parecer um único astro. Uma conjunção como esta, para alguns especialistas, está na origem da lenda da estrela de Belém, guia dos Reis Magos até Jesus Cristo recém-nascido.

Mas, mesmo que não seja esta a estrela de Natal –e ainda que nunca tenha existido uma estrela concreta–, é fato que a lenda, junto à concepção de Jesus como luz que teria vindo iluminar a humanidade, está na origem da tradição natalina de iluminarmos árvores, casas e ruas.

As luzes de Natal antecedem em muito a descoberta da eletricidade. Foi em 1882 que Edward Hibberd Johnson substituiu as velas usadas até então por lâmpadas incandescentes, buscando assim publicidade para o mais recente invento de seu amigo e sócio Thomas Edison. As lâmpadas de Edison resolveram o risco de incêndios e, desde os anos 2000, fios com centenas de LEDs vêm substituindo a iluminação incandescente, com economia de energia e maior durabilidade.

LED é sigla do Inglês para diodo emissor de luz. São materiais semicondutores que emitem luz quando submetidos a uma corrente elétrica, uma propriedade chamada de eletroluminescência. Por isso, o marco de início da história dos LEDs é colocado em 1907, quando a eletroluminescência foi demonstrada pelo inglês Henry Joseph Round. Mas foi só em 1962 que o americano Nick Holonyak Jr., trabalhando nos laboratórios da General Eletric, produziu o primeiro LED emissor de luz visível com um brilho passível de alguma aplicação. Estes primeiros LEDs emitiam luz vermelha, assinatura do semicondutor formado basicamente pela combinação entre gálio e arsênio.

A emissão de luz nos LEDs –no infravermelho e no ultravioleta, além do espectro visível– acontece pela interação entre elétrons e buracos, uma parte da Física que, ao menos na minha época, passava longe das aulas de ciências. Mas, para termos alguma ideia do que se trata, podemos recorrer a uma analogia mais familiar, do átomo como sistema planetário.

Neste modelo, os elétrons orbitam um núcleo formado por prótons e nêutrons, em níveis de energia definidos, os orbitais, e entre eles temos níveis proibidos, onde o elétron não pode estar. Há um número restrito de elétrons que podem ocupar um determinado nível de energia, e eles sempre ocupam primeiro os menores níveis possíveis, mais próximos do núcleo.

Quando passamos de átomos isolados para sólidos compostos por vários átomos organizados –indo da Física de Partículas para a chamada Física do Estado Sólido, ou da Matéria Condensada–, os níveis de energia desses átomos interagem, formando bandas de energia. Novamente, os elétrons podem circular por diferentes bandas, mas existem bandas proibidas. Outra classificação importante é entre banda de valência –a banda mais alta inteiramente preenchida com os elétrons correspondentes, inerte– e banda de condução– que é a banda logo acima, onde há elétrons livres.

A diferença fundamental entre materiais condutores e isolantes é a energia necessária para os elétrons fazerem a transposição desta barreira entre as bandas de valência e de condução, ou seja, atravessarem a banda proibida (chamada de gap, novamente do Inglês).

Os materiais semicondutores, por sua vez, ficam no meio do caminho, se comportando como condutores ou isolantes dependendo das condições. Neles, os elétrons, ao passarem de uma banda a outra, deixam na banda de valência a sua ausência, e é ela que é chamada de buraco. Buracos comportam-se como uma partícula carregada positivamente e, como o elétron, também se movimentam, contribuindo com a corrente.

Os LEDs são um tipo específico de material semicondutor, chamado de diodo. Nos diodos, semicondutores misturados com outros elementos (a palavra usada para esta mistura é dopagem) são combinados, o que resulta em um lado cheio de elétrons livres e outro com os buracos correspondentes. Quando uma corrente elétrica é aplicada, é a interação entre elétrons e buracos que resulta na emissão de luz, e cor e brilho dessa luz dependem da energia necessária para que os elétrons superem a banda proibida.

Essa energia, por sua vez, depende do material empregado. Assim, depois do primeiro LED, vermelho e pouco brilhante, nos anos seguintes novos materiais e combinações entre eles foram sendo testados na busca por mais cores e brilho.

Apesar da alegria proporcionada pelas luzes de Natal, não foi esta a aplicação que rendeu o Prêmio Nobel de Física de 2014 aos inventores do primeiro LED azul. As aplicações dos LEDs vão muito além e, hoje, eles substituem as lâmpadas incandescentes em residências e, até mesmo, na iluminação pública de cidades inteiras.

Para que pudéssemos chegar até este momento, era necessária a luz branca, obtida pela combinação de LEDs emissores de luz vermelha, verde e azul. Os LEDs vermelhos e verdes existiam desde a década de 1960, mas foi só em 1990 que os japoneses Isamu Akasaki, Hiroshi Amano e Shiji Nakamuro sintetizaram um diodo a base de nitreto de gálio emissor de luz azul.

Dali para a frente, os piscas de Natal tornaram-se mais coloridos e as cidades mais iluminadas com menor gasto de energia, mas também há um agravamento na poluição luminosa. Por isso, neste momento, desejo aos leitores e às leitoras de Sínteses não um Natal com muita luz, mas sim o equilíbrio entre a alegria da iluminação natalina e a escuridão necessária para que vejamos as estrelas sobre nós.

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Processos que mantêm a vida podem apoiar matriz energética sustentável https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/11/23/processos-que-mantem-a-vida-podem-apoiar-matriz-energetica-sustentavel/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/11/23/processos-que-mantem-a-vida-podem-apoiar-matriz-energetica-sustentavel/#respond Mon, 23 Nov 2020 21:34:40 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/11/capa_autoorganizacao-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=131 A natureza é inspiração de desenvolvimentos tecnológicos em todas as áreas e, com muita frequência, de novos materiais. Em Sínteses, já vimos como a transpiração humana e de outros animais inspirou o uso de hidrogel para resfriamento de robôs flexíveis e conhecemos a busca por um material tão resistente quanto o ouriço da castanha do Pará.

Nestes exemplos, embora se busque reproduzir soluções presentes em organismos vivos, o caminho para tentar chegar aos mesmos resultados é completamente diferente dos processos naturais.

No nosso Universo, tudo tende ao equilíbrio ou, como registra a chamada Segunda Lei da Termodinâmica, ao nível máximo de entropia (frequentemente descrita como grau de desordem, ou desorganização, de um sistema) e, por consequência, mínimo de energia. No entanto, para um ser vivo, o equilíbrio significa a morte. Como ninguém quer atingir este equilíbrio, ou seja, o momento em que a energia chega ao seu nível mínimo, nós e os animais, por exemplo, nos alimentamos, recebendo assim matéria com alto teor energético.

Na síntese convencional de materiais ou outras substâncias, o processo quase sempre é feito de forma consecutiva, passo a passo, objetivando a chegada ao equilíbrio. Juntamos A e B para produzir C, em uma reação que segue até que as três espécies químicas (A, B e C) estejam em equilíbrio. Depois, pegamos C, já mais complexo, e misturamos com D, para chegar a E, novamente em equilíbrio. E assim por diante, até termos o hidrogel para resfriamento do robô ou um material de construção tão resistente quanto a castanha do Pará.

Porém, em condições fora do equilíbrio, a síntese pode acontecer com todas as reações simultaneamente. Por exemplo, a interação entre A e B pode resultar no dobro de B, em um fenômeno conhecido como autocatálise, que descreve um aumento da concentração de B pela sua própria formação. Se também estiver presente uma etapa de inibição –a reação de B com C, por exemplo–, o crescimento de B pode ser freado, com escalas de tempo diferentes e, assim, oscilação na concentração de B, com momentos de maior ou menor produção. Essas oscilações levam, dentre outras consequências, a padrões e estruturas na matéria –como espirais, poros, dendritos e organizações multicamadas– muito mais complexos que os obtidos na síntese convencional.

Na natureza, este tipo de estruturação auto-organizada é onipresente, indicando que oscilações em processos naturais são muito comuns. Como estrutura e propriedades de diferentes materiais estão intimamente relacionadas, os pesquisadores têm buscado compreender melhor esses mecanismos, com o objetivo de empregá-los na obtenção de novos materiais com composição e estrutura complexas e, assim, propriedades físicas e químicas que atendam às necessidades tecnológicas mais urgentes.

No Brasil, o Laboratório de Dinâmica Eletroquímica e Conversão de Energia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) estuda há cerca de quatro anos a síntese eletroquímica auto-organizada com o objetivo de obter, no futuro, materiais para transformações na nossa matriz energética rumo a configurações mais sustentáveis. Materiais para aplicação, por exemplo, em dispositivos como células a combustível, baterias e sensores.

“A termodinâmica clássica foi muito estudada, as coisas funcionam, temos capacidade de previsão, mas só em condições de equilíbrio. E o equilíbrio é um pouco sem graça”, resume Raphael Nagao, professor do Instituto de Química da Unicamp. “É natural que façamos primeiro a parte mais simples. Mas um universo de possibilidades existentes entre o começo da reação e o equilíbrio fica de fora, e é nessas possibilidades que estamos interessados”, complementa, ao comentar as pesquisas que o grupo realiza com dispositivos eletroquímicos.

Dispositivos eletroquímicos muito conhecidos são as pilhas e baterias, nos quais o interesse maior está na corrente elétrica gerada pelo transporte de cargas (elétrons) entre os polos negativo e positivo (eletrodos) através de uma solução (eletrólito). Porém, além da corrente, as reações de redução (ganho de elétrons) e oxidação (perda) que acontecem nestes dispositivos levam à deposição ou à dissolução de materiais sobre os eletrodos. A deposição eletroquímica está, por exemplo, por trás dos processos que conhecemos como niquelação, galvanização e cromagem, comuns na indústria automobilística.

Comumente, a obtenção de materiais por deposição ou dissolução eletroquímica é feita em uma abordagem mais convencional, em que oscilações nas variáveis principais, como corrente e potencial, são indesejadas e, portanto, evitadas.

O objetivo dos pesquisadores que têm trabalhado com auto-organização é compreender melhor o que acontece fora do equilíbrio e verificar como controlar com precisão e racionalizar o crescimento de padrões e estruturas. Nagao cita o exemplo de materiais a base de cobre, essenciais à redução do CO2 (a reação química, não a diminuição da quantidade, embora uma coisa leve à outra). Essa reação de redução visa a transformação do gás causador de efeito estufa em combustíveis e produtos químicos de alto valor agregado.

“Nós conhecemos alguns sistemas eletroquímicos que permitem a manipulação da estruturação de cobre e óxido de cobre. Nossa ideia é fazer a síntese destes materiais de forma auto-organizada, controlando a estruturação, e, então, verificar se há um diferencial no que diz respeito à eficiência da conversão de CO2, na comparação com a deposição em condições nas quais não há oscilações”, explica.

O campo, no entanto, ainda é novo, e demanda muita pesquisa básica junto às indagações sobre possíveis efeitos tecnológicos. “Embora existam bases matemáticas para o estudo de sistemas fora do equilíbrio, ainda estamos muito longe de conseguir entender profundamente o que acontece. Mas não podemos deixar de investigar, por causa disso, se é possível usar, nas nossas sínteses, esses mecanismos que encontramos em seres vivos e que são tão bem sucedidos”, conclui Nagao.

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Como transformar tijolos em baterias e a sua parede em um carregador https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/08/20/como-transformar-tijolos-em-baterias-e-a-sua-parede-em-um-carregador/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/08/20/como-transformar-tijolos-em-baterias-e-a-sua-parede-em-um-carregador/#respond Thu, 20 Aug 2020 20:13:11 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/08/brick-wall-pixabay-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=120 Tijolos de barro são usados para construção há milhares de anos, e raramente tiveram outras finalidades. Agora, cientistas propuseram uma aplicação que une dois dos maiores desafios tecnológicos da atualidade: materiais de construção inteligentes e, principalmente, dispositivos de armazenamento adequados à transição energética para modelos mais sustentáveis.

Os pesquisadores, da Universidade de Washington em St. Louis, nos Estados Unidos, aproveitaram três características dos tijolos: porosidade, resistência mecânica e a presença de hematita (Fe2O3, óxido de ferro, ou a popular ferrugem). A partir delas, testaram uma rota de síntese para transformar pares de tijolos em eletrodos e, assim, armazenar energia, como em uma bateria.

Mais precisamente, a transformação resulta em um supercapacitor, mas quem sabe o que é um supercapacitor (eu, ao menos, desconhecia até bem pouco tempo atrás)?

Supercapacitores, como as baterias, são dispositivos para armazenar energia. No entanto, cada um tem suas propriedades e, assim, diferentes aplicações. Baterias armazenam maiores quantidades de energia, e supercapacitores são mais rápidos na carga e descarga. Em um veículo elétrico, por exemplo, supercapacitores são responsáveis pela entrega rápida da energia necessária ao início do movimento, mas quem mantém o carro andando é a energia armazenada nas baterias.

Outra vantagem dos supercapacitores é a sua durabilidade, já que suportam mais ciclos de carga e descarga. No caso dos tijolos, os pesquisadores estimaram essa capacidade em até 10 mil ciclos.

Embora chame a atenção o produto final, ou seja, o tijolo-supercapacitor, o principal resultado do estudo, publicado recentemente no periódico Nature Communications, é mostrar a viabilidade da rota de síntese. A rota adotada resulta na deposição de nanofibras de um polímero condutor de energia na superfície do tijolo e, assim, em um revestimento plástico que possibilita o armazenamento dessa energia.

Nesse processo – chamado de síntese em fase de vapor –, ácido clorídrico (HCl) vaporizado passa pelos poros do tijolo e interage com a hematita liberando um íon de ferro (Fe3+). Assim, é desencadeada a polimerização de monômeros (chamados de EDOT e disponíveis também como vapor) por uma rota que leva à deposição de um polímero (PEDOT, com o P acrescentado vindo justamente de polímero) com as características desejadas: baixa resistência elétrica e estabilidade química e física.

Polimerização é o nome dado justamente à reação química que leva moléculas menores, os monômeros, a formarem cadeias maiores, os polímeros. São várias as formas de polimerização e, neste caso, o controle da reação para que se obtivesse o material condutor e estável foi o grande avanço da pesquisa.

Novos materiais – e novas rotas de síntese para materiais já existentes – são centrais no desenvolvimento de dispositivos de armazenamento que concretizem todo o potencial de fontes mais limpas de energia, como a solar e a eólica. A pesquisa da Universidade de Washington é um avanço nesta direção, embora seja o que se chama, em ciência, de prova de conceito, uma vez que o supercapacitor testado acendeu apenas uma pequena lâmpada de LED.

No entanto, segundo os autores, o método é escalonável, viável economicamente e versátil. Algumas das aplicações já sugeridas são na alimentação de sensores, etiquetas (tags) de sistemas de comunicação RFID (identificação por rádio frequência), microrrobôs e outros microdispositivos embutidos em edifícios e cidades inteligentes.

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Grupo brasileiro desenvolve material para próxima geração de baterias https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/02/19/grupo-brasileiro-desenvolve-material-para-proxima-geracao-de-baterias/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/02/19/grupo-brasileiro-desenvolve-material-para-proxima-geracao-de-baterias/#respond Wed, 19 Feb 2020 11:00:56 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/02/eletrolito-300x215.jpeg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=72 Como registrado aqui em Sínteses, a revista Nature elegeu as baterias de estado sólido um dos 10 temas de pesquisa para prestar atenção em 2020. Esses dispositivos são considerados o futuro das baterias, diante das novas demandas colocadas pela transição energética para fontes renováveis e sustentáveis.

A Sociedade Brasileira de Pesquisa em Materiais (SBPMat) destacou recentemente resultados que mostram a participação da ciência brasileira nesse esforço de pesquisa e desenvolvimento. O trabalho divulgado enfrenta um dos principais obstáculos para as baterias de estado sólido: a baixa condutividade dos eletrólitos sólidos em temperatura ambiente.

Eletrólitos são o meio de propagação da corrente elétrica entre os eletrodos positivo e negativo de uma bateria, pela mobilidade de íons. Nas baterias de íons de lítio que revolucionaram o cenário dos dispositivos eletrônicos portáteis como smartphones e laptops –recebendo, inclusive, o Prêmio Nobel de Química em 2019–, o eletrólito convencionalmente é líquido ou gel. Eletrólitos sólidos trazem maior segurança, evitando vazamentos de substâncias tóxicas e explosões. Além disso, podem resultar em maiores densidade energética e durabilidade das baterias. Uma classe específica de materiais, os eletrólitos sólidos poliméricos, acrescentam leveza e flexibilidade a essas vantagens, o que viabiliza dispositivos menores e com formatos diversos.

O desafio é, portanto, desenvolver eletrólitos sólidos com todas as suas vantagens aliadas a altos valores em termos de condutividade iônica. “O material na forma líquida e em gel tem condutividade iônica, de forma geral, cerca de 20 a 30 vezes maior quando comparado ao mesmo material no seu estado sólido”, revela Flavio Leandro de Souza, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) e pesquisador também do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano).

A notícia da SBPMat conta justamente como um grupo de pesquisadores da UFABC liderados por Souza chegou a um material que bate os recordes conhecidos de condutividade iônica para eletrólitos sólidos poliméricos. A descoberta foi reportada no final de 2019 no periódico The Journal of Physical Chemistry Letters, naquele escolhido como artigo de destaque pela SBPMat em seu último boletim.

O material desenvolvido pelo grupo brasileiro é um filme transparente, leve e flexível de polietileno obtido por um método de fabricação simples, econômico e facilmente escalável para aplicação industrial. Além das vantagens já mencionadas, ele é feito com ácido cítrico e outros materiais que não apresentam riscos quando descartados. O principal avanço veio da substituição de um átomo de silício no centro da estrutura polimérica (chamado de átomo de coordenação) por um átomo de outro elemento, o germânio.

Embora o tipo de polímero tenha permanecido o mesmo, alterações na estrutura eletrônica decorrentes dessa substituição elevaram a condutividade e, também, reduziram em 50% a energia de ativação necessária para colocar os íons em movimento, o que pode reduzir o tempo para carregamento da bateria. Junto com a síntese do material, a pesquisa investiu na sua caracterização, para compreensão profunda, por exemplo, do papel do átomo de coordenação na mobilidade da cadeia polimérica e, assim, na condutividade iônica, já que a vibração da cadeia influencia o movimento dos íons pela matriz polimérica.

A existência do material, no entanto, não significa que os desafios envolvidos na produção de baterias de estado sólido estejam todos superados. Uma rápida pesquisa sobre o tema na Internet mostra que, considerando apenas janeiro deste ano, há uma quantidade muito grande de informes sobre resultados relativos a diferentes aspectos a serem equacionados, indicando a complexidade da empreitada.

No caso do grupo da UFABC, o próximo passo é a aplicação do material em diferentes tipos de dispositivos eletroquímicos, como as baterias, e eletrocrômicos, como janelas que mudam de cor pela aplicação de uma corrente elétrica. “De certa forma, o teste mais importante após qualquer desenvolvimento ou descoberta é saber se as vantagens do novo material –ou melhora em um material já existente– se estendem à sua aplicação em dispositivos. Os desafios são sempre maiores quando passamos para esta etapa”, situa Souza. “Como o material que desenvolvemos é bastante versátil e desperta interesse para diferentes aplicações, vamos buscar parceiros também para esta etapa, além de produzirmos alguns dispositivos nós mesmos”, revela.

Na área comercial, vale registrar que, de 26 a 28 de fevereiro, acontece no Japão a principal feira de baterias recarregáveis, a Battery Japan 2020, e os dispositivos de estado sólido ocupam uma parte significativa da programação.

Sínteses, como prometido, acompanhará as novidades. Enquanto isso, para saber mais detalhes do material desenvolvido pelos pesquisadores brasileiros, confira a notícia publicada no site da SBPMat. A pesquisa também foi divulgada na última edição da revista Pesquisa Fapesp.

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Previsões para a ciência em 2020 destacam materiais https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/01/29/previsoes-para-a-ciencia-em-2020-destacam-materiais/ https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/2020/01/29/previsoes-para-a-ciencia-em-2020-destacam-materiais/#respond Wed, 29 Jan 2020 19:55:11 +0000 https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/perovskita-300x215.jpg https://sinteses.blogfolha.uol.com.br/?p=48 Como nos restam alguns dias de janeiro, ainda cabe registrar que, dentre infindáveis retrospectivas e previsões na passagem do ano, a da Nature coloca em destaque a pesquisa em materiais. A revista indicou 10 tópicos nos quais prestar atenção em 2020, dois deles em materiais.

A busca por materiais supercondutores em temperatura ambiente –um sonho dos físicos, segundo a Nature– é uma das áreas com potencial de avanço significativo neste último ano da década.

A supercondutividade foi descoberta em 1911, rendendo ao holandês Heike Kamerlingh Onnes o prêmio Nobel de Física em 1913. Desde então, foram ao menos outros quatro Nobel para o fenômeno em que materiais transmitem corrente elétrica com resistência zero. No entanto, a supercondutividade só se manifesta abaixo de uma determinada temperatura crítica (Tc), específica de cada material.

Até 1986, a supercondutividade era considerada uma propriedade da matéria em baixíssimas temperaturas, e se supunha inclusive a existência de um limite natural à sua manifestação acima dos 30 graus Kelvin (-243,15ºC). Mas, naquele ano, este limite foi transposto e, desde então, a temperatura não parou de subir.

Se não estamos mais familiarizados com os supercondutores é justamente porque suas aplicações são restritas às baixíssimas temperaturas. Porém, em condições mais próximas àquelas em que vivemos, o potencial de uso cresce imensamente, com aplicações que vão da geração, transmissão e armazenamento de energia com grande eficiência à computação quântica.

Em 2018, um novo recorde foi quebrado, com o primeiro dos chamados super-hidretos, compostos com grande quantidade de hidrogênio. O pioneiro, com lantânio (LaH10), é supercondutor por volta dos -23ºC, e a busca agora é pelo super-hidreto de ítrio (YH10), cuja Tc, segundo previsões teóricas, chega aos 53ºC.

Todos esses resultados foram obtidos em condições extremas, em minúsculas quantidades e em pressão equivalente a cerca de dois milhões de vezes aquela à qual nós estamos submetidos. Mesmo assim, são superlativas as palavras usadas pelos pesquisadores para falar sobre sua busca.

Um pouco menos distante parece a aplicação de outra classe de materiais destacada pela Nature: as perovskitas.

Perovsquê?

O nome ainda soa estranho, mas devemos ouvi-lo cada vez mais no futuro próximo.

As perovskitas compreendem um conjunto de materiais com diferentes composições e um mesmo tipo de estrutura cristalina. Elas começaram a ser pesquisadas em 2009, como alternativa ao silício convencionalmente usado nos painéis fotovoltaicos. Além de mais baratas e fáceis de produzir, as perovskitas saltaram de 3,8% de eficiência na conversão de radiação solar em energia elétrica para 20% em menos de uma década, o que agitou a comunidade científica e, também, as indústrias do setor.

Restam, aqui também, alguns desafios. O primeiro é produzir células solares com perovskita em grande escala, já que os resultados obtidos em laboratório ainda não conseguem ser reproduzidos em formatos maiores. Outro obstáculo a ser superado é a presença de chumbo nas células que demonstraram maior eficiência até o momento, já que o elemento é tóxico. A estabilidade dos filmes de perovskita diante de fatores ambientais como umidade e temperatura também é uma questão importante.

Junto com a possibilidade de comercialização de painéis com perovskita, a Nature tem outra aposta na área de energia: as baterias de estado sólido, prometidas pela Toyota para julho, em lançamento de protótipo de carro elétrico previsto para acontecer nos Jogos Olímpicos de Tóquio.

As baterias de íons de lítio, criadas em 1970 —e premiadas com o Nobel de Química no ano passado–, ainda hoje figuram entre os principais dispositivos para armazenamento de energia. Mas sua capacidade precisa de um upgrade, diante das crescentes demandas não só de veículos elétricos, mas da transição para energia de fontes renováveis, como a solar, que precisa ser armazenada.

Aí também são os materiais a fronteira do desenvolvimento.

Baterias são, fundamentalmente, compostas por dois eletrodos –um configurando um polo positivo e outro o negativo– e o eletrólito –meio de propagação da corrente elétrica entre os eletrodos. Convencionalmente, o eletrólito é um meio líquido, mas eletrólitos sólidos prometem maior densidade energética (além de segurança), inclusive pela possibilidade de uso de novos materiais, mais eficientes, nos eletrodos.

Novos materiais supercondutores, células solares de perovskitas e baterias mais eficientes são todos constituintes da busca por um novo modelo energético e evidenciam, assim, a relevância da pesquisa em novos materiais no combate à emergência climática.

Dentre os 10 eventos destacados pela Nature, dois outros, além dos já mencionados, aparecem pela sua relação com o clima: a 26ª Conferência do Clima da ONU (COP-26) e o resultado das eleições presidenciais nos Estados Unidos, ambos previstos para novembro. E outros dois tangenciam a área de materiais: a série de missões espaciais com destino a Marte programadas para este ano e a definição orçamentária sobre um novo colisor de partículas europeu.

Por tudo isso, o ano, que está só começando, promete. Também aqui no Brasil, onde grupos de pesquisa atuam na fronteira do conhecimento nas diferentes linhas registradas: supercondutores, perovskitas e baterias. Sínteses acompanhará e compartilhará os avanços, principais resultados e, também, eventuais obstáculos ou reveses.

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