Previsões para a ciência em 2020 destacam materiais
Como nos restam alguns dias de janeiro, ainda cabe registrar que, dentre infindáveis retrospectivas e previsões na passagem do ano, a da Nature coloca em destaque a pesquisa em materiais. A revista indicou 10 tópicos nos quais prestar atenção em 2020, dois deles em materiais.
A busca por materiais supercondutores em temperatura ambiente –um sonho dos físicos, segundo a Nature– é uma das áreas com potencial de avanço significativo neste último ano da década.
A supercondutividade foi descoberta em 1911, rendendo ao holandês Heike Kamerlingh Onnes o prêmio Nobel de Física em 1913. Desde então, foram ao menos outros quatro Nobel para o fenômeno em que materiais transmitem corrente elétrica com resistência zero. No entanto, a supercondutividade só se manifesta abaixo de uma determinada temperatura crítica (Tc), específica de cada material.
Até 1986, a supercondutividade era considerada uma propriedade da matéria em baixíssimas temperaturas, e se supunha inclusive a existência de um limite natural à sua manifestação acima dos 30 graus Kelvin (-243,15ºC). Mas, naquele ano, este limite foi transposto e, desde então, a temperatura não parou de subir.
Se não estamos mais familiarizados com os supercondutores é justamente porque suas aplicações são restritas às baixíssimas temperaturas. Porém, em condições mais próximas àquelas em que vivemos, o potencial de uso cresce imensamente, com aplicações que vão da geração, transmissão e armazenamento de energia com grande eficiência à computação quântica.
Em 2018, um novo recorde foi quebrado, com o primeiro dos chamados super-hidretos, compostos com grande quantidade de hidrogênio. O pioneiro, com lantânio (LaH10), é supercondutor por volta dos -23ºC, e a busca agora é pelo super-hidreto de ítrio (YH10), cuja Tc, segundo previsões teóricas, chega aos 53ºC.
Todos esses resultados foram obtidos em condições extremas, em minúsculas quantidades e em pressão equivalente a cerca de dois milhões de vezes aquela à qual nós estamos submetidos. Mesmo assim, são superlativas as palavras usadas pelos pesquisadores para falar sobre sua busca.
Um pouco menos distante parece a aplicação de outra classe de materiais destacada pela Nature: as perovskitas.
Perovsquê?
O nome ainda soa estranho, mas devemos ouvi-lo cada vez mais no futuro próximo.
As perovskitas compreendem um conjunto de materiais com diferentes composições e um mesmo tipo de estrutura cristalina. Elas começaram a ser pesquisadas em 2009, como alternativa ao silício convencionalmente usado nos painéis fotovoltaicos. Além de mais baratas e fáceis de produzir, as perovskitas saltaram de 3,8% de eficiência na conversão de radiação solar em energia elétrica para 20% em menos de uma década, o que agitou a comunidade científica e, também, as indústrias do setor.
Restam, aqui também, alguns desafios. O primeiro é produzir células solares com perovskita em grande escala, já que os resultados obtidos em laboratório ainda não conseguem ser reproduzidos em formatos maiores. Outro obstáculo a ser superado é a presença de chumbo nas células que demonstraram maior eficiência até o momento, já que o elemento é tóxico. A estabilidade dos filmes de perovskita diante de fatores ambientais como umidade e temperatura também é uma questão importante.
Junto com a possibilidade de comercialização de painéis com perovskita, a Nature tem outra aposta na área de energia: as baterias de estado sólido, prometidas pela Toyota para julho, em lançamento de protótipo de carro elétrico previsto para acontecer nos Jogos Olímpicos de Tóquio.
As baterias de íons de lítio, criadas em 1970 —e premiadas com o Nobel de Química no ano passado–, ainda hoje figuram entre os principais dispositivos para armazenamento de energia. Mas sua capacidade precisa de um upgrade, diante das crescentes demandas não só de veículos elétricos, mas da transição para energia de fontes renováveis, como a solar, que precisa ser armazenada.
Aí também são os materiais a fronteira do desenvolvimento.
Baterias são, fundamentalmente, compostas por dois eletrodos –um configurando um polo positivo e outro o negativo– e o eletrólito –meio de propagação da corrente elétrica entre os eletrodos. Convencionalmente, o eletrólito é um meio líquido, mas eletrólitos sólidos prometem maior densidade energética (além de segurança), inclusive pela possibilidade de uso de novos materiais, mais eficientes, nos eletrodos.
Novos materiais supercondutores, células solares de perovskitas e baterias mais eficientes são todos constituintes da busca por um novo modelo energético e evidenciam, assim, a relevância da pesquisa em novos materiais no combate à emergência climática.
Dentre os 10 eventos destacados pela Nature, dois outros, além dos já mencionados, aparecem pela sua relação com o clima: a 26ª Conferência do Clima da ONU (COP-26) e o resultado das eleições presidenciais nos Estados Unidos, ambos previstos para novembro. E outros dois tangenciam a área de materiais: a série de missões espaciais com destino a Marte programadas para este ano e a definição orçamentária sobre um novo colisor de partículas europeu.
Por tudo isso, o ano, que está só começando, promete. Também aqui no Brasil, onde grupos de pesquisa atuam na fronteira do conhecimento nas diferentes linhas registradas: supercondutores, perovskitas e baterias. Sínteses acompanhará e compartilhará os avanços, principais resultados e, também, eventuais obstáculos ou reveses.