Inteligência artificial promete futuro com materiais sob medida

O ser humano sempre procurou materiais que pudessem satisfazer seus desejos e necessidades, mas a forma como essa busca se dá mudou ao longo do tempo.

Nas idades pré-históricas identificadas com diferentes materiais (pedra, bronze, ferro), partia-se de propriedades evidentes desses materiais –a dureza, por exemplo– para o uso em aplicações como caça e guerra.

Depois, e até muito recentemente, passamos a criar novos materiais por um processo empírico de tentativa e erro, ainda que informado pelo conhecimento experimental e teórico acumulado e, depois, também por simulações computacionais. Esses novos materiais, sintetizados com participação significativa do acaso –tanta que o processo é apelidado por pesquisadores de “tente e tenha sorte”–, são então caracterizados para conhecimento profundo de suas propriedades e, a partir desse conhecimento, sugestão de novas aplicações.

Agora, o que a ciência de dados e a inteligência artificial prometem é o processo inverso, em que imaginamos uma aplicação e perguntamos à máquina qual material mais provavelmente terá as propriedades necessárias.

O Materials Genome Initiative, programa do governo Obama lançado em 2011 para dobrar a velocidade e, concomitantemente, reduzir o custo da descoberta de novos materiais, é considerado um marco no desenvolvimento da área. A iniciativa destaca a existência de um intervalo que vai de 10 a 20 anos para um novo material chegar ao mercado e atribui esse tempo à dependência da intuição científica associada ao processo de tentativa e erro. Para diminui-lo, propõe, sobretudo, o investimento em ferramentas da ciência de dados.

“Os métodos de inteligência artificial são estudados desde os anos 1980. A mudança que temos agora é uma quantidade muito grande de dados disponíveis”, situa Gustavo Martini Dalpian, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) que tem usado essas ferramentas na busca de novos materiais para aplicações em energia. “Hoje, há ações envolvendo big data para quase todas as vertentes de materiais para energia. Há pessoas procurando materiais para células solares de perovskitas, para baterias de lítio mais eficientes, novos materiais termoelétricos”, exemplifica.

Em 2019, Dalpian e o estudante de doutorado Douglas José Baquião Ribeiro publicaram artigo relatando a busca por materiais para as chamadas células solares de banda intermediária, que prometem eficiência superior às células fotovoltaicas convencionais. Com o apoio da técnica de screening, os pesquisadores partiram de um conjunto de quase 50 mil possibilidades para chegar em uma lista com apenas três materiais.

“Os bancos disponibilizam volumes imensos de informações sobre propriedades de materiais já sintetizados e hipotéticos. Se queremos, por exemplo, encontrar um material com dureza próxima à do diamante, a ideia é procurar nos bancos de dados aqueles que possuem um módulo de compressibilidade volumétrica grande, e estes potencialmente serão bons candidatos. O desafio passa a ser, portanto, definir quais propriedades precisam ser buscadas, as quais chamamos de descritores”, explica Dalpian.

O que o screening e outros métodos permitem, portanto, é o melhor aproveitamento de dados acumulados sobre materiais, resultantes de décadas de trabalho experimental e simulações computacionais. Esses dados tornam possível prever propriedades de novos materiais, com o uso de técnicas de inteligência artificial. Dentre essas técnicas, destaca-se a aprendizagem de máquina (machine learning), cujos algoritmos são capazes de identificar correlações complexas entre composição, estrutura e propriedades dos materiais, muito difíceis de serem detectadas pelos métodos tradicionais. Com isso, detectam padrões e aprendem tendências mesmo sem compreender os mecanismos físicos por trás de um determinado resultado.

Universo inexplorado

A revista Science, em nota sobre o tema publicada recentemente, registra que pode chegar à casa dos bilhões o número de materiais ainda desconhecidos. Destes, a grande maioria é irrelevante, o que transforma a procura por materiais de interesse, nas palavras do periódico, em uma busca por agulhas no palheiro.

Os vidros são uma classe de materiais que ilustra bem este desafio. Das 1052 composições vítreas estimadas como possíveis –a partir de combinações entre os elementos da tabela periódica–, apenas 105 vidros já foram sintetizados. Este universo inexplorado traz grandes oportunidades e, vislumbrando esse potencial, Edgar Dutra Zanotto, professor do Departamento de Engenharia de Materiais (DEMa) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Diretor do Centro de Pesquisa, Tecnologia e Educação em Materiais Vítreos (Certev), iniciou há pouco mais de dois anos o trabalho com ferramentas de ciência de dados. Para tanto, buscou a parceria de André Carlos Ponce de Leon Ferreira de Carvalho, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da Universidade de São Paulo (USP).

Em um primeiro artigo, publicado em outubro de 2018, os pesquisadores treinaram um algoritmo para previsão de uma propriedade fundamental na produção de vidros, a temperatura de transição vítrea (Tg). O treinamento foi realizado a partir de dados com a Tg de 55.000 composições vítreas.

Agora, o grupo acaba de publicar um segundo artigo que compara a performance de seis algoritmos diferentes na previsão da mesma propriedade e, para os próximos meses, está previsto o primeiro trabalho que insere outras propriedades nos cálculos realizados. A meta é chegar em softwares de design inverso de vidros, ou seja, nos quais são inseridas as propriedades desejadas para obter um pequeno conjunto de composições a serem testadas empiricamente.

Neste caso, além da economia de tempo e dinheiro, há o potencial de obter materiais com propriedades e aplicações exóticas. Isto porque vidros com até 10 elementos químicos em sua composição são comuns, mas acima disso é muito mais difícil experimentar sem o apoio da inteligência artificial.