O que aprendi com as máscaras respiratórias (além de não usar)

Há dois meses, durmo e acordo com máscaras faciais.

Não fui infectada pelo novo coronavírus, tampouco tenho qualquer outra condição de saúde que me obrigue a usá-las, felizmente. A condição que levou meu pensamento às máscaras durante tantos dias e noites desde as primeiras notícias sobre o vírus foi a persistência –talvez teimosia– em descobrir de que material são feitas.

O início da epidemia coincidiu com os primeiros dias deste Sínteses, em janeiro. Logo surgiram as primeiras notícias sobre escassez de máscaras no mercado e, também, guias sobre a pertinência de usá-las para proteção contra covid-19 –nome que a doença viria a receber só depois, em fevereiro. Entusiasmada com a missão de descobrir e relatar de que o mundo é feito, embarquei na empreitada para produzir uma nota sobre o material das máscaras. Mas foi muito mais difícil do que eu imaginava descobrir.

Até agora, não sou capaz de registrar aqui informações tão precisas e detalhadas quanto gostaria. Falhas minhas podem ter contribuído, mas me parece que segredos industriais e a especialização da prática científica foram mais importantes. O que consigo contar é que as máscaras em geral são produzidas com tecidos não tecidos (já explico!) que têm polímeros como matéria-prima (frequentemente polipropileno), em várias camadas (três ou quatro, comumente).

Mas aprendi muitas outras coisas interessantes durante minha busca. A primeira é que existe toda uma área de pesquisa dedicada à filtração e aos chamados meios, ou elementos, filtrantes. Porque é disto que se trata: de filtração do ar, ou seja, da passagem do fluxo de ar através de um material poroso no qual ficam retidas as partículas que não atravessam os poros.

O tamanho desses poros –junto com outras variáveis– define um outro aspecto relevante da nossa pesquisa: a diversidade de máscaras existentes. Dentre elas, temos as máscaras cirúrgicas, que se distinguem de respiradores –ou peças faciais filtrantes (PFF)– essencialmente por não estarem sujeitas às mesmas normas rigorosas e não passarem pelos testes que garantem a certificação em diferentes níveis de proteção. Além disso, as máscaras não se ajustam perfeitamente ao rosto, permitindo assim a passagem do ar pelas bordas.

No caso dos respiradores, dentre os diferentes níveis de segurança, o PFF2 –ou N95 segundo a legislação dos Estados Unidos ou P2 para filtros de respiradores reutilizáveis– é o mais indicado para agentes biológicos com características como as do coronavírus.

No entanto, nunca é demais reforçar que as máscaras não são a principal medida de proteção e podem, inclusive, gerar uma falsa sensação de segurança. O mais importante é lavar as mãos e outras medidas de higiene, deixando as máscaras, especialmente em caso de escassez, para as pessoas infectadas e os profissionais de saúde.

Voltando aos materiais, falemos dos tecidos não tecidos, ou TNT, aquele que todos já usamos como toalha de mesa, fantasia ou em alguma outra incursão em atividades de decoração, artesanato ou trabalhos escolares.

A definição é feita em oposição aos tecidos. Nestes, fios estão entrelaçados em ângulos de 90 graus, posicionados longitudinal (no sentido do comprimento do tecido) e transversalmente (largura). Já os não tecidos são véus ou mantas de fibras ou filamentos que podem estar orientados direcionalmente ou posicionados ao acaso, mas que são consolidados por métodos mecânicos, químicos ou térmicos, e não, justamente, por tecelagem. A fabricação usa diferentes rotas e matérias-primas.

O uso de tecidos não tecidos nos dispositivos de proteção respiratória está relacionado ao seu baixo custo –o que justifica a aplicação sobretudo no caso de descartáveis–, mas eles também apresentam resultados superiores em termos de filtração de bactérias e outros microrganismos e de permeabilidade.

No caso das máscaras e respiradores, polímeros são a matéria-prima mais comum dos tecidos não tecidos, ou polímeros associados a fibras de celulose.

Nos respiradores –e algumas vezes é isto que os difere das máscaras cirúrgicas–, há a associação de não tecidos obtidos por diferentes processos de produção. Entre duas camadas externas obtidas por fiação contínua (método conhecido como “spunpond”) está um meio filtrante produzido por sopro (“meltblown”), o que resulta em poros menores e, assim, na maior capacidade de filtração. Outros materiais utilizados como filtro são papel e carvão ativado, por exemplo.

As nanofibras são a tecnologia emergente no campo dos meios filtrantes fibrosos. Por suas dimensões reduzidas, dentre outras características, elas diminuem também o tamanho das partículas que podem ser retidas, chegando justamente à escala nanométrica. Além disso, permitem a associação de materiais ativos, que vão além da barreira física dos dispositivos comuns.

Ana Cláudia Canalli Bortolassi buscou, durante seu doutorado, concluído no ano passado, a obtenção de meios filtrantes mais eficientes, com efeito bactericida e capazes de reter partículas nanométricas. Para tanto, adicionou a um substrato de tecido não tecido macroscópico nanofibras produzidas pelo método de eletrofiação (“electrospinning”). Os filtros desenvolvidos têm, como aplicação almejada, justamente máscaras e sistemas de purificação de ar.

Além da obtenção de fibras com superfície de contato muito maior que as produzidas por outros métodos, a eletrofiação permite a adição de agentes bactericidas ao polímero usado como matéria-prima. Na pesquisa de Bortolassi, os aditivos usados foram dióxido de titânio, óxido de zinco e nitrato de prata. Hoje pesquisadora visitante na Deakin University, Austrália, a brasileira registra que o desenvolvimento de meios filtrantes com múltiplas funcionalidades e aplicações é um dos focos da pesquisa na área, junto à obtenção de maior eficiência e menor queda de pressão.