Pesquisa desvenda como nanopartículas de ferro descontaminam aquíferos
Hidrocarbonetos clorados estão entre os contaminantes mais persistentes em reservas de águas subterrâneas – aquíferos – em todo o mundo. Quantidades muito pequenas destes poluentes são suficientes para tornar a água imprópria para consumo humano, por causarem danos aos rins, fígado e, também, câncer.
O problema é característico de regiões industrializadas, pois as substâncias foram muito usadas como solventes, desengraxantes, em esmaltes para pintura de automóveis e na lavagem a seco, dentre outras aplicações. “Há, na cidade de São Paulo, por exemplo, áreas em que a subsuperfície inteira está contaminada”, relata Nathaly Lopes Archilha, do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), que estuda a nanorremediação da contaminação por hidrocarbonetos clorados.
Embora o uso hoje seja rigidamente controlado, vazamentos aconteceram no passado pelo manuseio e armazenamento incorretos e, também, pela destinação inadequada de resíduos. As tecnologias usuais de remediação envolvem o tratamento da água depois de ser trazida à superfície, o que, além do custo, não resolve totalmente o problema. “Por serem mais densos que a água, os hidrocarbonetos clorados, se descartados em solo permeável, afundam até chegar em um leito menos permeável, geralmente o leito de um aquífero”, explica Archilha. “Como eles persistem na subsuperfície por muitos anos, nos poros das rochas, e vão sendo lentamente carregados pelas águas, estamos pagando até hoje o preço de um problema gerado há 50 anos”, situa.
A nanorremediação aparece, assim, como possibilidade de tratamento no próprio aquífero e, também, de atingir estas fontes secundárias de contaminação, os resíduos “capturados” nos poros dos leitos dos aquíferos. Por exemplo, nanopartículas de ferro, um elemento muito reativo, são injetadas no aquífero justamente para reagirem com os poluentes, provocando sua degradação. Embora este efeito já seja conhecido, ainda não se sabia como a reação ocorre em condições similares às de um aquífero real, ou seja, o que acontece nos poros durante a interação entre nanopartículas e contaminantes.
Para descobrir, foi desenvolvida pesquisa usando a tecnologia de tomografia de raios X disponível no Laboratório Nacional de Luz Sincrotron (LNLS), vinculado ao CNPEM. O conhecimento produzido viabilizará, por sua vez, o desenho de estratégias otimizadas de nanorremediação, além de subsidiar a regulamentação dessas técnicas. “Alguns países ainda não usam a tecnologia e um dos motivos é justamente não saberem o que acontece nessas condições. Se vão injetar nanopartículas de ferro, super reativas, precisam saber o que vai acontecer, entender os mecanismos de ação”, ilustra a pesquisadora.
Os pesquisadores simularam os grãos e poros das rochas com uso de pequenas esferas de vidro e, utilizando o acelerador de partículas do LNLS, em Campinas (SP), produziram imagens em quatro dimensões (4D) com resolução suficiente para enxergar os diferentes líquidos dentro dos poros. Em outras palavras, produziram imagens com altura, profundidade e largura (3D) ao longo de um intervalo de tempo (a quarta dimensão). Obtiveram, assim, uma espécie de “filmagem” da interação entre as nanopartículas de ferro e o tricloroetileno (TCE) – membro da família dos hidrocarbonetos clorados adotado no estudo –, em ambiente simulando processos de remediação já empregados em águas subterrâneas.
Analisando as imagens, a equipe identificou dois processos distintos. O primeiro foi a verificação do que já se sabia sobre a reação química entre as nanopartículas e o TCE, que produz um gás. “Nós verificamos a degradação, observando que, ao mesmo tempo que a quantidade de TCE diminuía, gás era formado ao redor”, explica Archilha. “Mas, às vezes, o volume inteiro de TCE desaparecia da imagem, o que não é condizente com o processo de degradação, mais lento. Neste caso, o TCE estava sendo arrastado, e não degradado”, conta a pesquisadora.
A conclusão do estudo é que o uso das nanopartículas é eficiente na remediação de fontes persistentes de contaminantes em subsuperfície. Além disso, a pesquisa revelou que o gás formado, ao se movimentar em direção a regiões de menor pressão, carrega com ele quantidades de TCE, o que não necessariamente é bom para o processo de remediação. “Se muito TCE for arrastado, o resultado pode ser a chegada da substância a uma área que antes não estava contaminada. Por isso, conhecendo esse mecanismo, é possível, por exemplo, otimizar a velocidade de injeção ou a concentração de nanopartículas para controlar a produção do gás”, explica Archilha.
Na pesquisa já realizada, a linha de luz então disponível no LNLS permitiu a observação de poros micrométricos. Para o futuro, com a inauguração do novo acelerador, o Sirius, o grupo pretende investigar o que acontece também na escala nanométrica. “Um dos problemas desses contaminantes é que eles chegam até poros muito pequenos, e nós queremos verificar o que acontece nesta escala”, conta a pesquisadora do CNPEM. “O Sirius também trará maior resolução temporal, além da espacial. O máximo que nós conseguíamos com o antigo acelerador era uma imagem a cada seis minutos. No Sirius, será possível produzir uma imagem por segundo”, complementa. “No caso do arraste do TCE pelo gás, por exemplo. Na pesquisa que fizemos, em uma imagem o TCE estava lá e, na outra, tinha sumido. Agora nós devemos conseguir ver o que aconteceu entre esses dois pontos”, conclui.
Os resultados obtidos estão no artigo intitulado “Pore-scale investigation of the use of reactive nanoparticles for in situ remediation of contaminated groundwater source”, publicado no dia 16 de junho no periódico PNAS. Além de Archilha, assinam o artigo outros dois pesquisadores do CNPEM e parceiros da Teesside University, no Reino Unido, do Politecnico di Torino, Itália, e da Universidade Federal do Paraná (UFPR).