Nanopartícula imita ambiente natural de formação dos ossos

Materiais cerâmicos a base de fosfato de cálcio (CaP) são muito pesquisados para reparo e regeneração do tecido ósseo, com aplicações em fraturas e perda óssea provocada, por exemplo, por cirurgias para retirada de tumores ou doença, como a osteoporose. Hoje, as cerâmicas sintéticas comercialmente disponíveis têm desempenho aquém do tecido natural extraído do próprio paciente ou proveniente de bancos de tecidos.

Por isso, a busca é por reproduzir sinteticamente composição, estrutura e, assim, função biológica dos materiais responsáveis pela construção e regeneração óssea no corpo humano e outros organismos vivos. Pesquisadores do Laboratório de Físico-Química de Superfícies e Coloides do campus de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP) acabam de obter resultados importantes neste sentido, com a síntese de nanopartículas de fosfato de cálcio e estrôncio semelhantes a estruturas existentes no nosso corpo.

A concha de um molusco, como o vôngole ou a vieira, e o giz escolar são feitos do mesmo material, o mineral carbonato de cálcio (CaCO3). No entanto, como todos sabemos, é fácil transformar o giz em pó com apenas uma mão, enquanto as conchas são conhecidas pela sua resistência mecânica.

A responsável por essa diferença é a biomineralização, processo pelo qual organismos vivos produzem minerais a partir de elementos químicos retirados do meio, na presença de macromoléculas orgânicas. Assim também são construídos nossos ossos e dentes, e falhas neste processo, por sua vez, acarretam a osteoporose.

“O que diferencia a biomineralização é o fato de ser um processo extremamente regulado. Nossos ossos crescem em locais controlados por uma matriz, não em qualquer lugar”, registra Camila Bussola Tovani, integrante do grupo da USP. “O processo encanta cientistas, por ser quimicamente simples, mas resultar em estruturas sofisticadas cuja complexidade o ser humano ainda não consegue reproduzir no laboratório”, compartilha.

“A parte inorgânica dos nossos ossos é formada pelo mineral apatita, um fosfato de cálcio que nós conseguimos produzir na bancada do laboratório, como hidroxiapatita. No entanto, a apatita biomineralizada no corpo humano a partir de matriz orgânica de colágeno apresenta propriedades muito diferentes, especialmente a resistência mecânica”, complementa Ana Paula Ramos, que orientou a pesquisa de doutorado de Tovani.

Para produzir as nanopartículas, as pesquisadoras buscaram inspiração justamente nas condições naturais de produção dos nossos ossos e dentes.

Processos de regeneração óssea acontecem o tempo todo no nosso corpo. Neles, a unidade básica, uma espécie de molde no qual acontece a biomineralização, é a fibrila de colágeno, matriz orgânica cilíndrica onde a formação dos cristais de fosfato de cálcio se dá em espaço confinado e, assim, resulta em estruturas com forma e tamanho controlados e bem definidos.

Para imitar este molde cilíndrico, foi usada uma membrana polimérica disponível comercialmente, de policarbonato, com poros com dimensões uniformes de cerca de 200 nanômetros de diâmetro, tamanho semelhante ao das fibrilas. A membrana foi mergulhada em uma solução contendo fosfato, cálcio e estrôncio, elemento com ação conhecida na regeneração e no controle de perdas de tecido ósseo.

Depois da solução penetrar nos poros da membrana, é realizada a secagem, na presença de compostos que desencadeiam a mineralização. Em seguida, o policarbonato é dissolvido, restando as nanopartículas cilíndricas de fosfato de cálcio e estrôncio.

Na análise dessas nanopartículas no laboratório, em cultura de osteoblastos (células responsáveis pela formação do tecido ósseo), o grupo de pesquisa verificou sua atividade na regeneração do tecido. “Além de ser estruturalmente e morfologicamente semelhante à matriz óssea original, o material entrega localmente os íons de estrôncio reguladores da atividade de células importantes no processo de formação óssea”, explica Ramos.

As células mencionadas são os osteoclastos, responsáveis pela reabsorção de tecido ósseo, cuja atividade é aumentada em pessoas com osteoporose. A combinação do fosfato de cálcio mineralizado por rota que mimetiza o processo natural aos íons de estrôncio levou, assim, à combinação entre as capacidades de induzir a biomineralização e de controlar a atividade dos osteoclastos, que provocam a perda de densidade do tecido ósseo pela sua reabsorção.

As pesquisadoras contam que os próximos passos são testes com as nanopartículas aplicadas em matrizes poliméricas utilizadas no reparo de defeitos maiores e, também, adicionadas a cremes dentais, para tratamento da hipersensibilidade dentinária. “A partícula como está, como pó compactado, já poderia ser aplicada no reparo de pequenos defeitos, como, por exemplo, em um implante ortodôntico. As matrizes de outros materiais são usadas em enxertos onde há exigência de sustentação, como na tíbia, por exemplo”, explica Ramos.

Outro desafio é o estabelecimento de parcerias para os estudos em modelos animais e, posteriormente, em humanos. “Ciência não se faz sozinho. Nós somos físico-químicas, e não conseguiríamos aplicar as nanopartículas que produzimos na regeneração óssea se não trabalhássemos em colaboração com colegas bioquímicos, médicos, farmacêuticos”, destaca a professora da USP. “Além disso, o impacto dos resultados obtidos evidencia a importância de investimentos na internacionalização da pesquisa brasileira, pois eles só foram possíveis devido às parcerias que estabelecemos com instituições na França”, conclui, registrando que Tovani fez estágio na Universidade Sorbonne durante o doutorado, onde agora atua como pesquisadora de pós-doutorado.

Imagem de microscopia eletrônica das nanopartículas sintetizadas pelo grupo de pesquisa

Imagem de microscopia eletrônica das nanopartículas sintetizadas pelo grupo de pesquisa. Sobre um fundo preto, as nanopartículas, que aparecem acinzentadas, formam uma espécie de trama com as fibras dispostas na horizontal.